2022. Imagem final renderizada de Santo Antônio de Pádua. Direito de imagem concedido pelo autor | Vatican News |
Cícero
Moraes, designer brasileiro da cidade de Sinop/MT, apresenta nova modelagem do
rosto de Santo Antônio de Pádua. O profissional compartilha também fatos da sua
história pessoal.
Luiz Felipe Bolis – Vatican News
A história do êxodo de Cícero André da Costa Moraes
selou a mudança de Chapecó/SC para Sinop/MT quando este tinha apenas 4 anos.
Sobre as linhas de uma narrativa semelhante a de milhares de outras pelas
estradas brasileiras, a escassez de trabalho na cidade de origem influenciou a
família na busca por melhores condições de vida.
Era 1986 e o Brasil se reconstruía pelas vias da
democracia. Os brasileiros, na procissão de um progresso esperançoso, marchavam
adiante pelas oportunidades anunciadas dentro e fora da nação verde e amarela.
O coração da gente de maioria católica depositava suas esperanças na
intercessão de Nossa Senhora Aparecida e num oceano de outras devoções.
Dentro da narrativa de Cícero se fazem presentes as
mãos de Santo Antônio desde as raízes da ancestralidade. O seu avô, de sobrenome
Pagliari, teve a graça de se chamar Antônio. Cícero nasceu num dia 13, não de
junho, mas de novembro, no Hospital Santo Antônio. Coincidência ou não, de
Chapecó a Sinop, ambas as cidades em que viveu tinham o santo português como
padroeiro. Os estudos e a retórica também se revelaram particularidades comuns
entre os dois: o santo e o designer.
Cícero Moraes, designer brasileiro: foto de Martin Dlouhý / Koktejl Vatican News |
Em 1992, aos 9 anos, um quadro de curiosidades em
um programa da TV aberta chamou a atenção de Cícero. Ficou impressionado pela
reconstrução facial forense de uma pessoa, a partir do crânio original. Trinta
anos depois, o designer 3D mato-grossense se transformou no Brasil, e além
fronteiras, em uma das maiores referências no campo da reconstrução facial.
Nesta história de profissão e interesse pessoal, o
menino de Sinop, depois de reconstruir mais de 70 rostos de forma digital, deu
um salto de qualidade e se aventurou para criar a face de um dos homens mais
amados na história da Igreja: Santo Antônio de Pádua. Esse trabalho vigora
entre os mais conhecidos de Cícero, feito em parceria com o Centro de Estudos
Antonianos, o Museu de Antropologia da Universidade de Pádua, o Centro de
Tecnologia Renato Archer e o grupo de pesquisa arqueológica Arc-Team.
“Eles mandaram para mim um crânio escaneado, só
informaram que era homem, a faixa etária de 36 anos e a ancestralidade”, pontua
o cidadão mato-grossense. O primeiro molde da face do rosto do santo de Pádua,
apresentado em 2014, alcançou uma repercussão de grandes proporções em várias
partes do Brasil e do mundo e foi reportado por diversos veículos de
comunicação. O crânio foi reconstruído em uma leva de outros crânios a serem
refeitos, e só depois foi possível descobrir que se tratava de uma das maiores
devoções da Igreja Católica.
Oito anos depois, Cícero aproveitou-se do avanço da
ciência e da tecnologia para recriar o rosto de Santo Antônio de Pádua,
utilizando técnicas computadorizadas desenvolvidas por ele mesmo. Em 2022, o
resultado dos estudos saiu em uma reconhecida revista internacional de
arqueologia, intitulada Digital Applications in Archaeology and
Cultural Heritage (DAACH).
“Em 2014 eu utilizei técnicas de terceiros e em
2022 eu utilizei técnicas que eu mesmo criei com colegas de estudo. Então a
gente teve essa aproximação facial forense do Santo Antônio de Pádua, agora
mais coerente, com as estatísticas das estruturas faciais de um ser humano.
Curiosamente a linha do perfil ficou muito parecida com aquela de 2014, e um
outro fato interessante para se falar sobre esse processo de estudo é que nós
colhemos dados do corpo dele de um estudo de 1980, e eles realizaram um
levantamento do endocrânio de Santo Antônio e, para a nossa surpresa, ficou bem
parecido, usando dados de tomografia computadorizada, a tecnologia moderníssima
validou o estudo que fizeram em 1980”, explicita Cícero sobre o santo nascido
em Lisboa, em 1195, e falecido em Pádua, em 1231.
Reconstrução do crãnio: Direitos autorais concedidos pelo autor. Vatican News |
Do trauma ao sucesso
No fim dos anos 90, a computação gráfica 3D já
encantava o jovem Cícero. Desenhista auxiliar de alguns escritórios de
arquitetura naquela época, ele levou ao mundo digital o conhecimento analógico
adquirido desde os 12 anos. Serviços para a área de marketing e publicidade
também foram surgindo.
Em 2011 a roda da vida girou. Uma nova engrenagem
para os rumos pessoais e profissionais do designer foi acrescentada. Ele viu a
fronteira entre a vida e a morte bem diante dos olhos. Ele viu o perigo. Era
noite. Estava a caminho de uma visita aos pais quando, no meio do percurso,
surgiram bandidos que apontaram um revólver em sua direção. A reação foi
inevitável. Um tiro de raspão o atingiu. Mas a bala mais dolorosa foi aquela
que atingiu a alma, com um trauma que o deixou recluso por quinze dias. O
pânico não o deixava sair de casa. A depressão bateu à porta, e de intrusa
permaneceu por longo tempo.
