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domingo, 5 de março de 2023

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES (12/16)

O cristianismo e as religiões | Politize!

COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL

O CRISTIANISMO E AS RELIGIÕES

(1997)

III. CONSEQÜÊNCIAS PARA UMA TEOLOGIA CRISTÃ DAS RELIGIÕES

80. Uma vez estudada a mediação universal de Cristo, a universalidade do dom do Espírito, a função da Igreja na salvação de todos, temos os elementos para esboçar uma teologia das religiões. Diante da nova situação criada pelo pluralismo religioso, retoma-se a pergunta pela significação universal de Jesus Cristo também em relação com as religiões e a função que estas podem ter no desígnio de Deus, que não é outro senão o de recapitular todas as coisas em Cristo (cf. Ef 1,10). Não é de estranhar que velhos temas da tradição sejam utilizados para iluminar as novas situações. Positivamente, é necessário ter presente a significação universal de Jesus e de seu Espírito e também da Igreja. Com efeito, esta última anuncia o evangelho, está a serviço da comunhão entre todos e representa toda a humanidade mediante seu serviço sacerdotal na celebração litúrgica do mistério pascal. Negativamente, esta universalidade é exclusiva: nem há um Logos que não seja Jesus nem há um Espírito que não seja o Espírito de Cristo. Nessas coordenadas se inscrevem os problemas concretos que a seguir serão tratados. Estudaremos alguns dos pontos já indicados no status quaestionis.

III. 1. O valor salvífico das religiões

81. Atualmente não é objeto de discussão a possibilidade de salvação fora da Igreja daqueles que vivem segundo sua consciência. Tal salvação, como se viu na exposição precedente, não se produz com independência de Cristo e de sua Igreja. Funda-se na presença universal do Espírito, que não pode se desligar do mistério pascal de Jesus (cf. GS 22; RM 10 etc). Alguns textos do Vaticano II tratam especificamente das religiões não-cristãs: os que ainda não receberam o evangelho estão ordenados de diversos modos ao povo de Deus, e a pertença às diversas religiões não parece indiferente aos efeitos dessa "ordenação" (cf. LG 16). Reconhece-se que nas diversas religiões existem raios da verdade que ilumina todo homem (cf. NA 2),sementes do Verbo (cf. AG 11); pela disposição de Deus há nelas coisas boas e verdadeiras (cf. OT 16); encontram-se elementos de verdade, de graça e de bem não somente nos corações dos homens, mas também nos ritos e nos costumes dos povos, não obstante tudo deva ser "sanado, elevado e completado" (AG 9;LG 17). Se as religiões como tais podem ter valor em ordem à salvação é um ponto que fica aberto.

82. A encíclica Redemptoris missio, seguindo e desenvolvendo a linha do Concílio Vaticano II, salientou com mais clareza a presença do Espírito Santo não só nos homens de boa vontade considerados individualmente, mas também na sociedade e na história, nos povos, nas culturas, nas religiões, sempre com referência a Cristo (cf. RM 28; 29). Existe uma ação universal do Espírito, que não pode separar-se nem tampouco confundir-se com a ação peculiar que desenvolve no corpo de Cristo que é a Igreja (ibid.). Da disposição do capítulo III da encíclica intitulado "O Espírito Santo como protagonista da missão", parece deduzir-se que essas duas formas de presença e ação do Espírito derivam do mistério pascal. Com efeito, fala-se da presença universal nos números 28-29, depois de se ter desenvolvido a idéia da missão impulsionada pelo Espírito Santo (nn. 21-27). No final do número 28, afirma-se claramente que é Jesus ressuscitado o que atua no coração dos homens em virtude de seu Espírito, e que é o mesmo Espírito que distribui as sementes do Verbo presentes nos ritos e nas religiões. A diferença entre os dois modos de ação do Espírito Santo não pode levar à sua separação, como se só o primeiro estivesse em relação com o mistério salvífico de Cristo.

