O cristianismo e as religiões | Vecteezy |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
II.2. A única mediação de Jesus
a. Alguns temas neotestamentários
32. Já notamos que a vontade de salvação de Deus Pai se une à fé em
Jesus, o único em quem o desígnio salvador se realiza: "Não há sob o céu
nenhum outro nome oferecido aos homens, que seja necessário à nossa
salvação" (At 4,12). Que a salvação se adquire apenas pela fé em Jesus é
afirmação constante no Novo Testamento. Precisamente os que crêem em Cristo são
a verdadeira descendência de Abraão (cf. Rm 9,6-7; Gl 3,29; Jo 8,31-58; Lc
1,55). A bênção de todos em Abraão encontra seu sentido na bênção de todos em
Cristo.
33. Segundo o evangelho de Mateus, Jesus sentiu-se especialmente enviado
ao povo de Israel (cf. Mt 15,24; 10,5-6). Essas afirmações correspondem à
apresentação peculiar de Mateus da história da salvação: a história de Israel
está orientada a seu cumprimento em Cristo (cf. Mt 1,22-23; 2,5-6.15.17-18.23),
e a perfeição das promessas divinas se realizará quando tiverem passado o céu e
a terra e tudo se tiver cumprido (cf. Mt 5,18). Esse cumprimento já se iniciou
nos acontecimentos escatológicos da morte (cf. Mt 27,51-53) e ressurreição (cf.
Mt 28,2-4) de Cristo. Jesus, porém, não exclui os gentios da salvação: elogia a
fé de alguns deles, que não se encontra em Israel (cf. Mt 8,10; Lc 7,9, o
centurião; Mt 15,21-28; Mc 7,24-30, a siro-fenícia); virão do Oriente e do
Ocidente sentar-se à mesa no reino enquanto os judeus serão postos fora (cf. Mt
8,11-12; Lc 13,18-29; 11,20-24). Jesus ressuscitado dá aos onze discípulos uma
missão universal (cf. Mt 28,16-20; Mc 16,15-18). A Igreja primitiva começa logo
a missão aos gentios, por inspiração divina (At 10,34). Em Cristo não existe diferença
entre judeus e gentios (cf. Gl 4,24; Cl 3,11).
34. Em um primeiro sentido, a universalidade da obra salvífica de Jesus
se funda em que sua mensagem e sua salvação se dirigem a todos os homens e
todos podem acolhê-la e recebê-la na fé. No entanto, no NT encontramos textos
em que a significação de Jesus parece ir além, de algum modo é prévia à
acolhida de sua mensagem por parte dos fiéis.
35. Devemos notar que tudo quanto existe foi feito por meio de Cristo
(cf. 1 Cor 8,6; 1,3.10; At 1,2). Segundo Colossenses 1,15-20, tudo foi criado
nele, mediante ele e tudo caminha para ele. Segundo esse mesmo texto, essa
causalidade de Cristo na criação está em relação com a mediação salvífica, rumo
à qual se dirige. Jesus é o primogênito da criação e o primogênito dentre os
mortos; parece que na segunda primogenitura a primeira alcança todo o seu
sentido. A recapitulação de tudo em Cristo é o último desígnio de Deus Pai (cf.
Ef 1,10). Nessa universalidade se distingue a atuação especial de Cristo na
Igreja: "Sim, ele pôs tudo sob seus pés e o outorgou, no ápice de tudo,
como cabeça da Igreja que é seu corpo, a plenitude d'Aquele que o próprio Deus
repleta totalmente" (Ef 1,22-23; cf. Cl 1,17).
O paralelismo paulino entre Adão e Cristo (cf. 1 Cor 15,20-22.44-49; Rm
5,12-21) parece apontar para direção idêntica. Se existe uma relevância
universal do primeiro Adão, enquanto primeiro homem e primeiro pecador, também
Cristo há de ter uma significação salvífica para todos, embora não se
explicitem com clareza os termos dessa significação. A vocação de todo homem,
que agora leva a imagem do Adão de terra, é fazer-se imagem do Adão celeste.
36."O Verbo era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo
homem" (Jo 1,9)1. E Jesus enquanto Logos encarnado que
ilumina todos os homens. O Logos já exerceu a
mediação criadora, não sem referência à encarnação e salvação futuras, e por
isso Jesus vem aos seus, que não o recebem (cf. Jo 1,3-4.10.11). Jesus anuncia
um culto a Deus em espírito e em verdade, que vai além de Jerusalém e do monte
Garizim (cf. Jo 4,21-24), reconhecido pela confissão dos samaritanos: "Ele
é verdadeiramente o Salvador do mundo" (Jo 4,42).
37. A mediação única de Jesus Cristo relaciona-se com a vontade
salvífica universal de Deus em 1 Timóteo 2,5-6: "Pois há um só Deus e
também um só mediador entre Deus e os homens, um homem: Cristo Jesus, que se
entregou como resgate por todos". A unicidade do mediador (cf. também Hb
8,6; 9,15; 12,24) corresponde à unicidade do Deus que quer salvar a todos. O
mediador único é o homem Cristo Jesus; também aqui se trata da
significação universal de Jesus enquanto Filho de Deus encarnado. É o mediador
entre Deus e os homens porque é o Filho feito homem que se entregou a morte em
resgate por todos.
38. No discurso de Paulo no Areópago (cf. At 17,22-31) mostra-se com
clareza que a conversão a Cristo implica ruptura com o passado. De fato, as
religiões levaram os homens à idolatria. Porém, ao mesmo tempo, parece
reconhecer-se a autenticidade de uma busca filosófica que, se não chegou ao
conhecimento do verdadeiro Deus, nem por isso estava em um caminho
completamente equivocado. A busca incerta de Deus responde aos desígnios da
providência; parece que terá de ter também aspectos positivos. Há relação com o
Deus de Jesus Cristo também antes da conversão (cf. At 10,34)? Não há uma
atitude fechada do NT em relação a tudo que não provém da fé em Cristo; a
abertura pode também se manifestar aos valores religiosos (cf. Fl 4,8).
39. O Novo Testamento nos mostra ao mesmo tempo a universalidade da
vontade salvífica de Deus e a vinculação da salvação à obra redentora de Cristo
Jesus, único mediador. Os homens alcançam a salvação enquanto reconhecem e
aceitam na fé a Jesus, o Filho de Deus. Essa mensagem se dirige a todos sem
exceção. No entanto, algumas passagens parecem insinuar uma significação
salvadora de Jesus para todo homem, que pode inclusive chegar àqueles que não o
conhecem. Nem uma limitação da vontade salvadora de Deus, nem a admissão de
mediações paralelas à de Jesus, nem uma atribuição dessa mediação universal
ao Logos eterno não identificada com Jesus são compatíveis com
a mensagem neotestamentária.
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