Rio Jordão | Folha de São Paulo |
Israel e Jordânia se unem
para recuperar rio Jordão e mar Morto
Fundamentais nos ecossistemas do Oriente Médio,
locais estão secando.
Por:
Diogo
Bercito - 19.jan.2023
Os governos de Israel e
da Jordânia têm
se aproximado nos últimos meses para enfrentar um dos grandes desafios
ambientais de sua região.
Esses dois países —que no passado guerrearam—
assinaram em novembro uma declaração conjunta para cooperarem na recuperação
do rio Jordão. A assinatura aconteceu na cúpula do
clima COP27,
no Egito.
O rio Jordão está contaminado e vem sumindo. É,
segundo a Bíblia, o cenário do batismo de Jesus,
além de outros episódios centrais do livro. Turistas, em especial os
religiosos, costumam visitá-lo para serem batizados e encher garrafinhas com
essa água, de simbolismo tamanho.
Rio Jordão com o
mar Morto, onde ele deságua, ao fundo, perto da cidade de Jericó (Cisjordânia)
- Menahem Kahana - 14.out.2022/AFP
A importância do Jordão vai além da Bíblia, porém.
O rio desce do mar da Galileia, no norte de Israel, e desemboca no mar Morto. É
uma peça fundamental para os ecossistemas do Oriente Médio –uma
das regiões do mundo mais afetadas pela mudança climática,
segundo especialistas.
Isso sem mencionar a importância política. O rio
Jordão passa pela Cisjordânia,
um território que Israel ocupa desde 1967.
Sua bacia inclui a Síria, em conflito com Israel, e também os palestinos, sob
seu controle.
Segundo Elias Salameh, professor na Universidade da
Jordânia e especialista no tema, todos os países que fazem parte da bacia do
rio contribuíram —por exemplo, desviando água— à diminuição do fluxo do Jordão.
Eram 1.400 milhões de metros cúbicos anuais nos anos 1960; o número caiu à taxa
atual: de 100 milhões a 150 milhões de metros cúbicos anuais.
O incremento da atividade agrícola e da urbanização
nos países da região foi, ainda, responsável pela poluição do Jordão com
dejetos e componentes químicos. Ademais, a intensa atividade humana levou a um
aumento "dramático", da salinidade do rio, na avaliação de Salameh.
O curso do rio Jordão afeta também o mar Morto, um
ecossistema único e bastante frágil —onde
turistas vão para flutuar na superfície,
graças à excepcional composição salina da água. Segundo o professor Salameh, o
nível desse mar baixou em quase 40 metros desde os anos 1970. O mar Morto corre
o risco, assim, de fazer jus ao seu nome e realmente morrer.
A diminuição da superfície do mar Morto resulta em
diversos fenômenos, como a diminuição da umidade do ar, afetando a vida ao
redor. Crateras têm surgido ao redor da costa, com risco a assentamentos.
Formações salinas
no sul do mar Morto, perto de Neve Zohar (Israel) - Gil
Cohen-Magen - 9.jan.2023/AFP
O texto assinado por Israel e pela Jordânia inclui
planos para aumentar o fluxo de água que vem do rio Jordão, limpá-lo,
incentivar a agricultura sustentável na bacia e criar reservas ambientais em
toda essa região.
Não está claro qual será o impacto imediato, no
entanto, e há razões para ceticismo. Em primeiro lugar, porque o ministro
israelense que firmou o acordo já não faz mais parte do governo. Em segundo,
porque os palestinos —que vivem na bacia— não foram fizeram parte da conversa.
Ainda assim, a assinatura é um marco importante. "Significa que Israel e Jordânia entenderam as consequências do que está acontecendo", diz Yana Abu-Taleb, uma das diretoras da Eco Peace, ONG que conecta israelenses, jordanianos e palestinos para a proteção ambiental.
"Eles compreenderam que a mudança climática
afeta todos os lados e que eles precisam cooperar", ela afirma, reforçando
que "o ambiente não respeita fronteiras."
Para além do impacto ambiental, Abu-Taleb ressalta
também a importância dos planos de recuperação do rio em termos econômicos. O
texto prevê o desenvolvimento sustentável ao redor do Jordão, em especial nos
territórios onde vivem jordanianos e palestinos.
Na visão de organizações como a Eco Peace, soluções
ambientais como a recuperação do rio Jordão têm, inclusive, o potencial de
promover a paz regional. "Ao reunir as partes para falar sobre a mudança
climática, nós ajudamos a criar confiança entre elas. Só com confiança haverá
paz."
Abu-Taleb diz, ainda, que a própria degradação do
rio Jordão é uma das consequências dos conflitos e dos desentendimentos entre
os países nessa região. "Não há cooperação, e é aí que o rio perde sua água.
Os governos se apropriam há décadas do quanto podem, sem negociar. Agora estão
enfrentando secas. Se a gente não colaborar, todos perdem."
Salameh diz algo parecido com a fala de Abu-Taleb.
"Devido à situação delicada das fronteiras de diferentes países em
conflito, as medidas adequadas não foram implementadas", afirma. "O
rio Jordão virou um local de depósito para dejetos. E ninguém se sentiu
responsável por ele."
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open
Society Foundations.
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