Antoine Mekary | ALETEIA | #image_title |
Cada
um de nós pode se perguntar o quanto nos aproximamos mais de Deus seguindo o
exemplo do Papa Francisco. Ao fazermos isso, poderemos ter surpresas curiosas.
Há muitos anos, assisti um evento
teológico internacional onde os palestrantes eram todos meus amigos. Apenas um
deles fez uma exposição que realmente me fascinou. Quando fui dar-lhe os
parabéns e comentei minha decepção, ele comentou “eles não têm culpa, apenas
ainda não perceberam a glória de Deus”. Não era uma frase presunçosa, ele não
queria se considerar superior aos demais. Pelo contrário, queria dizer que não
era mais inteligente ou brilhante, apenas tinha a graça de perceber uma beleza
que os demais (ainda) não tinham percebido.
O episódio me veio à mente ao ler os
vários artigos que foram publicados pelos 10 anos de pontificado do Papa
Francisco. A imensa maioria era um balanço das reformas que foram ou não
realizadas pelo pontífice e dos desafios que ainda o esperam daqui para frente.
Para quem ainda não viu estes artigos, recomendo aquele excelente de Angelo
Ricordi, em Aleteia. De certa forma,
esse tipo de comportamento é o esperado da imprensa, mas, na maioria dos casos,
revela aquela mesma falta de percepção da glória que meu amigo via em nossos
colegas. Na vida da Igreja, o mais importante é a glória de Deus – e essa
glória não pode ser compreendida em função de mudanças que ocorrem ou deixam de
ocorrer.
Compreender um papado, seja ele qual
for, implica em perceber as particularidades com as quais a glória de Deus acontece.
E “a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”, como
lembra o Catecismo (CIC
294), citando Santo Irineu de Lion. Não quero aqui negar a importância das
reformas iniciadas por Francisco, mas apenas salientar que devem ser vistas
como consequências e não como avaliações do que vem acontecendo ou deixou de
acontecer.
E não podemos deixar de reconhecer seu
papel para todo o mundo de hoje… Francisco se tornou a “pedra de tropeço”, o
“sinal de contradição” da sociedade de nosso tempo. Suas muitas fotos abraçando
e acolhendo os pobres; as imagens do velho solitário, numa Praça de São Pedro
vazia, sob um céu escuro e pesado, rezando a Deus por um mundo tomado pela
pandemia (27 de março de 2020) são grandes símbolos das agruras e esperanças de
nosso tempo. Para nossa humanidade ferida pelos descaminhos da economia global,
pela exclusão, pelo preconceito e pelas consequências da COVID, Francisco vem
sendo um grande sinal de esperança.
O que Francisco se propôs a fazer?
Antoine Mekary | ALETEIA | #image_title |
“Desejo uma Igreja pobre para os
pobres” (Evangelium gaudium,
EG 198). Desde suas primeiras declarações, desde a escolha de seu nome como
papa, Bergoglio deixou claro que esse era o objetivo de seu pontificado. É fato
que a pobreza evangélica é um conceito muito mais complexo que a pobreza
econômica. Uma Igreja pobre não é tanto materialmente pobre, é — principalmente
– uma Igreja que põe tudo o que tem a serviço dos necessitados, que se despe de
seu poder para estar próximo dos mais fracos, que não se deixa levar pela
arrogância e proclama a Verdade com absoluta humildade. Os pobres de espírito,
que herdarão o Reino dos Céus, são mais que pobres materiais, são todos aqueles
humildes que se abandonam à Providência divina, sem se importar com os ganhos
materiais, mas procurando sempre o bem dos irmãos.
Por outro lado, aqueles pobres a quem
se dirige essa Igreja pobre, desejada por Francisco, são – objetivamente –
aqueles que sofrem privações materiais, os que são excluídos e descartados em
nossas sociedades, os discriminados e os párias – e, nesse sentido, a Igreja
desejada por Francisco faz sim uma opção por alguns grupos sociais. Não se
trata, como bem lembram as várias discussões sobre a teologia da libertação
realizadas nas últimas décadas, de uma opção excludente. Esses pobres não são
os únicos amados e desejados por Deus. Mas quem não optar por eles estará se
distanciando do coração de Deus…
Vendo sob essa ótica, não há como negar
o sucesso do papado de Francisco. A glória de Deus se manifestou claramente
nesses 10 anos por meio de um ancião que mostrou ao mundo o que era a bondade,
a atenção pelos últimos, a busca por justiça. Quem tem olhos para ver, que
veja; quem tem ouvidos para ouvir, que ouça. Os sinais de Deus são sempre
discretos, não se impõem à liberdade humana. Cada um de nós pode ver, em
Francisco, aquilo que quiser. Quem quiser reduzi-lo a um líder carismático, mas
cooptado pelas ideologias, poderá reduzi-lo nessa perspectiva. Quem já se acha
tão bom que não precisa se converter ao seu exemplo, poderá agir assim. Quem
quiser achá-lo “um cara legal” e seguir pela vida sem se sentir provocado por
seu testemunho, também poderá agir assim.
Um caminho que começa com cada um de
nós
Antoine Mekary | ALETEIA |
Com uma clareza que poderia envergonhar
muitos pensadores e influenciadores católicos, Barack Obama declarou que “raro é o líder que nos faz
querer ser pessoas melhores. Papa Francisco é um desses líderes”. Não desejo
aqui fazer uma nova avaliação do pontificado de Francisco, de seus êxitos e
desafios, apenas quero me remeter a essa constatação de Obama: a grande
importância de Francisco, para cada um de nós, é sua capacidade de nos
aproximar mais de Cristo, de favorecer um encontro (ou um reencontro) que muda
nossa vida.
Cada um de nós pode se perguntar o
quanto nos aproximamos mais de Deus seguindo o exemplo do Papa Francisco. Ao
fazermos isso, poderemos ter surpresas curiosas. Talvez aqueles que mais
parecem se identificar com seu pensamento tenham sido os menos impactados:
imaginaram que já conheciam sua proposta e não se perguntaram em que podiam
mudar. Por outro lado, outros que estavam objetivamente distantes podem ter
passado por grandes mudanças, terem percebido com mais clareza o significado do
amor de Deus por eles e estarem se aproximando cada vez mais de Cristo. O nosso
coração é um mistério insondável até para nós mesmos – mas é o espaço de ação
preferencial para a graça.
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