O cristianismo e as religiões | Politize! |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
1.2. A discussão sobre o valor salvífico das religiões
8. A questão de fundo é a seguinte: as religiões são
mediação de salvação para seus membros? A essa pergunta há os que respondem
negativamente; mais ainda, alguns nem sequer vêem sentido em que ela seja
levantada. Outros dão uma resposta afirmativa que, por sua vez, provoca outras
perguntas: as mediações salvíficas são autônomas ou é a salvação de Jesus
Cristo que nelas se realiza? Trata-se, portanto, de definir o estatuto do
cristianismo e das religiões como realidades socioculturais em relação com a
salvação do homem. Não se deve confundir essa questão com a da salvação dos
indivíduos, cristãos ou não. Nem sempre se levou devidamente em conta essa
distinção.
9. Tentou-se classificar de muitas maneiras as diferentes posições
teológicas diante desse problema. Vejamos algumas dessas classificações: Cristo
contra as religiões, nas religiões, acima das religiões, junto às religiões.
Universo eclesiocêntrico ou cristologia exclusiva; universo cristocêntrico ou
cristologia inclusiva; universo teocêntrico com uma cristologia normativa;
universo teocêntrico com uma cristologia não-normativa. Alguns teólogos adotam
a divisão tripartite exclusivismo, inclusivismo, pluralismo,
que se apresenta como paralela a outra: eclesiocentrismo, cristocentrismo, teocentrismo.
Como temos de escolher uma dessas classificações para prosseguir nossa
reflexão, ficaremos com esta última, mas a completaremos com as outras caso
necessário.
10. O eclesiocentrismo exclusivista, fruto de
determinado sistema teológico, ou de uma compreensão errada da frase
"extra Ecclesiam nulla salus", já não é defendido pelos teólogos
católicos depois das claras afirmações de Pio XII e do concílio Vaticano II
sobre a possibilidade de salvação para os que não pertencem visivelmente à
Igreja (cf. por exemplo LG 16; GS 22).
11. O cristocentrismo aceita que a salvação possa acontecer
nas religiões, porém lhes nega uma autonomia salvífica devido à unicidade e
universalidade da salvação de Jesus Cristo. Essa posição é sem dúvida a mais
comum entre os teólogos católicos, embora haja diferenças entre eles. Procura
conciliar a vontade salvífíca universal de Deus com o fato de que todo homem se
realiza como tal dentro de uma tradição cultural, que tem na respectiva
religião sua expressão mais elevada e sua fundamentação última.
12. O teocentrismo pretende ser uma superação do
cristocentrismo, uma mudança de paradigma, uma revolução copernicana. Tal
posição brota, entre outras razões, de certa má consciência devida à união da
ação missionária do passado com a política colonial, embora olvidando às vezes
o heroísmo que acompanhou a ação evangelizadora. Trata de reconhecer as
riquezas das religiões e o testemunho moral de seus membros e, em última
instância, pretende facilitar a união de todas as religiões para um trabalho
conjunto pela paz e pela justiça no mundo. Podemos distinguir um teocentrismo
em que Jesus Cristo, sem ser constitutivo, se considera normativo da salvação,
e outro em que nem sequer se reconhece a Jesus Cristo tal valor normativo. No
primeiro caso, sem negar que outros possam também mediar a salvação,
reconhece-se em Jesus Cristo o mediador que melhor a exprime; o amor de Deus
revela-se mais claramente em sua pessoa e em sua obra, e assim ele é o
paradigma para os outros mediadores. Porém, sem ele não ficaríamos sem
salvação, mas tão-só sem sua manifestação mais perfeita. No segundo caso, Jesus
Cristo não é considerado nem como constitutivo nem como normativo para a
salvação do homem. Deus é transcendente e incompreensível, de modo que não
podemos julgar seus desígnios por nossos padrões humanos. Tampouco podemos
avaliar ou comparar os diversos sistemas religiosos. O
"soteriocentrismo" radicaliza ainda mais a posição teocêntrica, pois
tem menos interesse na questão sobre Jesus Cristo (ortodoxia) e mais no
compromisso efetivo de cada religião com a humanidade que sofre (ortopráxis).
Desse modo, o valor das religiões está em promover o Reino, a salvação, o
bem-estar da humanidade. Tal posição pode caracterizar-se, assim, como
pragmática e imanentista.
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