O cristianismo e as religiões | Politize! |
COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL
O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES
(1997)
III. CONSEQÜÊNCIAS PARA UMA TEOLOGIA
CRISTÃ DAS RELIGIÕES
80. Uma vez estudada a mediação universal de Cristo, a universalidade do
dom do Espírito, a função da Igreja na salvação de todos, temos os elementos
para esboçar uma teologia das religiões. Diante da nova situação criada pelo
pluralismo religioso, retoma-se a pergunta pela significação universal de Jesus
Cristo também em relação com as religiões e a função que estas podem ter no
desígnio de Deus, que não é outro senão o de recapitular todas as coisas em
Cristo (cf. Ef 1,10). Não é de estranhar que velhos temas da tradição sejam
utilizados para iluminar as novas situações. Positivamente, é necessário ter
presente a significação universal de Jesus e de seu Espírito e também da
Igreja. Com efeito, esta última anuncia o evangelho, está a serviço da comunhão
entre todos e representa toda a humanidade mediante seu serviço sacerdotal na
celebração litúrgica do mistério pascal. Negativamente, esta universalidade é
exclusiva: nem há um Logos que não seja Jesus nem há um
Espírito que não seja o Espírito de Cristo. Nessas coordenadas se inscrevem os
problemas concretos que a seguir serão tratados. Estudaremos alguns dos pontos
já indicados no status quaestionis.
III. 1. O valor salvífico das religiões
81. Atualmente não é objeto de discussão a possibilidade de salvação
fora da Igreja daqueles que vivem segundo sua consciência. Tal salvação, como
se viu na exposição precedente, não se produz com independência de Cristo e de
sua Igreja. Funda-se na presença universal do Espírito, que não pode se
desligar do mistério pascal de Jesus (cf. GS 22; RM 10 etc).
Alguns textos do Vaticano II tratam especificamente das religiões não-cristãs:
os que ainda não receberam o evangelho estão ordenados de diversos modos ao
povo de Deus, e a pertença às diversas religiões não parece indiferente aos
efeitos dessa "ordenação" (cf. LG 16).
Reconhece-se que nas diversas religiões existem raios da verdade que ilumina
todo homem (cf. NA 2),sementes do
Verbo (cf. AG 11); pela
disposição de Deus há nelas coisas boas e verdadeiras (cf. OT 16);
encontram-se elementos de verdade, de graça e de bem não somente nos corações
dos homens, mas também nos ritos e nos costumes dos povos, não obstante tudo
deva ser "sanado, elevado e completado" (AG 9;LG 17). Se as
religiões como tais podem ter valor em ordem à salvação é um ponto que fica
aberto.
82. A encíclica Redemptoris missio, seguindo e desenvolvendo
a linha do Concílio Vaticano II, salientou com mais clareza a presença do
Espírito Santo não só nos homens de boa vontade considerados individualmente,
mas também na sociedade e na história, nos povos, nas culturas, nas religiões,
sempre com referência a Cristo (cf. RM 28; 29). Existe
uma ação universal do Espírito, que não pode separar-se nem
tampouco confundir-se com a ação peculiar que desenvolve no
corpo de Cristo que é a Igreja (ibid.). Da disposição do capítulo III da
encíclica intitulado "O Espírito Santo como protagonista da missão",
parece deduzir-se que essas duas formas de presença e ação do Espírito derivam
do mistério pascal. Com efeito, fala-se da presença universal nos números
28-29, depois de se ter desenvolvido a idéia da missão impulsionada pelo
Espírito Santo (nn. 21-27). No final do número 28, afirma-se claramente que é
Jesus ressuscitado o que atua no coração dos homens em virtude de seu Espírito,
e que é o mesmo Espírito que distribui as sementes do Verbo presentes nos ritos
e nas religiões. A diferença entre os dois modos de ação do Espírito Santo não
pode levar à sua separação, como se só o primeiro estivesse em relação com o
mistério salvífico de Cristo.
83. Novamente se fala da presença do Espírito e da ação de Deus nas
religiões em RM55-56, no contexto do
diálogo com os irmãos de outras religiões. As religiões constituem um desafio
para a Igreja, pois a estimulam a reconhecer os sinais da presença de Cristo e
da ação do Espírito. "Deus chama a si todos os povos em Cristo, querendo
comunicar-lhes a plenitude de sua revelação e de seu amor; e não deixa de
fazer-se presente de muitas maneiras não só aos indivíduos concretos, mas
também aos povos mediante suas riquezas espirituais, das quais as religiões são
expressão principal e essencial, embora contenham 'lacunas, insuficiências e
erros'" (RM55). Também nesse
contexto se assinala a diferença com a presença de Deus que Cristo traz com seu
evangelho.
84. Dado esse explícito reconhecimento da presença do Espírito de Cristo
nas religiões, não se pode excluir a possibilidade de que essas exerçam, como
tais, certa função salvífica, isto é, ajudem os homens a alcançar seu fim
último, apesar de sua ambigüidade. Nas religiões se tematiza explicitamente a
relação do homem com o Absoluto, sua dimensão transcendente. Seria dificilmente
pensável que tivesse valor salvífico o que o Espírito Santo opera no coração
dos homens considerados como indivíduos e não o tivesse o que o mesmo Espírito
faz nas religiões e nas culturas. O magistério recente não parece autorizar uma
diferenciação tão drástica. Por outro lado, é preciso notar que muitos dos
textos a que nos referimos não falam só das religiões mas junto a elas
mencionam as culturas, a história das povos etc. Todas elas também podem ser "tocadas"
por elementos de graça.
85. Nas religiões atua o mesmo Espírito que guia para a Igreja. Porém, a
presença universal do Espírito não pode ser equiparada à sua presença peculiar
na Igreja de Cristo. Embora não se possa excluir o valor salvífico das religiões,
isso não significa que tudo nelas seja salvífico. Não se pode
olvidar a presença do espírito do mal, a herança do pecado, a imperfeição da
resposta humana à ação de Deus etc. (cf. Diálogo e Anúncio, 30-31).
Só a Igreja é o corpo de Cristo, e só nela se dá em toda sua intensidade a
presença do Espírito. Assim, para ninguém pode ser indiferente a pertença à
Igreja de Cristo e a participação na plenitude dos dons salvíficos que só nela
se encontram (RM 55). As religiões
podem exercer a função de praeparatio evangelica, podem preparar os
diversos povos e culturas para a acolhida do acontecimento salvador que já teve
lugar. Nesse sentido sua função não pode se equiparar à do Antigo Testamento,
que foi a preparação do próprio evento de Cristo.
86. A salvação se obtém pelo dom de Deus em Cristo, não porém sem a
resposta e a aceitação humana. As religiões podem também auxiliar a resposta
humana, enquanto impelem o homem à busca de Deus, a agir segundo sua
consciência, a levar uma vida reta (cf. LG 16; cf. Veritatis splendor 94, o senso moral dos
povos e as tradições religiosas põem em relevo a ação do Espírito de Deus). Em
última análise, a busca do bem é uma atitude religiosa (cf. Veritatis splendor 9. 12). E a resposta
humana ao convite divino que se recebe sempre em e por meio de Cristo1. Parece
que essas dimensões objetivas e subjetivas, descendentes e ascendentes, devem
se dar em unidade, como se dão no mistério de Cristo. As religiões podem ser,
portanto, nos termos indicados, um meio que auxilie a salvação de seus adeptos,
mas não podem se equiparar à função que a Igreja realiza para a salvação dos
cristãos e dos que não o são.
87. A afirmação da possibilidade da existência de elementos salvíficos
nas religiões não implica em si mesma um juízo sobre a presença desses
elementos em cada uma das religiões concretas. Por outro lado, o amor de Deus e
do próximo, tornado possível em última instância por Jesus o único mediador, é
o caminho para se chegar ao próprio Deus. As religiões podem ser portadoras da
verdade salvadora apenas enquanto conduzem os homens ao verdadeiro amor. Se é
verdade que este pode ser encontrado também nos que não praticam religião
alguma, parece que o verdadeiro amor a Deus deve levar à adoração e à prática
religiosa em união com os demais homens.
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