O cristianismo e as religiões | Vecteezy |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
II.4. "Ecclesia Universale Salutis Sacramentum"
62. Não se pode desenvolver uma teologia das religiões sem levar em
conta a missão salvífica universal da Igreja, testemunhada pela Sagrada
Escritura e pela tradição de fé da Igreja. A valorização teológica das
religiões foi impedida durante muito tempo por causa do princípio "extra
Ecclesiam nulla salus", entendido em sentido exclusivista. Com a doutrina
sobre a Igreja como "sacramento universal da salvação" ou "sacramento
do Reino de Deus", a teologia trata de responder à nova apresentação do
problema. Tal ensinamento, também acolhido pelo concílio Vaticano II, se
concilia com a visão sacramental da Igreja no Novo Testamento.
63. Atualmente, a questão primária já não é se os homens podem alcançar
a salvação ainda que não pertençam à Igreja Católica visível; tal possibilidade
é considerada como teologicamente certa. A pluralidade das religiões, da qual
os cristãos são cada vez mais conscientes, o melhor conhecimento dessas mesmas
religiões e o necessário diálogo com elas, sem deixar em último lugar a mais
clara consciência das fronteiras espaciais e temporais da Igreja, nos
interrogam sobre se se pode ainda falar da necessidade da Igreja para a
salvação e sobre a compatibilidade desse princípio com a vontade salvífica
universal de Deus.
a. "Extra Ecclesiam nulla salus"
64. Jesus uniu o anúncio do Reino de Deus com sua Igreja. Depois de sua
morte e ressurreição, renovou-se a reunião do povo de Deus, agora em nome de
Jesus Cristo. A Igreja de judeus e gentios se entendeu como obra de Deus e como
comunidade na qual se experimenta a ação do Senhor elevado aos céus e de seu
Espírito. Com a fé em Jesus Cristo, o mediador universal da salvação, une-se o
batismo em seu nome, que mediatiza a participação em sua morte redentora, o
perdão dos pecados e a entrada na comunidade de salvação (cf. Mc 16,16; Jo
3,5). Por isso o batismo é comparado com a arca da salvação (cf. 1 Pd 3,20s).
Segundo o Novo Testamento, a necessidade da Igreja para a salvação se funda na
única mediação salvífica de Cristo.
65. Fala-se da necessidade da Igreja para a salvação em duplo sentido:
necessidade da pertença à Igreja para aqueles que crêem em Jesus, e necessidade
salvífica do ministério da Igreja que, por encargo de Deus, tem de estar a
serviço da vinda do Reino de Deus.
66. Em sua encíclica Mystici corporis, Pio XII trata da
questão da relação com a Igreja daqueles que alcançam a salvação fora da
comunhão visível dessa mesma Igreja. Diz deles que se ordenam ao corpo místico
de Cristo por um desejo e anelo inconsciente (cf. DS 3821). A oposição do
jesuíta americano Leonard Feeney, que insiste na interpretação exclusivista da
frase "extra Ecclesiam nulla salus", dá ocasião a carta do Santo
Ofício ao arcebispo de Boston de 8 de agosto de 1949, que recusa a
interpretação de Feeney e esclarece o ensinamento de Pio XII. A carta distingue
entre a necessidade da pertença à Igreja para a salvação (necessitas
praecepti) e a necessidade dos meios indispensáveis para a salvação (intrínseca
necessitas); em relação a estes últimos, a Igreja é um auxílio geral para a
salvação (DS 3867-3869). No caso de ignorância invencível, basta o desejo
implícito de pertencer à Igreja; esse desejo estará sempre presente quando um
homem aspira conformar sua vontade à de Deus (DS 3870). A fé, porém, no sentido
de Hebreus 11,6, e o amor são sempre necessários com necessidade intrínseca
(cf. DS 3872).
67. O Concílio Vaticano II faz sua a frase "extra Ecclesiam nulla
salus". Porém, com ela se dirige explicitamente aos católicos e limita sua
validez àqueles que conhecem a necessidade da Igreja para a salvação. O
Concílio considera que a afirmação se funda na necessidade da fé e do batismo
afirmada por Cristo (cf .LG 14). Dessa
maneira o concílio reforça o ensinamento de Pio XII, mas destaca com mais
clareza o caráter parenético original dessa frase.
68. O Concílio, diversamente de Pio XII, evita a falar do votum
implicitum e aplica o conceito do votumapenas ao desejo
explícito dos catecúmenos de pertencer à Igreja (cf. LG 14). Dos
não-cristãos se diz que estão ordenados de diversos modos ao povo de Deus. A
partir das diferentes maneiras com que a vontade salvífica de Deus abraça os
não-cristãos, o Concílio distingue quatro grupos: em primeiro lugar, os judeus;
em segundo, os muçulmanos; em terceiro, aqueles que sem culpa ignoram o
evangelho de Cristo e não conhecem a Igreja, mas buscam a Deus com coração
sincero e se esforçam por cumprir sua vontade conhecida por meio da
consciência; e, em quarto lugar, aqueles que, sem culpa, ainda não chegaram ao
expresso reconhecimento de Deus mas, não obstante, se esforçam por levar uma
vida reta (cf. LG 16).
69. Os dons que Deus oferece a todos os homens para levá-los à salvação
se fundam, segundo o Concílio, em sua vontade salvífica universal (cf. LG 2; 3; 16; AG 7). O fato de
que também os não-cristãos estejam ordenados ao Povo de Deus se funda em que o
chamado universal à salvação inclui a vocação de todos os homens à unidade
católica do Povo de Deus (cf. LG 13). O Concílio
considera que a relação íntima de ambas as vocações se funda na única mediação
de Cristo, que em seu Corpo que é a Igreja, se faz presente entre nós
(cf. LG 14).
70.Assim se devolve à frase "extra Ecclesiam nulla salus" seu
sentido original, o de exortar os membros da Igreja à fidelidade (30).
Integrada essa frase na mais geral "extra Christum nulla salus", já
não se encontra em contradição com o chamado de todos os homens à salvação.
NOTA:
30. Cf. Orígenes, In Iesu nave 3,5 (Sch 71, 142ss);
Cipriano, De cath. Unit. 6 (CSEL 3/1, 214s); Ep. 73,
21 (CSEL 3/2, 795).
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