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domingo, 26 de fevereiro de 2023

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente (3/3)

Abel assassinado pelo seu irmão Caim. Catedral de Monreale (século XII), Palermo, Itália

Arquivo de 30Dias – 04/2009

A antiga história de Nabot se repete cotidianamente

Assim inicia Santo Ambrósio a sua obra De Nabuthae, que toma o nome do mísero que contrariou o então potente do trono.

O retrato mais antigo de Santo Ambrósio, que remonta ao séc. V. Detalhe do mosaico da Capela de São Vítor, na Basílica de Santo Ambrósio em Milão

de Lorenzo Cappelletti

A herança de Cristo

Mas “o pobre e glorioso Nabot”, como o chama o artigo de L’Osservatore Romano citado acima, é também alguma outra coisa, ou melhor, é também alguma outra coisa. Nabot não é apenas a imagem do pobre de Israel. Na sua recusa de ceder a vinha (“O Senhor me livre de ceder-te a herança dos meus pais”), Nabot é também a imagem do guardião do depositum fidei. Durante a batalha que o opôs aos arianos, Ambrósio lembrava Nabot a respeito deste propósito: “O santo Nabot defendeu as suas vinhas mesmo com o preço do seu sangue. Se ele não cedeu/traiu (non tradidit) a sua vinha, nós cederemos a Igreja de Cristo? [...] Se ele não cedeu a herança dos pais, eu cederei a herança de Cristo? Longe de mim ceder a herança dos pais, ou seja de Dionísio que morreu no exílio por causa da fé, a herança de Eustórgio, a herança de Mirocle, e de todos os santos bispos precedentes. A minha resposta foi a de um bispo; o imperador que faça o que está em poder de um imperador. Poderia me tirar a vida antes que a fé” (Lettera 75a, ou seja Contra Auxentium de Basilicis do ano 386).
Dois sucessores de Ambrósio, que depois subiram ao trono de Pedro, quiseram imitar o santo bispo de Milão na guarda da vinha do Senhor, que é juntamente a guarda do pobre e do depositum fidei: Pio XI (Achille Ambrogio Damiano Ratti) e Paulo VI (Giovanni Battista Montini). Ambos, como Ambrósio, homens de vasta cultura, ambos provenientes de ricas famílias, ambos levantando a voz como pobres e para os pobres, ambos com condições de fazer política sem objetivo político. Ambos lembraram Santo Ambrósio em seu magistério social. Pio XI – que, na Quadragesimo anno, relevou com os tons proféticos do santo doutor que “à liberdade do mercado subentrou a hegemonia econômica, à avidez do lucro seguiu-se a desenfreada ambição de predomínio e toda a economia se tornou horrendamente dura, cruel, atroz”; e que única era a fonte donde jorrava” de um lado o nacionalismo ou o imperialismo econômico; do outro não menos funesto e execrável o internacionalismo bancário ou imperialismo internacional do dinheiro, cuja pátria é lá onde está o lucro” – abria esta encíclica “seguindo a advertência de Santo Ambrósio que dizia ‘não haver algum dever maior do que o de agradecer’”. Segundo aquele convite constante à oração (não tinha dito Santo Ambrósio “rezeis, vós que possuís apenas isso, coisa que é mais preciosa do que o ouro e a prata”?) que não é o último motivo de tocante consolação quando se lêem os outros seus documentos sociais: a pequena e comovente Impendent Charitas, que implora, na Festa dos Anjos da Guarda de 1931, de vir ao encontro dos sofrimentos dos menores ao aproximar-se de um inverno de fome; a não muito mais extensa Charitate Christi compulsi, de maio do ano seguinte, encíclica social toda dedicada à oração e às obras de penitência: “E qual objeto poderia ser mais digno da nossa oração e mais correspondente à pessoa adorável d’Aquele que é o único ‘Mediador entre Deus e o homem, o homem Jesus Cristo’, do que implorar a conservação na terra da fé no único Deus vivo e verdadeiro?”.
Paulo VI, que se possível era ainda mais conforme ao grácil e culto Ambrósio, quis se referir precisamente ao seu De Nabuthae no número 23 da Populorum progressio: “Sabe-se com qual firmeza os Padres da Igreja esclareceram qual deveria ser o comportamento daqueles que possuem para com aqueles que são necessitados: ‘Não é dos teus bens’, diz Santo Ambrósio, ‘que fazes dons ao pobre; tu não fazes que devolver aquilo que os pertence. Pois te aproprias daquilo que é dado em comum para o uso de todos. A terra é dada a todos, e não apenas aos ricos’. É como dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicionado e absoluto. Ninguém está autorizado a reservar para seu uso exclusivo aquilo que supera a sua necessidade, quando aos outros faltam o necessário. Numa palavra, ‘o direito de propriedade não deve jamais ser exercitado em detrimento da utilidade comum, segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos’. Onde houver um conflito ‘entre direitos privados adquiridos e exigências comunitárias primordiais’, deve o poder público ‘preocupar-se em resolvê-lo, com a participação ativa das pessoas e dos grupos sociais’”.
Havia uma vez homens pobres e gloriosos...

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF