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O SACERDOTE DO PÓS-CONCÍLIO
POR PIERGIORDANO
CABRA *
Dentro do Ano sacerdotal, temos o
gosto de oferecer aos leitores um artigo publicado em «L’Osservatore Romano»,
ed. port., de 18-VII-09, em que se propõe a santidade dos presbíteros fiéis aos
ensinamentos do Vaticano II.
Quando se fala de santidade
sacerdotal, o pensamento vai espontaneamente para as grandes figuras do
passado, sobretudo do século XIX, ilustrado por eminentes personalidades de
sacerdotes que se impuseram no seu tempo, suscitando admiração e maravilha pelo
seu modo de comportar-se e de influir na sociedade. Dificilmente o pensamento
vai para o sacerdote do pós-concílio, tão abalado pelos terramotos culturais e
sociais, e caracterizado por um processo de redefinição da figura do sacerdote,
com incertezas teológicas e concretas. Contudo, a segunda metade do século
passado pode ser caracterizada por uma «nuvem de testemunhas» que viveram na
tensão entre o antigo e o novo, entre lealdade à Igreja e amor pelas
necessidades do próprio rebanho, entre expectativas e realizações, entre
resultados prometidos e desilusões práticas.
Gostaríamos aqui de prestar
homenagem a estes «santos anónimos» sem reconhecimentos e sem auréola, de uma
santidade que se poderia chamar de difícil e custosa fidelidade criativa, da
inserção do profeta sobre o sacerdote. A história que segue pode ser a de um de
tantos sacerdotes que nestes decénios carregaram o peso do seu ministério, com
uma inabalável fidelidade a Cristo e com a esperança de não serem desiludidos.
O Vaticano II tinha aberto o
coração a grandes esperanças. Previa-se uma florescente primavera, sinal da
renovada juventude da Igreja, abalada por um novo Pentecostes. O clima de
entusiasmo criado pelo Concílio era tal que se esperava um salto em frente da
Igreja no coração dos homens e na sociedade. Com grande surpresa, as igrejas,
em vez de se encherem, começaram a esvaziar-se e a fugaz Primavera foi
substituída por um Outono tardio, anunciador de ventos frios e inospitaleiros.
Começa aqui o calvário do
sacerdote sozinho com o seu povo. Povo que olha cada vez menos para ele,
atraído por outros interesses, imergido num mar de informações que corrompem a
sua palavra. Começam os debates sobre o Vaticano II, com a pergunta
frequentemente presente, mesmo se nem sempre pronunciada: De quem é a culpa? De
quem atrasa a sua aplicação ou de quem ousou demais?
Há quem se declara de uma parte e
quem se declara da outra. O sacerdote santo primeiro hesita, avaliando e
sofrendo, e depois faz as suas opções, mantendo firme o ditado evangélico do
«não julgar para não ser julgado» e da primazia da caridade que o impede de
condenar quem não pensa como ele. E, sobretudo, faz um ato de fé no Espírito
Santo que «falou por meio do Concílio», sabendo que a boa semente dará fruto no
tempo oportuno, onde e como o dono da messe quiser. É a santidade do trabalhar
não tanto para obter resultados, mas para ser fiéis à própria tarefa.
O grupo dos fidelíssimos, que
antes se reuniam com ele para ouvir a sua palavra e as diretrizes, tomou
consciência da própria dignidade de batizados e é encorajado a ser parte viva
do povo de Deus. Formam-se os vários conselhos pastorais nos quais os leigos
tomam a palavra e participam, por vezes com pouca, outras com demasiada
convicção.
Do falar ao ouvir, o passo não é
fácil, também porque por vezes existe a contestação, há juízos sumários sobre a
Igreja, há reivindicações de autonomia inusuais e que devem ser avaliadas.
O sacerdote santo não elimina nem
minimiza tudo isto, esperando unicamente que a tempestade termine para voltar a
levantar a cabeça, mas medita sobre a Igreja como comunhão e decide continuar a
ouvir, mas também a falar, com paciência e com coragem, sabendo que a sua
comunidade se constrói com a contribuição de todos, dando-se conta de que deve
aprender muito, assim como de que tem algo a ensinar. Começa aqui uma
particular devoção ao Espírito Santo, Espírito de discernimento, devoção que
caracteriza a espiritualidade do sacerdote santo. Com a confiança no Espírito,
dedica-se a construir a sua comunidade como fraternidade.
Na construção da comunidade, a
primeira atenção é dada à Palavra de Deus, que «volta do exílio», e à liturgia
que se torna culmen et fons da sua ação pastoral. Foi grande o
entusiasmo pela introdução das línguas correntes na liturgia e na proclamação
da Palavra. Mas, depois das primeiras curiosas e atentas assembleias, pouco a
pouco o interesse diminui. A Palavra é compreendida na própria língua, mas a
compreensão não é óbvia como se esperava.
