Translate

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (9/16)

O cristianismo e as religiões | Vecteezy

 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES

(1997)

II.3. A universalidade do Espírito Santo

50. A universalidade da ação salvífica de Cristo não pode ser entendida sem a ação universal do Espírito Santo. Um primeiro elemento dessa universalidade da obra do Espírito já se encontra na criação. O Antigo Testamento nos mostra o Espírito de Deus sobre as águas (cf. Gn 1,2). E o livro da Sabedoria 1,7 indica que "o Espírito do Senhor enche a terra e, contendo o universo, tem conhecimento de cada som".

51. Se isso se pode dizer de todo o universo, vale especialmente para o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, conforme Gênesis 1,26-27. Deus faz o homem para estar presente nele, para ter nele sua morada; olhar alguém com benevolência, estar junto dele, quer dizer ser seu amigo. Assim se pode falar da amizade original, amicitia originalis, do homem com Deus e de Deus com o homem (Conc. Trident. Sessio VI, cap. 7, DS 1528) como fruto da ação do Espírito. A vida em geral, e a do homem em particular, põe-se em relação mais ou menos explícita com o Espírito de Deus em vários trechos do AT (cf. SI 104,29-30; Jó 34,14-15; Ecl 12,7). João Paulo II relaciona com a comunicação do Espírito a criação do homem à imagem de Deus e na amizade divina (cf. DV 12; 34).

52. A tragédia do pecado consiste em que, em vez da proximidade entre Deus e o homem, estabelece-se a distância. O espírito das trevas apresentou-se a Deus como inimigo do homem, como ameaça (cf. Gn 3,4-5; João Paulo II, DV, 38). Deus, porém, aproximou-se do homem por meio das diversas alianças de que nos fala o AT. A imagem e a semelhança significam desde o início capacidade de relação pessoal com Deus e, portanto, capacidade de aliança. Assim, Deus aproximou-se gradualmente dos homens, mediante as diversas alianças com Noé (cf. Gn 7,lss), Abraão e Moisés, com os quais Deus se fez amigo (Tg 2,23; Ex 33,11).

53. Na Nova Aliança, Deus se aproximou tanto do homem que enviou seu Filho ao mundo, encarnado por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria. Esta aliança, ao contrário da precedente, não é da letra, mas do Espírito (cf. 2Cor 3,6). É a aliança nova e universal, a aliança da universalidade do Espírito. A universalidade quer dizer versus unum, rumo ao uno. A própria palavra "espírito" quer dizer movimento, e este inclui o "rumo", a direção. O Espírito é chamado dynamis(Ap 1,8), e a dynamis inclui a possibilidade de uma direção. Das palavras de Jesus sobre o Espírito Paráclito se deduz que o "ser rumo" refere-se a Jesus.

54. A estreita conexão entre o Espírito e Cristo manifesta-se na unção de Jesus. Jesus Cristo significa precisamente Jesus o Ungido de Deus com a unção que é o Espírito: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me conferiu a unção..." (Lc 4,18; Is 61,1-2). Deus ungiu a Jesus "com a unção do Espírito Santo e do poder", e assim "passou por toda parte como benfeitor, curava a todos os que o diabo mantinha escravizados" (At 10,38). Como diz Ireneu, "no nome de Cristo se subentende o que unge, o que é ungido e a própria unção com a qual é ungido. O que unge é o Pai, o ungido é o Filho, no Espírito que é a unção. Como diz a Palavra por meio de Isaías: 'O Espírito de Deus está sobre o seu ungido' (Is 61,1-2), significando o Pai que unge, o Filho ungido, e a unção que é o Espírito" (23).

55. A universalidade da aliança do Espírito é, portanto, a da aliança em Jesus. Jesus se ofereceu ao Pai em virtude do Espírito eterno (cf. At 9,14) no qual foi ungido. Essa unção se estende ao Cristo total, aos cristãos ungidos pelo Espírito e à Igreja. Inácio de Antioquia já indicou que Jesus recebeu a unção "para inspirar incorrupção à sua Igreja" (24). Jesus foi ungido no Jordão, segundo Ireneu, "para que fôssemos salvos ao receber da abundância de sua unção" (25). Gregório de Nissa o expressou com uma imagem profunda e bela: "A noção de unção sugere (...) que não há nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. De fato, assim como entre a superfície do corpo e a unção do azeite nem a razão nem a sensação conhecem intermediários, igualmente é imediato o contato do Filho com o Espírito; portanto, aquele que está a ponto de entrar em contato com o Filho mediante a fé deve necessariamente entrar antes em contato com o azeite. Nenhuma parte carece do Espírito Santo" (26). O Cristo total inclui em certo sentido todo homem, porque Cristo se uniu a todos os homens (GS 22). O próprio Jesus disse: "Todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes" (Mt 25,40).

56. A Igreja é o lugar privilegiado da ação do Espírito. Nela, corpo de Cristo, o Espírito suscita os diferentes dons para utilidade comum (cf. 1 Cor 12,4-11). É conhecida a formulação de Ireneu: "Onde está o Espírito do Senhor ali está a Igreja, e onde está a Igreja está o Espírito do Senhor, e toda a graça" (27). E são João Crisóstomo: "Se o Espírito Santo não estivesse presente não existiria a Igreja; se existe a Igreja, isso é um claro sinal da presença do Espírito" (28).

57. Algumas passagens do NT parecem insinuar o alcance universal da ação do Espírito, sempre em relação com a missão evangelizadora da Igreja que há de chegar a todos os homens. O Espírito Santo precede e guia a pregação, está na origem da missão aos pagãos (cf. At 10,19.44-47). A superação do pecado de Babel terá lugar no Espírito. Ao contrário da tentativa dos construtores da torre de Babel, que com seus próprios esforços querem chegar ao céu, a morada de Deus, agora o Espírito Santo desce do céu como um dom e dá a possibilidade de falar todas as línguas e de escutar, cada um em sua própria língua, as grandezas de Deus (cf. At 2,1-11). A torre de Babel era um esforço para realizar a unidade sem universalidade: "Conquistemos para nós um nome [um sinal de unidade], a fim de não sermos dispersados sobre toda a superfície da terra" (Gn 11,4). Pentecostes foi o dom da universalidade na unidade: "Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e se puseram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia exprimir-se" (At 2,4). No dom do Espírito de Pentecostes se há de ver a perfeição da aliança do Sinai (cf. Ex 19,lss), que passa assim a ser universal.

O dom do Espírito é o dom de Jesus ressuscitado e elevado ao céu à direita do Pai (cf. At 2,32; Jo 14.15.26; 15,26; 16,7; 20,22); trata-se de um ensinamento constante no Novo Testamento. A própria ressurreição de Jesus se realiza com a intervenção do Espírito (cf. Rm 1,4; 8,11). O Espírito Santo nos é dado como Espírito de Cristo, Espírito do Filho (cf. Rm 8,9; Gl 4,6; Fl 1,19; At 16,7). Não se pode, portanto, pensar em uma ação universal do Espírito que não esteja em relação com a ação universal de Jesus. Os Padres não deixaram de salientar isso (29). Só pela ação do Espírito os homens podem ser conformados com a imagem de Jesus ressuscitado, novo Adão, em quem o homem adquire definitivamente a dignidade a que estava chamado desde as origens: "E nós todos que, de rosto descoberto, refletimos a glória do Senhor, somos transfigurados nesta mesma imagem, com glória sempre maior, pelo Senhor, que é Espírito" (2 Cor 3,18). O homem, criado a imagem de Deus, pela presença do Espírito é renovado à imagem de Deus (ou de Cristo) segundo a ação do Espírito. O Pai é o pintor; o Filho, o modelo segundo o qual o homem é pintado; e o Espírito Santo, o pincel com que o homem é pintado na criação e na redenção.

59.Por isso o Espírito Santo conduz a Cristo, dirige a todos os homens para o Ungido. Cristo, de sua parte, dirige-os para o Pai. Ninguém vai ao Pai se não é por Jesus, porque Ele é o caminho (cf. Jo 14,6); porém, é o Espírito Santo quem guia os discípulos para a verdade inteira (cf. Jo 16,2). A palavra "guiará" (hodegései) inclui o caminho (hódos). Portanto, o Espírito Santo guia pelo caminho que é Jesus, que conduz ao Pai. Por isso ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor" se não é sob a ação do Espírito Santo (cf. 1 Cor 12,3). E a terminologia do Paráclito, empregada por João, nos indica que o Espírito é o advogado no juízo que começou em Jerusalém e continua na história. O Espírito Paráclito defenderá Jesus das acusações de que é objeto em seus discípulos (cf. Jo 16,8-11). O Espírito Santo é assim a testemunha de Cristo, e por ele os discípulos podem sê-lo: "Ele próprio dará testemunho de mim, e, por vossa vez, vós dareis testemunho, porque estais comigo desde o começo" (Jo 15,26-27).

60. O Espírito, portanto, é dom de Jesus e conduz a ele, contudo o caminho concreto pelo qual guia os homens é conhecido apenas por Deus. O Vaticano II formulou isso com clareza: "Cristo morreu por todos, e a vocação última do homem é, de fato, uma só, a divina; por isso devemos crer que o Espírito Santo dá a todos a possibilidade de ser associados, do modo que Deus conhece, ao mistério pascal" (GS 22). Não tem sentido afirmar uma universalidade da ação do Espírito que não se encontre em relação com a significação de Jesus, o Filho encarnado, morto e ressuscitado. Mais propriamente, em virtude da obra do Espírito, todos os homens podem entrar em relação com Jesus que viveu, morreu e ressuscitou em um lugar e em um tempo concretos. Por outro lado, a ação do Espírito não se limita às dimensões íntimas e pessoais do homem, estendendo-se também às sociais: "Este Espírito é o mesmo que atuou na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus, e a tua na Igreja. Não é, portanto, uma alternativa a Cristo, nem preenche uma espécie de vazio, como às vezes se presume existir, entre Cristo e o Logos. O que o Espírito realiza no coração dos homens, ou na história dos povos, nas culturas ou religiões, assume um papel de preparação evangélica e só pode referir-se a Cristo" (RM 29).

61. O âmbito privilegiado da ação do Espírito é a Igreja, corpo de Cristo. No entanto, todos os povos são chamados, de vários modos, à unidade do povo de Deus que o Espírito promove: "Esse caráter de universalidade que adorna e distingue o povo de Deus é dom do mesmo Senhor, e com ele a Igreja católica, eficaz e constantemente, tende a recapitular toda a humanidade, com todos os seus bens, em Cristo cabeça, na unidade de seu Espírito (...). Todos os homens, portanto, estão chamados a essa unidade católica do povo de Deus, que prefigura e promove a paz universal, e à qual de vários modos pertencem ou se ordenam os fiéis católicos, os outros crentes em Cristo e também, enfim, todos os homens, chamados pela graça de Deus à salvação" (LG 13). E a mesma universalidade da ação salvífica de Cristo e do Espírito que leva à pergunta sobre a função da Igreja como sacramento universal de salvação.

NOTAS:

23. Adv. Haer. III 18,3 (Sch 211, 350-352). Quase literalmente repetem a idéia Basílio de Cesaréia, De Spiritu Sancto XII 28 (Sch 17bis, 344), e Ambrósio de Milão, De Spiritu Sancto I 3, 44 (CSEL 79, 33).

24. Ad Ephesios 17, 1 (Sch 10, 86).

25. Adv. Haer. III 9,3 (Sch 211, 112). Para Ireneu, o Espírito desce sobre Jesus para “habituar-se” a habitar no gênero humano, ibid. 17,1 (330).

26. De Spir. Sancto contra Macedonianos 16 (PG 45 1321 A-B).

27. Ireneu, Adv. Haer. III 24,1 (Sch 211, 474).

28. Hom. Pent. I 4 (PG 49, 459).

29. A modo de exemplo, Ireneu de Lião, Adv. Haer III 17, 2 (Sch 211, 334): “(…) Dominus accipiens munus a Patre ipse quoque his donavit qui ex ipso participantur, in universam terram mittens Spiritum Sanctum”; Hilário de Poitiers, Tr. ps. 56,6 (CSEL 22, 172): “Et quia exaltatus super caelos impleturus esset in terris omnia sancti spiritus gloria, subiecit: et super omnem terram gloria tua (Sl 57,6.12). Cum effusum super omnem carnem spiritus donum gloriam exaltati super caelos domini protestaretur”.

Fonte: https://www.vatican.va/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF