A Ressurreição de Jesus | Presbíteros |
A Ressurreição de Jesus
A ressurreição corporal de Jesus
era professada tranqüilamente pela Igreja nascente, sem que os judeus ou outros
adversários a pudessem apontar como termo de fraude ou de alucinação. De resto,
o sepulcro vazio de Jesus era um testemunho que corroborava a notícia. Nunca
esta teria passado adiante se o sepulcro de Jesus não estivesse vazio. De
resto, os Apóstolos só podiam apregoar a ressurreição de Mus vencidos pela
evidência dos fatos, pois não estavam predispostos a supô-la ou admiti-la;
antes, haviam perdido todo ânimo quando viram o Mestre preso e condenado; a
noção mesma de um Messias crucificado só podia parecer escandalosa e blasfema.
Quem nega a ressurreição corporal
de Jesus, deve logicamente admitir que vinte séculos de Cristianismo (sempre
apregoado com a mensagem da ressurreição) estão baseados sobre mentira ou
doença mental. Ora esta hipótese é mais exigente ou supõe um maior milagre do
que a tese mesma da ressurreição de Jesus devida à Onipotência Divina. É mais
razoável crer na ressurreição de Jesus do que explicar a pujança do
Cristianismo por um sonho de gente. desonesta ou alucinada.
As implicações teológicas da
ressurreição de Jesus são principalmente as três seguintes:
1) corroborar e autenticar a
pregação de Jesus, pois se Deus pode ressuscitar um morto; se ressuscitou
Jesus, quis assim pôr sua chancela sobre a missão de Cristo;
2) é penhor da nossa própria
ressurreição, pois há continuidade entre a sorte de Cristo e a nossa própria
sorte;
3) foi condição para que o
Espírito Santo fosse enviado aos homens como rematador da obra de Cristo; é o
Espírito Santo quem congrega todos os povos no Corpo de Cristo que é a Igreja,
a fim de que recebam de Cristo Sacerdote as graças necessárias para chegarem à
vida eterna.
A ressurreição de Jesus constitui
artigo fundamental da fé cristã, a ponto que São Paulo pode dizer: “Se Cristo
não ressuscitou, vazia é a nossa pregação; vazia também é a vossa fé… Se Cristo
não ressuscitou, vazia é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados” (1Cor 15,
14.17). Na verdade, talvez queira alguém pensar que a mensagem do Cristianismo
é tão rica e bela que ela pode dispensar a proposição da ressurreição de Jesus;
esta não faria falta… Verifica-se, porém, que nos escritos do Novo Testamento e
nos da imediata Tradição cristã é tal a ênfase na ressurreição de Jesus que ela
deve ocupar lugar primordial e indispensável no conjunto das verdades da fé. Em
conseqüência, procuraremos, nas páginas seguintes, examinar as credenciais ou a
credibilidade dessa proposição; após o que examinaremos o seu sentido
teológico.
1. A ressurreição de Jesus:
credibilidade
A credibilidade da ressurreição
de Jesus baseia-se sobre duas principais pilastras:
1) o testemunho dos Apóstolos e
da Igreja nascente;
2) o sepulcro vazio.
1.1. O testemunho dos Apóstolos
1.1.1. Observações preliminares
1) Antes de percorrer os
depoimentos dos Apóstolos, deve se notar que eles não tinham disposições
psicológicas para “inventar” a notícia da ressurreição de Jesus ou para “sonhar
alucinadamente” com tal evento. Ainda impregnados das concepções de um
messianismo nacionalista e político, capitularam quando viram o Mestre preso e
aparentemente fracassado; fugiram para não ser p presos eles mesmos (cf. Mt 26,
31s); Pedro renegou o Senhor (cf. Mt 26, 33-35). 0 caso de Tomé é o mais
significativo: resistiu ao testemunho dos demais Apóstolos e pediu provas
palpáveis da ressurreição (cf. Jo 20, 24-29). Somente após a evidência do fato,
rendeu-se à verdade.
2) O conceito de um Deus morto e
ressuscitado na carne humana era totalmente alheio à mentalidade dos judeus.
Estes tendiam a distanciar cada vez mais dos homens o Senhor Deus; nem sequer
pronunciavam o nome Javé por receio de o profanarem (circunscreviam no mediante
as locuções o Eterno, o Céu, a Glória, o Nome, Ele. . .; cf. 1 Mc 3, 18.50.60;
4, 10.24…). Por conseguinte, não emergiria espontaneamente do espírito dos
Apóstolos a noção de um Deus feito homem, morto na Cruz e ressuscitado: tal
idéia era escandalosa para Israel (como era loucura para os gregos), conforme
nota São Paulo em 1Cor 1,23. Só após séria relutância os Apóstolos reconheceram
o fato da ressurreição de Jesus; cf. Mt 28, 17; Mc 16, 11.13s; Lc 24, 11.25.3741.45.
3)É de notar outrossim que a
pregação dos Apóstolos era severamente controlada pelos judeus, de tal modo que
qualquer mentira seria imediatamente denunciada; os membros do Sinédrio eram
ciosos de encontrar algum título de acusação contra os Apóstolos, mas não o
encontraram, a ponto que Gamaliel recomendou aos correligionários: “Deixai de
ocupar vos com estes homens. Soltai-os, pois, se o seu intento ou a sua obra
provém dos homens, destruir-se-á por si mesma; se vem de Deus, porém, não
podereis destrui los. E não aconteça que vos encontreis movendo guerra a Deus”
(At 5, 380. Por conseguinte, se a ressurreição de Jesus, apregoada pelos
Apóstolos não correspondesse a um fato real ou se pudesse ser apontada como
mentira fraudulenta, os judeus não teriam perdido a ocasião de o fazer. Se não
o fizeram, isto se deve à impossibilidade de demonstrar a falsidade de tal
notícia.
1.1.2. Os textos do Novo
Testamento
1) Um dos textos mais expressivos
é o de 1Cor 15,1-8: “‘ Faço iras conhecer, irmãos, o Evangelho que vos preguei,
o mesmo que vós recebestes e no qual permaneceis firmes.
2) Por ele também sereis salvos,
se o conservardes tal como vô-lo preguei. . . a menos que não tenha fundamento
a vossa fé.
3) Transmiti-vos, antes de tudo,
aquilo que eu mesmo recebi, a saber, que Cristo morreu por nossos pecados,
conforme ais Escrituras, e que foi sepultado e que ressuscitou ao terceiro dia
conforme as Escrituras s e que apareceu a Cefas, depois aos doze. Posteriormente
apareceu de uma vez a mais de quinhentos irmãos, dos quais a maior parte vive
até hoje, alguns, porém, já morreram. Depois apareceu a Tiago e, em
seguida, a todos os Apóstolos. Por fim, depois de todos, apareceu também a mim,
como a um abortivo”
Estes dizeres são de época muito
antiga ou do sexto decênio do século I (56/57); pouco mais de vinte anos apenas
os separam da Ascensão de Jesus. Referem se à pregação que São Paulo realizou
em Corinto entre os anos de 50 e 52; nessa época, o Apóstolo entregou aos fiéis
os ensinamentos que lhe haviam sido anteriormente entregues. Aliás, também em
1Cor 11, 23 afirma o Apóstolo ter transmitido aos coríntios o que lhe fora
transmitido, a saber: a mensagem referente à Ceia do Senhor.
E quando recebeu Paulo tais
ensinamentos? Ou por ocasião da sua conversão, que se deu aproximadamente no
ano de 35, ou no ensejo de sua visita a Jerusalém, que teve lugar em 38, ou, ao
mais tardar, por volta do ano de 40. Observe-se agora o estilo do texto de 1
Cor 15, 3-8: as frases são curtas, incisivas, dispostas segundo um paralelismo
que lhes comunica um ritmo notável. Abstração feita dos vv. 6 e 8, dir-se-ia
que se trata de fórmulas estereotípicas, forjadas pelo ensinamento oral e
destinadas a ser freqüentemente repetidas. Nesses versículos encontram-se
várias expressões que não ocorrem em outras cartas de São Paulo: assim
“conforme as Escrituras”, “no terceiro dia”, “aos doze”, “apareceu, óphthe”
(expressão que só ocorre sob a pena de São Paulo num hino citado pelo Apóstolo
em 1 Tm 3,16).
Em particular, o verbo óphthe
ocorre quatro vezes nos vv. 5-8. Significa “apareceu, deu se a ver,
mostrou-se”. É o vocábulo técnico para designar as aparições de Jesus
ressuscitado; cf. Lc 24, 34; At 9, 17; 13,31; 26,1. Tal verbo afasta a hipótese
de que os Apóstolos tenham tido alucinações meramente subjetivas ou imaginosas;
“deuse a ver” supõe a realidade corpórea de Jesus, que os Apóstolos
puderam apalpar; cf. Lc 24, 37-41. Tem seu sinônimo em At 10, 40s: “Deus O
ressuscitou ao terceiro dia e concedeu-Ihã ,que se tornasse manifesto… a nós,
que comemos e bebemos com Ele após “”a sua ressurreição”. Estas indicações
evidenciam que São Paulo em 1Cor 15, 3-8 reproduz uma fórmula de fé que ele
mesmo recebeu já definitivamente redigida poucos anos (dois, cinco, oito anos?)
após a Ascensão do Senhor Jesus. O v.6, quebrando o ritmo do conjunto, talvez
tenha sido introduzido posteriormente; quanto ao v.8, é por certo’ uma notícia
pessoal que São Paulo acrescenta ao bloco. Vê-se, pois, que desde os primeiros
anos da pregação do Evangelho já existia entre os fiéis uma profissão de fé na
ressurreição de Cristo formulada em frases breves e impregnantes; tais frases
eram transmitidas como expressões exatas da mensagem dos Apóstolos. Ora essa
fórmula de fé antiqüíssima professa a ressurreição corpórea de Cristo como
realidade histórica. Para a comprovar, havia testemunhas oculares das quais,
diz São Paulo, muitas ainda viviam vinte e poucos anos após a ressurreição do
Senhor.
