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Santo
Agostinho, bispo de Hipona, séculos IV e V falou da necessidade da realização
da caridade. Esta não se faz só através das palavras como diz João (1 Jo 3,8).
Ele diz: “O teu irmão passa fome, vive na necessidade; talvez aguarde com
ansiedade a tua ajuda; Ele não tem nada e você tem; é teu irmão: Você e ele
foram redimidos juntos pelo sangue de Cristo. Por isto tenhas misericórdia dele
se possuis bens deste mundo”.
Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá (PA)
A Quaresma está em andamento bem como a Campanha da
Fraternidade 2023 sobre a fome. A quaresma nos prepara para o mistério pascal
da paixão, morte de ressurreição de Jesus e a Campanha envolve-nos em políticas
públicas para que a sociedade e a Igreja fiquem sensibilizadas diante do
flagelo da fome em vista de ações caritativas, boas em favor das pessoas
famintas em unidade com a prática de Jesus, pela compaixão e pela ação. É
preciso assumir a ordem de Jesus que é dar a comida aos que mais precisam:
“Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). É importante fazer uma análise de
alguns padres, primeiros escritores cristãos os quais comentaram a respeito da
fome que atingiam muitas pessoas das comunidades onde viviam os ministros, as
suas ações em favor dos pobres e dos necessitados.
A caridade dada aos pobres
Tertuliano, Padre da Igreja nos séculos II e III
falou da ajuda que a comunidade prestava aos pobres e famintos. A comunidade
vivia a sua fé unida a uma prática de vida. Ela se reunia para proclamar as
leituras da Sagrada Escritura, seguidas das admoestações do presidente da
comunidade; após estas coisas havia o momento da entrega dos bens, alimentos,
que cada um trazia consigo. Tertuliano falava de uma caixa comum na qual as
pessoas depositavam as coisas e os coordenadores da comunidade, bispos, sacerdotes
e lideranças se responsabilizavam pelo destino justo de tudo aquilo que era
oferecido. O teólogo africano trouxe um dado muito importante; a piedade,
significando a moral e a fé, a prática de vida, manifestadas em Cristo Jesus.
Quando o teólogo africano falava destas coisas ele tinha presente uma concepção
teológica ligada à objetividade das coisas; o amor ao necessitado e aos que
passavam fome. Por isto ele dizia que a sua comunidade de Cartago, as pessoas
que traziam o dinheiro e alimentos à celebração comunitária eram em vista da
caridade ao próximo”[1].
Misericórdia e generosidade
São Basílio de Cesaréia, bispo, do século IV, dizia
em suas regras pastorais, junto aos seus fiéis para serem misericordiosos e
generosos para com aqueles e aquelas que não tinham os meios necessários para
as suas vidas, porque muitas vezes os pobres eram colocados sob acusação, ou
seja, eram criticados pelas pessoas que tinham o poder econômico ou político.
Deste modo ele insistia para que qualquer coisa que alguém tivesse a mais do
necessário para viver, fosse dado a eles em beneficência, segundo o preceito do
Senhor, através da pregação do Precursor, João Batista que exortava a todos
aqueles que tivessem duas túnicas, doassem as pessoas uma para quem não a
tivesse e a quem possuísse comida fizesse o mesmo, através da partilha com os
mais necessitados (Lc 3,11). A palavra de Deus também se concretizava pela
exortação de São Paulo aos Coríntios que diz que todas as coisas que a pessoa
possui é dom de Deus (1 Cor 4,7)[2].
O trabalho dignifica o ser humano
São Basílio também teve presente à necessidade do
trabalho para ganhar o pão de cada dia. Ele seguia São Paulo que exortava a
todos para o trabalho para assim a pessoa ir para frente e louvar a Deus (2 Ts
3,10-12). Quem tem a possibilidade de trabalhar ajude as pessoas mais
necessitadas. No entanto quem não quisesse trabalhar não era julgado merecedor
de comer (2 Ts 3,10). Como São Paulo, o bispo afirmou que se deve prestar
socorro aos débeis e que há mais alegria em dar do quem em receber (At 20,35).
São Paulo ainda disse que as pessoas deixassem de roubar e fizesse um trabalho
honesto com as suas mãos para ter coisas para serem dadas a quem está na
necessidade (Ef 4,28)[3].
O trabalho é fundamental diante da problemática do desemprego, do pobre que
passa por necessidades, de modo que se ele tiver algum trabalho tem condições
de trazer para a sua casa alimento para os seus familiares.
Aquilo que vai além do
necessário
São Basílio dizia que deveria ter moderação na mesa
sem que não se ultrapassasse os confins do necessário. Este é o limite a quem
acolhe as pessoas que iriam às casas dos fiéis, sabendo que o abuso é o gasto
que vai além do necessário. Ainda que seja o alimento de um dia, no entanto, se
estiver bom é usado para as pessoas, mesmo àquelas que vêm de longe. O alimento,
como dom de Deus não pode ser desperdiçado pelo luxo, pois ele sacia a fome dos
famintos ou de pessoas necessitadas de alimento[4].
O fato é que quem aprecia o luxo não vive bem porque faz desperdício de muitas
coisas possibilitando o aumento das injustiças no meio onde as pessoas vivem.
A fome, uma enfermidade espantosa
São Basílio ainda dizia que a fome é uma
enfermidade espantosa, pois representa a maior das desventuras humanas; é
aquela que possui o fim mais miserável de todas[5].
Ele também fez uma análise das mortes que aconteciam na existência humana;
aquelas que se sucediam com a espada em caso de guerra; outras tinham como
conseqüência a fé professada e, portanto eram martirizados; outros morriam no
fogo ou mesmo sofriam o naufrágio. Todas estas formas de morte, ainda que
indesejáveis à vida humana tivessem uma característica própria: a sua rapidez.
A fome, ao invés levava consigo uma situação lenta, um sofrimento prolongado.
São Basílio chamava-a de doença que se instala no corpo humano de uma forma
escondida, pois ela tem como fim uma morte eminente e sempre em atraso. Ela vai
consumindo a umidade natural, esfriando a temperatura corpórea. Tudo isto leva
à diminuição do peso da pessoa, e atenua as suas forças de uma forma gradativa[6].
São Basílio não queria fazer uma poesia sobre a
fome, mas ele dava uma especificação a uma realidade que atingia a muitas
pessoas do mundo antigo e de suas comunidades cristãs. Ele dizia que o ser
humano vem desfigurado, sendo que a condição de quem sofre a fome é uma negação
da imagem de Deus (Gn 1,26), do qual o ser humano participa como dom e como
missão. A justificação é dada pelo fato que as características pessoais são
modificadas e com o tempo não são mais as mesmas; a pele perde o seu colorido
atraente e a cor rósea do sangue vai desaparecendo. A própria proteção natural
feita através da carne na pele e nos ossos diminui com o tempo por causa da
magreza; os joelhos não possuem mais a força que antes eram presentes porque
falta na pessoa faminta o sustento da comida; assim a voz torna-se débil,
fraca; os olhos inertes e fundos não manifestam uma vida saudável porque com um
estômago vazio, a pessoa necessitada não possui mais a gordura necessária às
vísceras. Assim ela reduz o ritmo dos seus passos para não gastar mais forças e
o seu sustento corporal è mantido em pé pelos ossos das costelas[7].
A doação aos pobres
São Basílio também dizia que o pão que a pessoa
retinha pertence à pessoa faminta, o manto que a pessoa guarda no armário é de
quem de fato estaria nu; os sapatos que estão apodrecendo na casa pertencem ao
descalço; o dinheiro enterrado é do necessitado. Muitas coisas poderiam ser
feitas para socorrer a quem mais precisa, sobretudo os pobres e os famintos[8].
Percebe-se então a convicção de Basílio em relação à realidade da fome que era
necessário realizar ações caritativas para favorecer os pobres e aqueles que
passam a situação da fome.
Esforço à prática do bem comum
São João Crisóstomo, bispo dos séculos IV e V
exortava os seus fiéis ao esforço e a prática do bem. O cristão olha o outro
com fé para dar-lhe uma ajuda quanto necessária às suas carências materiais. O
fato decisivo é que tanto a vida prometida como a punição serão eternas.
Enquanto a pessoa está no tempo, é chamada a realização de coisas portadoras da
verdadeira vida. O Bispo Crisóstomo fazia uma ligação da fome com o pão
espiritual, o pão do Senhor dado para todos. A eucaristia, o dom de Deus
descido do céu, possui como conseqüência “dar de comida ou bebida ou vestir
alguém”, porque o recebimento do Senhor no pão eucarístico impulsiona o cristão
para o outro, ao “necessitado”, e ver nele a presença de Cristo. São estas as
coisas dignas daquela mesa[9],
na qual somos chamados a participar ativamente com fé e com amor.
A prática da caridade
Santo Agostinho, bispo de Hipona, séculos IV e V
falou da necessidade da realização da caridade. Esta não se faz só através das
palavras como diz João (1 Jo 3,8). Ele diz: “O teu irmão passa fome, vive na
necessidade; talvez aguarde com ansiedade a tua ajuda; Ele não tem nada e você
tem; é teu irmão: Você e ele foram redimidos juntos pelo sangue de Cristo. Por
isto tenhas misericórdia dele se possuis bens deste mundo” [10].
O bispo de Hipona insistia junto aos seus fiéis pela ajuda dada, para que a
palavra de Jesus de dar de comer aos que tem fome fosse assumida na prática (Mt
14,16). A pessoa seguidora de Jesus não levaria só o nome como um orgulho
pessoal, mas o demonstra pelos fatos isto é pela caridade fraterna sobretudo
aos que sofrem fome. Jesus teve compaixão da multidão faminta de modo que ele
fez o milagre da multiplicação dos pães e ele nos ensina a agir diante da
realidade das pessoas que passam pelo flagelo da fome com misericórdia e com
ações caritativas.
Notas:
[1] Cfr. Tertuliano. Apologético, 39,
7. Tradução : Luis Carlos Lima Carpinetti. São Paulo, Paulus, 2021,
pgs. 151-152.
[2] Cfr. Regole morali 48, 1-2. In:
Basilio di Cesarea. La cura Del povero e l´onore della ricchezza. Testi
dalle regole e dalla omelie, a cura di Luigi Pizzolato. Milano, Paoline,
2013, pg. 165.
[3] Cfr. Idem, 48, 7, pg.
171-173.
[4] Cfr. Idem, 20,3, pg.
193.
[5] Cfr. Omelia in tempo di fame, PG
31,322s. In: Giordano Frosini. Il pensiero sociale dei Padri.
Brescia, Queriniana, 1996, pg. 35.
[6] Cfr. Idem, pg. 35
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