Abel assassinado pelo seu irmão Caim. Catedral deMonreale (século XII), Palermo, Itália | 30Giorni |
Arquivo de 30Dias – 04/2009
A antiga história de Nabot se repete cotidianamente
Assim inicia Santo Ambrósio a sua obra De Nabuthae, que toma o nome do mísero que contrariou o então potente do trono.
de Lorenzo
Cappelletti
Uma cobiça sanguinária
Mas voltemos ao Ambrósio do De Nabuthae, que escolhe (ao menos à
primeira vista) um leitmotiv de caráter social: o verdadeiro
pobre é o rico, ou, se quisermos, o rico não é um verdadeiro pobre: é
miseravelmente indigente, porque procura aquilo que é dos outros; na sua cobiça
“não há a disposição da humildade mas o ardor da cupidez” (2, 8). Portanto, a
sua é uma forma de insânia. Assim como é insano o despeito pelo qual, à recusa
de Nabot, o rico Acab deixa de dormir e de comer. Como é diferente o jejum do
pobre, “que não tem nada e não sabe jejuar voluntariamente senão para Deus, não
sabe jejuar senão por necessidade” (4, 16).
Mas a insânia é ainda mais profunda. Na realidade o rico não pretende possuir,
quanto excluir a posse de qualquer outro bem. Produzindo conseqüências
econômicas desastrosas, para aquela época. E agora não é diferente. Assim fala
o rico: “Enquanto espero, que os preços aumentem, perdi o hábito de fazer
caridade. Quantas vidas de pobres poderia ter salvado com o trigo do ano
passado? Teriam me deixado mais feliz estas recompensas. O avaro está sempre
arruinado pela abundância dos produtos, porque prevê uma desvalorização dos
gêneros alimentícios. Com efeito, uma rica produção é um bem para todos, a
carestia tem vantagens apenas para o avaro. Alegra-se mais pelos preços
altíssimos do que pela abundância dos bens e prefere ter aquilo que só ele pode
vender do que vender junto com todos os outros” (7, 33. 35). Enfim os ricos
crêem que só eles tem o direito de viver. Mas isto é contra a natureza. “Por
que expulsais aquele com o qual tens em comum a natureza e pretendeis possuir a
natureza só para vós? A terra foi criada como um bem em comum para todos, para os
ricos e para os pobres” (1, 2).
Este é o conteúdo da obra que mais apaixonou e provocou discussões nos anos
Cinquenta e Sessenta na Itália, tanto que o De Nebuthae terminou
na primeira página do jornal comunista L’Unità e poucos dias
depois também na primeira página do jornal L’Osservatore Romano em
abril de 1950. Em plena guerra fria, surpreende, seja dito entre parênteses, a
liberdade com que o L’Osservatore Romano<=""
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Mas o rico opõe a este convite o julgamento corrente de que sobre o pobre
pesaria a maldição de Deus e que portanto não serviria a nada doar. Ambrósio,
sem discutir esta questão, corta logo: “Não procurar aquilo que cada um merece.
A misericórdia não costuma julgar os méritos, mas socorrer às necessidades,
ajudar o pobre, não examinar aquilo que é justo”. Porque ele sabe que a partir
desta busca de uma própria justiça se desenvolve uma terrível cadeia que chega
até o homicídio. “Tu estás triste porque queres considerar a medida da justiça
para não roubar aquilo que é dos outros: eu [é o rico Acab que fala] tenho os
meus direitos, tenho as minhas leis. Caluniarei para despojar; e para que a
propriedade do pobre seja roubada, será atingida a sua vida [...]. Com que
evidência foi descrito o modo de agir dos ricos! Ficam tristes se não roubam os
bens alheios, renunciam à comida, jejuam, não para reprimir o pecado, mas para
facilitar o crime. Podem ser vistos na igreja zelosos, humildes, perseverantes,
para merecer o sucesso do delito” (9, 41; 10, 44). Tanto que para escapar da
ameaça que pesa sobre o rico – “por aquela morte cruel, que infligiu ao outro,
ele mesmo está condenado a pagar com a própria horrível morte” (11, 48) – não
valem, digamos assim, as obras de religião. A sua devoção, que vimos não se
tratar de uma devoção mas de "cobiça sanguinária”, cruenta
luxuries (11, 49) – não é benéfica para o rico: “Ofereçam ao Vosso
Senhor Deus dons, devolvam a ele na pessoa do pobre, entreguem ao necessitado,
emprestando a ele como a um mísero, já que não podeis dar-lhes satisfação de
outro modo devido às vossas infâmias. Façam vosso devedor aquele que temeis
como vingador” (16, 67). Se o rico pode apenas chorar os seus pecados e doar, o
pobre pode apenas pedir: “Rezeis e agradeceis ao Senhor vosso Deus, vós, todos
aqueles que em torno a ele ofereceis dons, isto é, rendeis graças, ó pobres,
porque Deus não considera as aparências. Aqueles outros acumulem as riquezas,
juntem tanto dinheiro, reúna tesouros de ouro e de prata; vós, que outras
coisas não possuís, rezai; rezai vós que possuís apenas isso, o que é mais
precioso do que o ouro e a prata” (16, 68).
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