O sacerdote santo sabe que tem
que trabalhar em profundidade e dedica-se a adquirir competência sobre a
liturgia e a exegese. Dedica-se a aprofundar e a formar o seu povo. Propõe
também cânticos novos, aplica as reformas, explica o melhor possível a Palavra,
reorganiza devoções populares procurando sintonizá-las com o espírito da
liturgia. Mas, com o passar do tempo vê que alguns não compreendem e os jovens
não se interessam.
As assembleias renovadas com
grande cuidado diminuem, mesmo se as igrejas são aquecidas, o esquema de
altifalantes é melhorado, o edifício restaurado, por vezes também com excelente
gosto. O sacerdote santo partilha o mal-estar com os seus irmãos, mas exorta-os
a não cair no pessimismo. Continua a sua obra de formação, a partir da Palavra
de Deus, meditada na oração e anunciada. Compreende que a Palavra tem o poder
de o edificar pessoalmente e à sua comunidade e dedica-lhe a parte mais
tranquila do seu tempo, no qual pode «contemplar» os factos de todos os dias à
luz da Palavra. Está convicto de que a celebração da Eucaristia é o centro da
sua vida e da sua comunidade e, mesmo devendo deslocar-se em vários lugares
multiplicando as celebrações, vigia para não se deixar subverter pela rotina.
Houve um período no qual a
política assumiu um aspecto messiânico: «Tudo é política», dizia-se nas
cátedras e nas praças. «A política é a forma mais alta da caridade», afirmou Paulo
VI. Alguns irmãos abraçavam com entusiasmo a política para resolver tantos
problemas, a partir do dos pobres. Neste triunfo da política, o nosso sacerdote
santo não se sentia muito à-vontade: a reforma das estruturas, mesmo se
necessária, por vezes não parecia substitutiva da reforma do coração pedida
pelo Senhor?
Os partidos excediam nos seus
pedidos de fazer da Igreja uma base eleitoral? E quem servia melhor os pobres?
E ele, pobre sacerdote, não corria o risco de ser envolvido nas tensões
políticas, perdendo a credibilidade e o afeto de uma parte da sua grei, além da
difícil mansidão evangélica? E como evitar a tentação de apoiar um respeitável
candidato para disso obter vantagens?
Dado que cada solução – também a
de não se interessar por política – era considerada política, o sacerdote santo
pensa que é melhor manter a discrição, intervindo o mínimo exigido,
concentrando-se no Evangelho e pregando sobre as exigências de conversão em
relação aos pobres. E precisamente no momento em que se fala muito da «opção
pelos pobres» e vê alguns que se servem dos pobres, decide no seu coração nunca
fechar a porta aos pobres, denunciar as situações de exploração que vê, mesmo à
custa de ver reduzidas as ofertas, e, sobretudo, fazer uma opção de vida
sóbria, essencial, sem se conceder mais do que a condição médio-baixa do seu
povo se pode permitir. Com algumas excepções: os livros, caros mas necessários,
e algumas viagens, relaxantes e úteis, sobretudo nas missões, para se dar conta
do mundo que muda e das novas perspectivas para o Evangelho.
Contudo, ao dar-se conta de que
se afirmam novos modelos de comportamento e novas formas de pensar, na maioria
em ruptura com o passado, eis que rebentam as bombas explosivas, como a
introdução do divórcio e a liberalização do aborto. E, precisamente quando
alguns teólogos se mostravam propensos a fechar o purgatório, o sacerdote santo
verifica que o purgatório existe, sobretudo quando se senta no confessionário,
onde deve meditar entre as normas severas e a fragilidade do praticante, entre
a fidelidade à doutrina da Igreja e uma diversa sensibilidade do penitente,
entre a misericórdia de Deus pronta a perdoar e quem ao contrário exige a
legitimação dos próprios comportamentos.
O sacerdote santo encontra-se
dilacerado interiormente, constatando o abismo que se alarga entre a lei e a
realidade, mas persevera invocando o Espírito de discernimento para as
situações inéditas, tomando consciência de que a sua tarefa não é rebaixar as
exigências do ser cristão, mas ajudar a encontrar novos caminhos para o ser no
nosso tempo.
Depois há os momentos da solidão,
que pesam como uma pedra, que corroem interiormente. Momentos nos quais se
sente sozinho consigo mesmo, necessitado de afecto e de estima, sozinho com o
Senhor que silencia e com os outros que não compreendem, com o seu celibato
aparentemente tão pouco estimado, ferido pelas debilidades de alguns irmãos,
imediatamente apregoadas pelas media, que lançam uma suspeita
corrosiva sobre todo o clero. É o seu Getsémani, ao lado de Jesus abandonado.
Sentir-se-á aliviado quando o
Papa Bento XVI relançar o purgatório, consciente de o ter antecipado em parte
nas horas, quando boas e quando difíceis, do confessionário. Mas também nas
horas longas e escuras da sua solidão, sobre as quais pairava desânimo e
depressão, mas das quais sai provado e purificado.
A sua dedicação pastoral
construiu uma comunidade de crentes, capazes de resistir ao desgaste do
secularismo, que atinge a maioria, que condiciona a mentalidade geral. Para
ele, secularismo não é um conceito sociológico neutro, mas são famílias que se
desagregam, liberdade de costumes, desejo de exibição, busca de dinheiro fácil,
irrelevância prática da pregação da Igreja em muitos sectores.
A avalanche parece irreprimível.
Parece-lhe até que o cristianismo não é capaz de resistir aos assaltos cada vez
mais insistentes lançados de muitas partes. Por vezes pensa que está diante do
mistério do mal que se manifesta com todas as suas capacidades de sedução e de
engano. Quase sente receio, porque por vezes sente-se desarmado diante do
alargamento de forças ao serviço de um plano obscuro. Mas depois, no contacto
orante com a Palavra, pensa que o seu Senhor foi o primeiro que lutou contra o
poder das trevas, abriu os olhos aos seus discípulos convidando-os à
vigilância, prometendo também o Espírito, que infunde a coragem na luta e força
nas tribulações.
O sacerdote santo sente que deve
perseverar na oração, mesmo quando é árida e vazia, porque sabe que recebe a
força do Espírito juntamente com o seu conforto. Não se lê nos Actos
dos Apóstolos que os discípulos estavam «cheios do Espírito Santo»
precisamente no meio das dificuldades?
Assim cultiva a sua perseverança,
redescobrindo páginas da antiga ascética, pensando em tantos que olham para a
sua fidelidade como ponto de referência para a sua, cada vez mais difícil,
fidelidade. Por isso, não se amargura nem se entristece com lamentosas
filípicas: sabe que o mundo está firmemente nas mãos de Deus, que está a
preparar algo de novo. Compete a ele, seu servo humilde, anunciar a boa nova de
que Deus não abandona o seu povo.
Ditas desta forma, as coisas
parecem fáceis, até edificantes. Mas quantas delas tentou o nosso sacerdote
santo, quantas desilusões, quantas tristes surpresas. Contudo, aprendeu a
lamentar-se mais com o Senhor do que com os fiéis, aguçou o olhar sobre o novo
que está a germinar, olha para outros lugares onde o Evangelho progride, abre o
seu coração aos pobres do Terceiro Mundo, olha com simpatia para as iniciativas
com bom êxito, mesmo se não foram promovidas por ele. Rejubila ao ver o bem
feito pelos movimentos, mesmo se não deseja aderir a eles.
Não duvida das suas
responsabilidades de pastor e não desiste de anunciar a verdade total, mas
fá-lo com caridade e com delicadeza em relação às pessoas, sem se fazer forte
da verdade que possui, brandindo-a como uma arma, consciente de que a primeira
verdade é a caridade que não culpabiliza, mas convida a voltar ao Deus da paz.
Apercebe-se, com o passar dos
anos, que é mais evangélico anunciar a beleza e a grandeza do amor de Deus, do
que mortificar o homem frágil.
Nisto ajudam-no os santos
pastores que, enamorados do Amor, souberam conduzir a este amor pessoas
desorientadas nos caminhos do mundo.
Ele sente-se pequeno e grande,
servo e unicamente servo, mas totalmente do Senhor para o qual tudo volta.
Pequeno e grande, anunciador de um mundo que não morre. Pequeno e grande, como
Maria, que se tornou para ele, com o passar dos anos, «vida, doçura e
esperança».
Revendo a sua vida, ele constata
que o Senhor lhe mudou o ideal de santidade, através de mudanças imprevistas
nas ciências, na cultura, na sociedade, mudanças que deram origem à mudança das
perguntas do povo e, por conseguinte, à sua colocação.
Não sabe se lhe respondeu, mas
sabe que as levou a sério. Verificou que também as pessoas lhe ensinaram muitas
coisas, sobretudo as que conversavam menos e queriam ser mais discípulas do que
mestras.
Sente-se feliz por ter olhado
para os superiores com respeito e muitas vezes também com amor, tendo sob
controle a tentação da contestação ou da lisonja. Compreende as suas
dificuldades, mesmo se no seu coração os quisesse mais criativos.
Não lhe desagrada não ter feito
carreira. Sorri diante do carreirismo, uma forma de compensação típica também
entre os apóstolos.
Sente-se feliz por ter cultivado
a amizade com os seus irmãos e a alegria com os amigos. E recomenda-os ao
Espírito que renova a face da terra, para que renovem o futuro.
Olhando para a sociedade, que
procede pela sua estrada, é admirado pela sua extraordinária capacidade de
gerir a complexidade, graças ao crescimento das competências e da organização.
Mas apercebe-se de que o homem se torna cada vez mais frágil: sem um fundamento
e sem uma meta, conseguirá evitar ser esmagado pela obra das suas mãos?
Trepida pelo futuro dos jovens.
Mas repete-lhes: «Não tenhais medo de Cristo». Vê com clareza e infinita gratidão
que «tudo é graça», também o ter sido conservado no santo serviço e reza por
quem iniciou com ele e não continuou.
Apercebe-se de que cada sua
reflexão e oração é triangular: Deus, ele, o seu povo. Deus e o povo foram a
sua vida. Um trio já indissolúvel, também além do tempo. Espera apenas que Deus
o acolha com o seu povo, para viverem sempre juntos.
* Consultor da Congregação
para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica.
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