O falso drama dos pseudoescrupulosos | Presbíteros |
O falso drama dos
pseudoescrupulosos
Por Pe. José Eduardo Oliveira e
Silva
A
VOLUNTARIEDADE DOS ATOS E A CONFUSÃO DOS PSEUDOESCRUPULOSOS
Quando uma pessoa insiste em
confessar um a um todos os pensamentos estúpidos de que a mente é capaz ou de
relatar todas as imperfeições que cometeu como se fossem pecados consumados,
estamos diante de uma ignorância persistente.
Há desde quem se queira acusar
pelo fato de ter pisado numa barata aos cinco anos de idade até quem o queria
por ter deixado o terço cair da mão, uma vez, na semana passada.
Obviamente, essas pessoas são
incapazes de entender que apenas os atos humanos são passíveis de moralidade.
A Teologia Moral tradicionalmente
distingue entre os “atos do homem” e os “atos humanos”. Os primeiros são
quaisquer atos realizados pelo homem sem voluntariedade (piscar, digerir, os
atos reflexos etc.) e os segundos são aqueles realizados com voluntariedade, ou
seja, porque se quis.
São Tomás de Aquino explica, na Suma
Teológica (cf. I-II, q. 8), que a vontade é um “apetite racional” que segue uma
“forma apreendida”. Em outras palavras, ninguém pode querer sem ter ciência do
que quer (como diziam os antigos, “nihil volitum nisi præcognitum”, “ninguém
pode querer sem ter conhecido antes”). O mesmo princípio é reafirmado por São
João Paulo II na Encíclica Veritatis Splendor, n. 78.
Os pseudoescrupulosos, em sua
sanha por inventar pecados, acabam sempre reinterpretando os seus atos
involuntários como sendo objetivamente pecaminosos. Por exemplo, “quando eu fiz
aquilo eu poderia ter causado aquela consequência ruim” — consideração absurda
que no momento da ação ele mesmo não tinha presente.
Quando entram no mundo das
“omissões”, então, a coisa se complica infinitamente, pois começam a inventar
coisas que poderiam ter feito e não fizeram, não percebendo que a omissão
consiste na escolha de não realizar um dever, entendido como tal na hora da
escolha. Imaginem a neurose que é ficar investigando tudo que se poderia ter
feito.
Por isso, os falsos escrupulosos
têm verdadeira fome por tratados de moral, porque os ajudam a encontrar pecados
que eles nunca imaginaram que teriam cometido, atribuindo-lhes a posteriori uma
voluntariedade que não tiveram no momento em que supostamente realizaram ou
omitiram aquelas ações. — Obviamente, eu não incluo aqui os atos “voluntários
in causa” ou “voluntários indiretos” (quando uma ação é diretamente querida
como meio para alcançar um efeito produzido).
Segundo a doutrina católica, a
ignorância do fato exime de culpa (nem sempre a ignorância da lei, pois, às
vezes, o interessado teria obrigação de conhecê-la; daí que não tem sentido
aquela desculpa de quem diz “prefiro nem saber para não ter que cumprir”). Mas
os falsos escrupulosos sempre apresentam situações mirabolantes em que atribuem
consciência posterior à sua ignorância anterior, não percebendo que isso mesmo
é uma demonstração de ignorância doutrinal. De fato, não são escrupulosos, são
ignorantes.
O fulano queria ajudar uma
pessoa, fez uma boa obra, mas, a despeito de sua vontade, acabou acontecendo
uma consequência ruim… Pronto! Isso já é suficiente para que o
pseudoescrupuloso se considere culpado pelo efeito mau, sendo que ninguém pode
ser responsabilizado pelos maus efeitos de suas boas ações (por exemplo, um
juiz não é responsável pelo suicídio de um condenado porque ele emitiu uma
sentença justa de condenação).
A ignorância dessas pessoas as
faz analisarem as suas ações como acontecimentos exteriores aos quais elas
atribuem, pelo simples fato de serem realizadas, a voluntariedade. Não
conseguem observar as ações desde dentro, desde a vontade, ignorando que seu o
propósito interior é o que confere a responsabilidade pela ação.
Alguém escuta sem querer uma
música estrangeira e, depois, vai conferir a letra e descobre, para a sua
surpresa, que é imoral, logo, considera-se em pecado. Uma pessoa não percebe
que estava com a blusa levantada na parte de trás, logo, considera ter cometido
um pecado de
imodéstia. O sujeito se distrai e
fala algo que não deveria ter dito, logo, julga-se em pecado. Outro, enfim,
esbarra sem querer numa imagem indecente, à qual não quis nem por um segundo
ver, pronto!, já se considera em pecado mortal.
Para que haja culpa de pecado
grave, a Igreja ensina que a matéria precisa ser grave (diretamente contra o
amor a Deus ou a benevolência ao próximo, contra a castidade ou contra os cinco
mandamentos da Igreja; os demais mandamentos admitem parvidade de matéria, quer
dizer, podem chegar a ser graves, mas não o são em toda a sua extensão), que
deve haver plena advertência e perfeito consentimento.
Ora, ninguém tem plena
advertência dormindo ou anestesiado. Os falsos escrupulosos não se cansam,
porém, de querer confessar sonhos ou movimentos corporais ocorridos no estado
de semissonolência.
Sobre o perfeito consentimento,
creio que tudo que disse acima acerca da voluntariedade esclareça o tema
suficientemente. Contudo, vale lembrar: ninguém peca mortalmente sem a plena
anuência da vontade! Mesmo que a matéria seja grave, para que haja culpa,
deve-se querer plenamente realizar aquilo (o que pode coincidir, às vezes, com
certa repulsa; como no caso de alguém que comete um crime voluntariamente, mas
com certa aversão emocional).
Mesmo os pecados por pensamento,
sem consentimento, não possuem plena razão de pecado. Aquilo que se chama
tradicionalmente de “delectatio morosa” é o pensamento consentido, ou seja,
querer pensar ou imaginar algo. A simples passagem de uma imagem ou ideia tosca
pela nossa mente, se for refutada imediatamente (caso seja passageira) ou se
for insistentemente combatida (caso seja persistente) não é consentir em
pecado, mas simplesmente sentir uma tentação e resisti-la (o que é até
meritório). O ignorante, porém, confunde tudo e, por sua falta de doutrina, acaba
por adscrever como pecados um monte de bobagens que a sua mente fértil acabou
excretando.
Se a sua tia está assistindo uma
novela indecente na sala ao lado, você não é culpado por estar ali. Se você usa
um computador alheio no qual há um programa ilicitamente adquirido, você não é
culpado de cooperação. Isso não passa de aplicação errada de princípios que
você não sabe utilizar. Pare com isso agora mesmo e seja obediente a um
criterioso confessor!
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