Discurso do Papa Bento XVI | Presbíteros |
Discurso do Papa Bento XVI aos Bispos do Brasil (Nordeste 1 e 4) em
visita ad limina – 2009
Caríssimos Irmãos no Episcopado,
Sede bem-vindos! Com grande
satisfação acolho-vos nesta casa e de todo coração desejo que a vossa
visita ad Limina proporcione o conforto e o encorajamento que
esperais. Agradeço a amável saudação que acabais de dirigir-me pela boca de Dom
José, Arcebispo de Fortaleza, testemunhando os sentimentos de afeto e comunhão
que unem vossas Igrejas particulares à Sé de Roma e a determinação com que
abraçastes o urgente compromisso da missão para reacender a luz e a graça de
Cristo nas sendas da vida do vosso povo.
Queria falar-vos hoje da primeira
dessas sendas: a família assentada no matrimônio, como «aliança conjugal na
qual o homem e a mulher se dão e se recebem» (cf. Gaudium et spes,
48). Instituição natural confirmada pela lei divina, está ordenada ao bem dos cônjuges
e à procriação e educação da prole, que constitui a sua coroa (cf. ibid.,
48). Pondo em questão tudo isto, há forças e vozes na sociedade atual que
parecem apostadas em demolir o berço natural da vida humana. Os vossos
relatórios e os nossos colóquios individuais tocavam repetidamente esta
situação de assédio à família, com a vida saindo derrotada em numerosas
batalhas; porém é alentador perceber que, apesar de todas as influências
negativas, o povo de vossos Regionais Nordeste 1 e 4,
sustentado por sua característica piedade religiosa e por um profundo sentido
de solidariedade fraterna, continua aberto ao Evangelho da Vida.
Sabendo nós que somente de Deus
pode provir aquela imagem e semelhança que é própria do ser humano (cf. Gen 1,
27), tal como aconteceu na criação – a geração é a continuação da criação -,
convosco e vossos fiéis «dobro os joelhos diante do Pai, de quem recebe o nome
toda paternidade no céu e na terra, [para] que por sua graça, segundo a riqueza
da sua glória, sejais robustecidos por meio do seu Espírito, quanto ao homem
interior» (Ef 3, 14-16). Que em cada lar o pai e a mãe, intimamente
robustecidos pela força do Espírito Santo, continuem unidos a ser a bênção de
Deus na própria família, buscando a eternidade do seu amor nas fontes da graça
confiadas à Igreja, que é «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do
Espírito Santo» (Lumen gentium, 4).
Mas, enquanto a Igreja compara a
família humana com a vida da Santíssima Trindade – primeira unidade de vida na
pluralidade das pessoas – e não se cansa de ensinar que a família tem o seu
fundamento no matrimônio e no plano de Deus, a consciência difusa no mundo
secularizado vive na incerteza mais profunda a tal respeito, especialmente
desde que as sociedades ocidentais legalizaram o divórcio. O único fundamento
reconhecido parece ser o sentimento ou a subjetividade individual que
exprime-se na vontade de conviver. Nesta situação, diminui o número de
matrimônios, porque ninguém compromete a vida sobre uma premissa tão frágil e
inconstante, crescem as uniões de fato e aumentam os divórcios. Sobre esta
fragilidade, consuma-se o drama de tantas crianças privadas de apoio dos pais,
vítimas do mal-estar e do abandono e expande-se a desordem social.
A Igreja não pode ficar
indiferente diante da separação dos cônjuges e do divórcio, diante da ruína dos
lares e das conseqüências criadas pelo divórcio nos filhos. Estes, para ser
instruídos e educados, precisam de referências extremamente precisas e
concretas, isto é, de pais determinados e certos que de modo diverso concorrem
para a sua educação. Ora é este princípio que a prática do divórcio está
minando e comprometendo com a chamada família alargada e móvel, que multiplica
os «pais» e as «mães» e faz com que hoje a maioria dos que se sentem «órfãos»
não sejam filhos sem pais, mas filhos que os têm em excesso. Esta situação, com
as inevitáveis interferências e cruzamento de relações, não pode deixar de
gerar conflitos e confusões internas contribuindo para criar e gravar nos
filhos uma tipologia alterada de família, assimilável de algum modo à própria
convivência por causa da sua precariedade.
É firme convicção da Igreja que
os problemas atuais, que encontram os casais e debilitam a sua união, têm a sua
verdadeira solução num regresso à solidez da família cristã, lugar de confiança
mútua, de dom recíproco, de respeito da liberdade e de educação para a vida
social. É importante recordar que, «pela sua própria natureza, o amor dos
esposos exige a unidade e a indissolubilidade da sua comunidade de pessoas, a
qual engloba toda a sua vida» (Catecismo da Igreja Católica, 1644). De
fato, Jesus disse claramente: «O que Deus uniu, o homem não separe» (Mc 10,
9), e acrescenta: «Quem despede a sua mulher e se casa com outra, comete
adultério contra a primeira. E se uma mulher despede o seu marido e se casa com
outro, comete adultério também» (Mc 10, 11-12). Com toda a
compreensão que a Igreja possa sentir face a tais situações, não existem casais
de segunda união, como os há de primeira; aquela é uma situação irregular e
perigosa, que é necessário resolver, na fidelidade a Cristo, encontrando com a
ajuda de um sacerdote um caminho possível para pôr a salvo quantos nela estão
implicados.
Para ajudar as famílias, vos
exorto a propor-lhes, com convicção, as virtudes da Sagrada Família: a oração,
pedra angular de todo lar fiel à sua própria identidade e missão; a
laboriosidade, eixo de todo matrimônio maduro e responsável; o silêncio,
cimento de toda a atividade livre e eficaz. Desse modo, encorajo os vossos
sacerdotes e os centros pastorais das vossas dioceses a acompanhar as famílias,
para que não sejam iludidas e seduzidas por certos estilos de vida
relativistas, que as produções cinematográficas e televisivas e outros meios de
informação promovem. Tenho confiança no testemunho daqueles lares que tiram as
suas energias do sacramento do matrimônio; com elas torna-se possível superar a
prova que sobrevém, saber perdoar uma ofensa, acolher um filho que sofre,
iluminar a vida do outro, mesmo fraco ou diminuído, mediante a beleza do amor.
É a partir de tais famílias que se há de restabelecer o tecido da sociedade.
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