Dom Jacinto Bergmann | CNBB |
CONSTRUIR VASOS “SIN CERA”
Dom
Jacinto Bergmann
Arcebispo de Pelotas (RS)
Depois de ter refletido (em dois artigos anteriores) sobe a honestidade
e a lealdade, ouso hoje trazer uma reflexão sobre a “sinceridade”. Há um nexo
intrínseco entre as três realidades.
Comecemos com a origem da palavra e seu consequente
significado. “Sinceridade”, como palavra, foi literalmente “inventada”
pelos romanos. Eles fabricavam certos vasos de uma cera especial. Essa cera
era, às vezes, tão pura e perfeita que os vasos se tornavam transparentes. Em
alguns casos, chegava-se a se distinguir um objeto – um colar, uma pulseira ou
um dado, que estivesse colocado no interior do vaso. Para um vaso assim, fino e
transparente, dizia o romano vaidoso: – “Como é lindo! Parece até que não tem
cera, é “sin cera”. Assim, aos poucos, “sin cera” – “sem cera” torna-se uma
qualidade de um vaso finíssimo e transparente, um vaso delicado e perfeito que
deixava ver através de suas paredes os objetos ricos colocados dentro.Com o
tempo, a expressão passou a ter um significado além da descrição dos vasos. Em
correlação, os adjetivos “sincera” ou “sincero”, começou a significar aquela
pessoa transparente, franca, honesta, leal, verdadeira, que não oculta, que não
usa disfarces, dissimulações, fraudes, malícias, mentiras. O substantivo
“sinceridade”, por sua vez, designou a propriedade de deixar ver e transparecer
sentimentos elevados, palavras verdadeiras, ações com nobreza, comportamentos
com verdade e moções cardíacas retas e íntegras. “Sinceridade”, então, tonou-se
sinônimo elevado de “retidão e integridade”; também de “doçura e
confiabilidade”; ainda de “acolhida do que há de mais nobre e verdadeiro que
deveria sempre estar no vocabulário de toda alma”.
Olhemos agora um episódio bíblico que tem tudo a ver com a
“sinceridade”. Ele se encontra no contexto do chamado de Jesus de Nazaré aos
primeiros discípulos. Eis o episódio: “Jesus resolveu partir para a Galiléia e
encontrou Filipe. Jesus lhe disse: – ‘Segue-me!’ Filipe era de Betsaida, a
cidade de André e Pedro (ambos também já tinham sido chamados por Jesus).
Filipe encontra Natanael e lhe diz: – ‘Encontramos aquele de quem escreveram
Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, o Filho de José, de Nazaré’.
Perguntou-lhe Natanael: – ‘De Nazaré pode sair algo de bom?’ Filipe lhe disse:
– ‘Vem e vê’. Jesus viu Natanael vindo até ele e disse a seu respeito – ‘Eis
verdadeiramente um israelita em quem não há fraude’”
Como está presente a sinceridade neste episódio?
Primeiro: Jesus procura pessoas sinceras – retas e íntegras para serem
seus discípulos. A procura dessas pessoas, faz o diferencial. Será que não
falta sinceridade na procura das relações humanas atuais?
Segundo: A resposta positiva de Filipe para ser discípulo de Jesus faz
ele, com sinceridade, procurar Natanael. Pessoas sinceras decidirem ampliar a
procura de outras pessoas sinceras, faz o diferencial. Será que não falta
sinceridade na procura em rede por relações sinceras?
Terceiro: Natanael questiona a sinceridade da própria pessoa de Jesus
vinda de um lugar sem condições históricas de retidão e integridade. A
sinceridade permite questionamento sobre as conições das pessoas serem retas e
íntegras. Como, cada vez mais, não se pode questionarquando se busca mais
sinceridade, por quê?
Quarto: Filipe responde ao questionamento sincero de Natanael com um
apenas “vem e vê”. A sinceridade não é retórica, ela é existêncial, ela é “sem
cera” – fina e transparente, reta e íntegra. Será que, ainda, são permitidos
questionamentos sinceros em vista de uma transparência maior?
Quinto: Jesus de Nazaré, sendo “reto e íntegro”, conhece Natanael também
“reto e íntegro”. E, por isso, elogia-o como alguém sincero “em quem não há
fraude”. A sinceridade elogia e não bajula, respeita e não engana, liberta e
não frauda, é justa e não injusta. Como falta sinceridade? Bajula-se tanto,
engana-se continuamente, frauda-se inescrupulosamente, a injustiça anda solta!
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