83. Novamente se fala da presença do Espírito e da ação de Deus nas religiões em RM55-56, no contexto do diálogo com os irmãos de outras religiões. As religiões constituem um desafio para a Igreja, pois a estimulam a reconhecer os sinais da presença de Cristo e da ação do Espírito. "Deus chama a si todos os povos em Cristo, querendo comunicar-lhes a plenitude de sua revelação e de seu amor; e não deixa de fazer-se presente de muitas maneiras não só aos indivíduos concretos, mas também aos povos mediante suas riquezas espirituais, das quais as religiões são expressão principal e essencial, embora contenham 'lacunas, insuficiências e erros'" (RM55). Também nesse contexto se assinala a diferença com a presença de Deus que Cristo traz com seu evangelho.

84. Dado esse explícito reconhecimento da presença do Espírito de Cristo nas religiões, não se pode excluir a possibilidade de que essas exerçam, como tais, certa função salvífica, isto é, ajudem os homens a alcançar seu fim último, apesar de sua ambigüidade. Nas religiões se tematiza explicitamente a relação do homem com o Absoluto, sua dimensão transcendente. Seria dificilmente pensável que tivesse valor salvífico o que o Espírito Santo opera no coração dos homens considerados como indivíduos e não o tivesse o que o mesmo Espírito faz nas religiões e nas culturas. O magistério recente não parece autorizar uma diferenciação tão drástica. Por outro lado, é preciso notar que muitos dos textos a que nos referimos não falam só das religiões mas junto a elas mencionam as culturas, a história das povos etc. Todas elas também podem ser "tocadas" por elementos de graça.

85. Nas religiões atua o mesmo Espírito que guia para a Igreja. Porém, a presença universal do Espírito não pode ser equiparada à sua presença peculiar na Igreja de Cristo. Embora não se possa excluir o valor salvífico das religiões, isso não significa que tudo nelas seja salvífico. Não se pode olvidar a presença do espírito do mal, a herança do pecado, a imperfeição da resposta humana à ação de Deus etc. (cf. Diálogo e Anúncio, 30-31). Só a Igreja é o corpo de Cristo, e só nela se dá em toda sua intensidade a presença do Espírito. Assim, para ninguém pode ser indiferente a pertença à Igreja de Cristo e a participação na plenitude dos dons salvíficos que só nela se encontram (RM 55). As religiões podem exercer a função de praeparatio evangelica, podem preparar os diversos povos e culturas para a acolhida do acontecimento salvador que já teve lugar. Nesse sentido sua função não pode se equiparar à do Antigo Testamento, que foi a preparação do próprio evento de Cristo.

86. A salvação se obtém pelo dom de Deus em Cristo, não porém sem a resposta e a aceitação humana. As religiões podem também auxiliar a resposta humana, enquanto impelem o homem à busca de Deus, a agir segundo sua consciência, a levar uma vida reta (cf. LG 16; cf. Veritatis splendor 94, o senso moral dos povos e as tradições religiosas põem em relevo a ação do Espírito de Deus). Em última análise, a busca do bem é uma atitude religiosa (cf. Veritatis splendor 9. 12). E a resposta humana ao convite divino que se recebe sempre em e por meio de Cristo1. Parece que essas dimensões objetivas e subjetivas, descendentes e ascendentes, devem se dar em unidade, como se dão no mistério de Cristo. As religiões podem ser, portanto, nos termos indicados, um meio que auxilie a salvação de seus adeptos, mas não podem se equiparar à função que a Igreja realiza para a salvação dos cristãos e dos que não o são.

87. A afirmação da possibilidade da existência de elementos salvíficos nas religiões não implica em si mesma um juízo sobre a presença desses elementos em cada uma das religiões concretas. Por outro lado, o amor de Deus e do próximo, tornado possível em última instância por Jesus o único mediador, é o caminho para se chegar ao próprio Deus. As religiões podem ser portadoras da verdade salvadora apenas enquanto conduzem os homens ao verdadeiro amor. Se é verdade que este pode ser encontrado também nos que não praticam religião alguma, parece que o verdadeiro amor a Deus deve levar à adoração e à prática religiosa em união com os demais homens.

Fonte: https://www.vatican.va/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF