O cristianismo e as religiões | Politize! |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
III. 2. A questão da revelação
88. A especificidade e irrepetibilidade da revelação divina em Jesus
Cristo se funda em que só em sua pessoa se dá a autocomunicação do Deus trino.
Daí, em sentido estrito, não mais se poder falar de revelação de Deus a não ser
enquanto Deus dando-se a si mesmo. Cristo é ao mesmo tempo o mediador e a
plenitude de toda a revelação (cf. DV 2). O conceito teológico de revelação não
pode ser confundido com o da fenomenologia religiosa (religiões de revelação,
aquelas que se consideram fundadas em uma revelação divina). Somente em Cristo
e em seu Espírito, Deus se deu completamente aos homens; por conseguinte,
apenas quando se dá a conhecer essa autocomunicação se dá a revelação de Deus
em sentido pleno. A doação que Deus faz de si mesmo e sua revelação são dois
aspectos inseparáveis do acontecimento de Jesus.
89. Antes da vinda de Cristo, Deus revelou-se de modo peculiar ao povo
de Israel como o único Deus vivo e verdadeiro. Enquanto testemunho dessa
revelação, os livros do Antigo Testamento são palavra de Deus e conservam um
valor perene (cf. DV 14). Apenas no
Novo Testamento os livros do Antigo recebem e manifestam sua significação
completa (cf. DV 16). Porém, no
judaísmo persiste a verdadeira revelação divina do Antigo Testamento. Certos
elementos da revelação bíblica foram recolhidos pelo Islã, que os interpretou
em um contexto diferente.
90. Deus se deu a conhecer e continua dando-se a conhecer aos homens de
muitas maneiras: por meio das obras da criação (cf. Sb 13,5; Rm 1,19-20); por
meio dos juízos da consciência (cf. Rm 2,14-15) etc. Deus pode iluminar os
homens por caminhos diversos. A fidelidade a Deus pode dar lugar a certo
conhecimento por conaturalidade. As tradições religiosas foram marcadas por
"muitas pessoas sinceras inspiradas pelo Espírito de Deus" (Diálogo
e Anúncio, 30). A ação do Espírito não deixa de ser percebida de algum modo
pelo ser humano. Se, segundo o ensinamento da Igreja, nas religiões se
encontram "sementes do Verbo” e "raios da verdade”,
não podem ser excluídos delas elementos de um verdadeiro conhecimento de Deus,
mesmo com imperfeições (cf. RM 55). A dimensão
gnosiológica não pode estar de todo ausente onde reconhecemos elementos de
graça e de salvação.
91. No entanto, ainda que Deus tenha podido iluminar os homens de
maneiras diferentes, nunca temos a garantia da reta acolhida e interpretação
dessas luzes em quem as recebe. Só em Jesus há a garantia da plena acolhida da
vontade do Pai. O Espírito assistiu de maneira especial os apóstolos no
testemunho de Jesus e na transmissão de sua mensagem; da pregação apostólica surgiu
o Novo Testamento, e também graças a ela a Igreja recebeu o Antigo. A
inspiração divina que a Igreja reconhece nos escritos do Antigo e Novo
Testamentos assegura que neles se recolheu tudo e só o que Deus queria que se
escrevesse.
92. Nem todas as religiões têm livros sagrados. E embora não se possa
excluir, nos termos expostos, alguma iluminação divina na composição desses
livros (nas religiões que os têm), é mais adequado reservar o qualificativo de
inspirados aos livros canónicos (cf. DV 11). A denominação de
"palavra de Deus" reservou-se na tradição aos escritos dos dois
testamentos. A distinção é clara inclusive nos antigos escritores eclesiásticos
que reconheceram sementes do Verbo nos escritos filosóficos e religiosos. Os
livros sagrados das diferentes religiões, ainda quando possam fazer parte de
alguma preparação evangélica, não podem ser considerados como equivalentes ao
Antigo Testamento, que constitui a preparação imediata para a vinda de Cristo
ao mundo.
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