O cristianismo e as religiões | Politize! |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
I. TEOLOGIA DAS RELIGIÕES (status
quaestionis)
1.1. Objeto, método e finalidade
4. A teologia das religiões ainda não apresenta um estatuto
epistemológico bem definido — e esta é uma das razões determinantes da atual
discussão. Na teologia anterior ao Vaticano II, constatam-se duas linhas de
pensamento em relação com o problema do valor salvífico das religiões. Uma,
representada por Jean Daniélou, Henri de Lubac e outros, considera que as
religiões se fundam na aliança com Noé, aliança cósmica que comporta a
revelação de Deus na natureza e na consciência, diversa da aliança com Abraão.
Enquanto mantêm os conteúdos dessa aliança cósmica, as religiões contêm valores
positivos; porém, como tais, não têm valor salvífico. São "marcos de
espera" (pierres d’attenté), mas também "de tropeço" (pierres
d’achoppement), devido ao pecado. De si vão do homem a Deus. Só em Cristo e
em sua Igreja alcançam seu cumprimento último e definitivo. A outra linha,
representada por Karl Rahner, afirma que a oferta da graça, na ordem atual,
alcança todos os homens, e que estes têm certa consciência, não necessariamente
reflexa, de sua ação e de sua luz. Dada a característica de socialidade própria
do ser humano, as religiões, enquanto expressões sociais da relação do homem
com Deus, ajudam seus adeptos a acolher a graça de Cristo (fides implicita)
necessária para a salvação, e a se abrirem assim para o amor do próximo que
Jesus identificou com o amor de Deus. Podem ter, nesse sentido, valor
salvífico, embora contenham elementos de ignorância, de pecado e de perversão.
5. Atualmente ganha força a exigência de ura maior conhecimento de cada
religião antes de se poder elaborar uma teologia. Uma vez que em cada tradição
religiosa se encontram elementos de origem e alcance bem diversos a reflexão
teológica deve limitar-se a considerar fenômenos concretos e bem definidos,
para evitar juízos globais e apriorísticos. Desse modo, alguns defendem uma
teologia da história das religiões; outros levam em consideração a evolução
histórica das religiões, suas respectivas especificidades, às vezes
incompatíveis entre si; outros reconhecem a importância do material
fenomenológico e histórico, sem contudo invalidar o método dedutivo; outros,
ainda, se negam a dar um reconhecimento positivo global das religiões.
6. Numa época em que se aprecia o diálogo, a compreensão mútua e a
tolerância, é natural surgir tentativas de elaborar uma teologia das religiões
a partir de critérios aceitos por todos, isto é, que não sejam exclusivos de
determinada tradição religiosa. Por isso, nem sempre se distinguem claramente
as condições para o diálogo inter-religioso e os pressupostos básicos de uma
teologia cristã das religiões. Para fugir dos dogmatismos procuram-se padrões
exteriores, que permitam avaliar a verdade de uma religião. Os esforços
realizados nessa direção não chegam a convencer. Se a teologia é fides
quaerens intellectum, não se vê como se pode abandonar o "princípio
dogmático" ou refletir teologicamente prescindindo das próprias fontes.
7. Perante essa situação, uma teologia cristã das religiões tem diante
de si diversas tarefas. Em primeiro lugar, o cristianismo deverá procurar
compreender-se e avaliar-se a si mesmo no contexto de Uma pluralidade de
religiões; considerar concretamente a verdade e a universalidade reivindicadas
por ele. Em segundo lugar, deverá buscar o sentido, a função e o valor próprio
das religiões na totalidade da história da salvação. Finalmente, a teologia
cristã deverá estudar e examinar as religiões concretas, com seus conteúdos bem
definidos, que deverão ser confrontados com os conteúdos da fé cristã. Para
tanto é necessário estabelecer critérios que permitam uma discussão crítica
desse material e uma hermenêutica que o interprete.
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