Mas eis que não só de descidas é feita a caminhada
do homem. As subidas também fazem parte. Em Cícero despertou um desejo
hibernado desde 1992: o gosto pela técnica de retratar graficamente pessoas
vivas ou falecidas através de modelagem 3D.
Foi então que ao passar pelo sepulcro da existência
humana ele deixou os panos e os planos velhos para trás e foi em busca de novos
sentidos de vida. Ele estudou, aprendeu, se refez, decodificou palavras
difíceis em inglês e tantos outros códigos. E deste percurso veio a glória de
vestir sobre si uma nova roupagem de designer. Nasceu o Cícero que hoje o
Brasil e o mundo conhecem como o menino prodígio de Sinop. O Cícero que deu
vida a um campo ainda pouco explorado e a pessoas que, em sua grande maioria,
vieram ao mundo tempos antes da existência de registros fotográficos.
“Em pouco tempo superei a ansiedade acerca do
assalto e fechei parcerias com pesquisadores internacionais, apresentando o
trabalho em vários países. Um dos desdobramentos desse projeto foi o interesse
por parte de médicos e cirurgiões dentistas acerca da abordagem 3D digital
sobre a face, que se desdobraram em parcerias de desenvolvimento de tecnologia,
culminando em soluções para o planejamento cirúrgico humano (hoje o meu
ganha-pão) e a confecção de próteses animais e humanas. Desde o assalto que
sofri, a recuperação foi tão plena que além de ‘voltar à vida’, passei a viajar
por outros países, a ter dezenas de parceiros de pesquisas e a ver o meu
trabalho noticiado em mais de 100 idiomas em volta do globo, nos principais
sites, jornais impressos e canais de TVs”, sublinha Cícero.
Cícero Moraes, designer brasileiro: foto, Martin Dlouhý / Koktejl Vatican News |
Novas descobertas por meio do
autoconhecimento
Estudos e treinos na academia vigoram entre os
afazeres da rotina de Cícero Moraes. Há alguns meses, já perto dos 40 anos, o
desbravador de novos mundos e descobertas surpreendeu-se com o diagnóstico que
lhe foi apresentado com muita cautela, busca e acompanhamento de um psicólogo:
ele fazia parte do mundo de pessoas com altas habilidades/superdotação
(PAH/SD).
“Eu tenho memórias de quando era bebê. Aos meus
poucos meses de vida, minha mãe estava jogando canastra 11 com o meu pai e
amigos, e eu me interessei pelas cartas. Ao tentar pegar uma delas na mesa, o
meu curto braço não a alcançou, daí minha mãe me deu uma colher, tomei a colher
com a mão esquerda, encostei na carta, puxei-a e finalmente peguei-a. Todos na
mesa vibraram com a ação e eu me recordo muito bem daquele momento. Além disso,
comecei a andar cedo, a falar cedo, a ler algumas palavras com pouco mais de um
ano de idade e a minha memória é ininterrupta desde os 3 anos, de modo que eu
recordo até do momento que isso passou a acontecer, pois foi no dia que eu dei
uma pirueta sobre a cama, e de lá pra cá lembro de quase tudo”, frisa o
designer.
Desde o princípio Cícero imaginava que um indivíduo
com superdotação era alguém com memória totalmente fotográfica, capaz de fazer
cálculos complexos de cabeça, praticamente um computador humano imune a erros.
No entanto, pesquisas revelaram que o horizonte dos que possuíam essa condição
era muito maior.
O mote inicial pela busca incessante de
autoconhecimento aos 39 anos veio através de uma “crise” muito comum nessa
idade e também chamada de “crise da meia-idade ou metanoia”, a qual Cícero
explica como “uma espécie de ‘adolescência adulta’, onde o mundo psicológico
sofre profunda turbulência, fazendo com o que o indivíduo reveja seus conceitos
e reestruture a forma com que encara a própria existência”.
O grande nome de Sinop pontua: “ao descobrir que eu
era uma PAS (pessoal altamente sensível), aprendi algo novo e muito importante:
descansar de verdade, ou seja, não fazer nada para realmente recarregar as
energias, evitando a saturação e logo, a ansiedade”.
Reconstrução do crãnio: Direitos autorais concedidos pelo autor. Vatican News |
O designer e o seu legado
Cícero Moraes recebeu diversas honrarias, dentre
elas: nove moções de aplauso (2013-2022) oferecidas pelas Câmara de Vereadores
de Sinop, Comenda Colonizador Enio Pipino (2014), Título de Cidadão
Mato-Grossense (2015), Reconhecimento por parte do Governo Regional de
Lambayeque (Peru) pela reconstrução facial do Senhor de Sipán (2017), a Medalha
Inca Garcilaso de la Vega (2017), um reconhecimento do Ministério da República
Tcheca (2018) e um reconhecimento da Arquidiocese de Kosice, Eslováquia (2019)
pelas suas contribuições a religião oficial e à história do país.
Em 2021 obteve o reconhecimento do Guinness
World Records pelo primeiro casco de tartaruga impresso em 3D no mundo. Em
2022 recebeu o título de Doutor Honoris Causa outorgado pela
Faculdade Tecnológica de Limoeiro do Norte (FATELL) e pela Fundação Cariri
(FUNCAR), por suas contribuições à Ciência utilizando a computação gráfica 3D.
Seus trabalhos foram noticiados nos principais meios de comunicação do mundo e
as publicações traduzidas para mais de 100 idiomas, contemplando o
impressionante número de quase 7 bilhões de falantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário