Povos da Mesopotâmia | Brasil Escola/UOL |
Da Mesopotâmia à China
Como a fé em Jesus Cristo chegou até a China pela Ásia Central no primeiro milênio, graças a uma Igreja que a maioria desconhece.
de Lorenzo Cappelletti
A surpresa de Marco Polo, quando encontrou cristãos nas longínquas terras chinesas, é a mesma que se apodera ainda hoje da maior parte dos cristãos no Ocidente, quando ouve falar da existência de comunidades cristãs presentes desde a mais distante Antiguidade a leste das fronteiras do Império Romano, no interior dos vastos territórios da Ásia Central, da Pérsia e até da Índia e da China. São comunidades um pouco apressadamente chamadas de nestorianas, pois na época do Concílio de Éfeso (431), que condenou o patriarca constantinopolitano Nestório, ficaram fiéis à tradição teológica antioquena, da qual provinha Nestório, contra o extremismo da corrente teológica alexandrina (mostrando visão de futuro, pois, é forçoso dizer, esta estava levando a desvios monofisistas). Mesmo porque já antes do Concílio de Éfeso, essas comunidades tinham pretendido tomar distância da Igreja de Estado romana. Desde o início do século III, esses cristãos tinham um patriarca seu ( katholikos), com sede em Selêucia-Ctesifonte, às margens do Tigre, cuja autonomia nasceu da necessidade de mostrar a independência desses cristãos em relação ao Império Romano, que constituía havia séculos o inimigo por excelência do mundo persa. Mais que um distanciamento em nível dogmático, em outras palavras, sua autonomia tendia a evitar incompreensões e perseguições.
O berço dessa Igreja siro-oriental (denominação que, pelo que dissemos até aqui, condiz mais com sua natureza que “nestoriana”) foi a região noroeste da Mesopotâmia, área de fronteira entre o Império Romano e o Persa. Desde a metade do século II se estabeleceram nessa região, que bem cedo se estendeu para o oriente, comunidades cristãs ligadas à Igreja de Antioquia, Igreja de caráter pluralista e aberto ao mundo pagão, como sabemos pelos próprios Atos dos Apóstolos.
Quando os persas, no século IV, ocupam a parte da região mesopotâmica sujeita a Roma, as deportações, também de cristãos, fazem crescer as comunidades cristãs do Oriente persa. Estas se desenvolverão, apesar de alguns períodos de perseguição entre os séculos IV e V, não apenas dentro do Império Persa, mas também a leste dele.
A cidade de Herat, que infelizmente vemos vez por outra nos jornais apenas pelo fato de serem o quartel-general do contingente italiano no Afeganistão, foi sé arquiepiscopal a partir de 585. Da mesma forma, outras cidades e regiões de nome mítico e exótico foram sedes de comunidades cristãs que floresceram ao longo da rota da seda. Merw, a atual Mary, no Turcomenistão, considerada a porta da Ásia, já era sé episcopal e rica em mosteiros no século IV. Samarcanda e Tashkent, no Uzbequistão, na região além do rio Oxus (o atual Amu Darya), foram o lugar de encontro com os sogdianos, mercadores nômades que, por sua vez, levaram o cristianismo para o Extremo Oriente. De fato, a sua língua, que era usada em toda a Ásia Central para as trocas e o comércio, tornou-se também o meio de comunicação que permitiu ao cristianismo chegar no final do século VI a algumas tribos turco-mongóis do Altai e depois, a partir do oásis de Turfan, ao território chinês, indo até a capital imperial Chang an.
Atualmente, os herdeiros da tradição siro-oriental, que tem em comum o siríaco como língua litúrgica, são os caldeus católicos do Iraque e do Irã (cerca de 700 mil no total), em plena comunhão com Roma desde 1553, guiados pelo patriarca da Babilônia dos Caldeus (Bagdá), e a Igreja assíria do Oriente (menos de 300 mil fiéis), que não está em plena comunhão com Roma e até pouco tempo atrás era chamada “nestoriana”, mas com a qual foi firmada em 11 de novembro de 1994 uma declaração comum concernente a profissão da fé em Jesus Cristo e, ainda mais recentemente (20 de julho de 2001), estabeleceram-se orientações para a admissão à eucaristia, de modo a promover uma crescente comunhão entre a Igreja caldeia e a Igreja assíria do Oriente. Podem também ser considerados pertencentes à tradição siro-oriental os quase quatro milhões de siro-malabarenses da costa ocidental da Índia.
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