O cristianismo e as religiões | Politize! |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
1.3. A questão da verdade
13. A toda essa discussão está subjacente o problema da verdade das
religiões, relegado atualmente a um segundo plano e desligado da reflexão sobre
o valor salvífico. A questão da verdade acarreta sérios problemas de ordem
teórica e prática, uma vez que, no passado, teve conseqüências negativas no
encontro entre as religiões. Daí a tendência a diminuir ou a privatizar esse
problema, com a afirmação de que os critérios de verdade só valem para a
respectiva religião. Alguns introduzem uma noção mais existencial da verdade,
considerando apenas a conduta moral correta da pessoa e subestimando o fato de
que suas crenças possam ser condenadas. Cria-se certa confusão entre
"estar na salvação" e "estar na verdade". Seria necessário
pensar mais na perspectiva cristã da salvação como verdade e
do estar na verdade como salvação. A omissão do discurso sobre
a verdade traz consigo a equiparação superficial de todas as religiões,
esvaziando-as, no fundo, de seu potencial salvífico. Afirmar que todas são
verdadeiras equivale a declarar que todas são falsas. Sacrificar a questão da
verdade é incompatível com a visão cristã.
14. A concepção epistemológica subjacente à posição pluralista utiliza a
distinção de Kant entre noumenon e phenomenon. Sendo
Deus, ou a Realidade última, transcendente e inacessível ao homem, só poderá
ser experimentado como fenômeno, expresso por imagens e noções condicionadas
culturalmente; isso explica que representações diversas da mesma realidade não
necessitem, a priori, excluir-se reciprocamente. A questão da
verdade se relativiza ainda mais com a introdução do conceito de verdade
mitológica, que não implica adequação a uma realidade, mas simplesmente
desperta no sujeito uma disposição adequada ao enunciado. Entretanto, é preciso
observar que expressões tão contrastantes do noumenon acabam
de fato por dissolvê-lo, esvaziando o sentido da verdade mitológica. Está
também subjacente uma concepção que separa radicalmente o Transcendente, o
Mistério, o Absoluto, de suas representações; sendo todas elas relativas,
porque imperfeitas e inadequadas, não podem reivindicar exclusividade na
questão da verdade.
15. A busca de um critério para a verdade de uma religião que, para ser
aceito pelas outras religiões, deve situar-se fora dessa mesma religião é
tarefa seria para a reflexão teológica. Certos teólogos evitam termos cristãos
para falar de Deus (preferindo, por exemplo, Eternal One, Ultimate
Reality, Real) ou para designar a. conduta correta (Reality-centredness,
e não Self-centredness). Nota-se, contudo, que tais expressões ou
manifestam uma dependência de determinada tradição (cristã) ou se tornam tão
abstratas que deixam de ser úteis. O recurso ao humanum não
convence por se tratar de um critério meramente fenomenológico, que faria a
teologia das religiões dependente da antropologia dominante na época. Além disso,
é preciso considerar como religião verdadeira aquela que consiga melhor seja
conciliar a finitude, a provisionalidade e a mutalidade de sua autocompreensão
com a infinitude para que aponta, seja reduzir à unidade (força integradora) a
pluralidade de experiências da realidade e das concepções religiosas.
1.4. A questão de Deus
16. A posição pluralista pretende eliminar do cristianismo qualquer
pretensão de exclusividade ou superioridade com relação às outras religiões.
Para tanto, deve afirmar que a realidade última das diversas religiões é
idêntica e, ao mesmo tempo, relativizar a concepção cristã de Deus no que ela
tem de dogmático e vinculante. Desse modo, distingue Deus em si mesmo,
inacessível ao homem, de Deus manifestado na experiência humana. As imagens de
Deus são constituídas pela experiência da transcendência e pelo respectivo
contexto sociocultural. Não são Deus, mas apontam corretamente para ele; isso
pode ser dito também das representações não-pessoais da divindade. Como
conseqüência, nenhuma delas pode se considerar exclusiva. Daí se segue que
todas as religiões são relativas, não enquanto apontam para o Absoluto, mas em
suas expressões e em seus silêncios. Visto que existe um único Deus e um mesmo
plano salvífico para a humanidade, as expressões religiosas estão ordenadas
umas às outras e são complementares entre si. Sendo o Mistério universalmente
ativo e presente, nenhuma de suas manifestações pode pretender ser a última e
definitiva. Assim, a questão de Deus se acha em íntima conexão com a da
revelação.
17. Também relacionado com a mesma questão está o fenômeno da oração,
que se encontra nas diversas religiões. Em suma, é o mesmo destinatário que se
invoca sob nomes diferentes nas orações dos fiéis? Divindades e poderes religiosos,
forças personificadas da natureza, da vida e da sociedade, projeções psíquicas
ou míticas representam todas elas a mesma realidade? Não se dá aqui um passo
indevido de uma atitude subjetiva a um juízo objetivo? Pode haver uma oração
politeísta que se dirija ao verdadeiro Deus, já que um ato salvífico pode se
dar por meio de uma mediação errônea. Isso não significa, porém, o
reconhecimento objetivo dessa mediação religiosa como mediação salvífica, ainda
que essa oração autêntica seja suscitada pelo Espírito Santo (Diálogo e
Anúncio, 27).
Fonte: https://www.vatican.va/
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