Tal depoimento de primeira hora,
concebido e transmitido pelos dis imediatos do Senhor, já seria argumento
suficiente para remover qualquer teoria tendente a desvirtuar a fé na
ressurreição corporal de Cristo. Esta fé não surgiu tardiamentena história das
primeiras comunidades cristãs, mas é o eco direto da missão de Cristo
acompanhada dia a dia pelos Apóstolos. A 1ª carta de São Paulo aos Cor í ntios
quer incutir aos fiéis a noção de ressurreição de todos os mortos. Esta
perspectiva horrorizava os gregos, pois lhes parecia equivaler à volta ao cárcere
ou ao sepulcro do corpo. Na sua argumentação o Apóstolo parte do fato da
ressurreição de Cristo, verdade tranqüilamente aceita por todos; o que eles
punham em dúvida, era sua própria ressurreição. t Se se prega que Cristo
ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há
ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não
ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, vazio é’0 nossa pregação, vazia
também é a vossa fé” (1 Cor 15, 12-14)
Vê se, pois, que a Igreja antiga
estava convicta da ressurreição de Crista::Nem todos, porém, queriam aceitar
semelhante sorte para si, por motivos filosóficos.
Vem ao caso ainda o texto de Lc
24, 36-43: “Jesus se apresentou no meio dos Apóstolos e disse: A paz esteja
convosco’.’ Tomados de espanto e temor, imaginavam ver um. espírito. Mas ele
disse: Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos
corações? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu’. Apalpai-me e entendei que um
espírito não tem carne nem ossos, como estais vendo que eu tenho’. Dizendo
isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, como, por causa da alegria, não podiam
acreditar ainda e permaneciam surpresos, disse-lhes: ‘Tendes o que comer?’
Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado. Tomou-o então e comeu-o diante
deles”.
Aos Apóstolos amedrontados, que
julgavam ver um fantasma, Jesus pede que o apalpem e verifiquem que tem carne e
ossos: “Vede minhas mãos e meus pés, vede que sou eu mesmo” (Lc 24, 39). Além
disto, comeu na presença deles para lhes incutir o realismo de sua corporeidade
ressuscitada (vv. 42s). Também é importante o texto de Jo 20, 19s: na noite de
Páscoa, Jesus aparece aos discípulos e dá-lhes a tocar suas mãos e seu lado,
certamente porque aí estavam as chagas que o identificavam como o Senhor morto
e ressuscitado. A São Tomé, incrédulo, disse Jesus com mais ênfase ainda: “Põe
teu dedo aqui, e vê minhas mãos. Estende tua mão e põe-na no meu lado, e não
sejas incrédulo, mas crê”. Respondeu=lhe Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,
27s). A pouca fé do Apóstolo foi assim vencida pela evidência dos fatos.
Examinemos agora os testemunhos
relativos a:
1.2. O sepulcro vazio
O primeiro acontecimento da manhã
do domingo de Páscoa foi a descoberta do sepulcro vazio; cf. Mc 16, 1-8. Os
chefes dos judeus tomaram consciência do significado deste fato, e resolveram
dissipá-la: “Deram aos soldados uma vultosa quantia de dinheiro, recomendando:
‘Dizei que os seus discípulos vieram de noite, enquanto dormíeis, e roubaram o
cadáver de Jesus. Se isto chegar aos ouvidos do Governador, nós o
convenceremos, e vos deixaremos sem complicação’. Eles tomaram o dinheiro e
agiram de acordo com as instruções recebidas. E espalhou-se esta história entre
os judeus até o dia de hoje” (Mt 28, 12-15).
Ao comentar este episódio, S.
Agostinho salienta a sua índole ridícula; os guardas não podiam ser testemunhas
de algo ocorrido durante o sono dos mesmos. Quem dormiu, não foram os guardas,
mas foram os chefes dos teus, que deram tais ordens aos guardas.
O sepulcro vazio, na verdade, era
condição indispensável para que os tolos pudessem anunciar a ressurreição de
Jesus pouco tempo depois sua morte (cf. At 2, 24-32). A pregação da
ressurreição de Jesus, por dos Apóstolos, teria sido totalmente desacreditada se
em Jerusalém desse mostrar um sepulcro a conter o cadáver de Jesus em
decomposição arautos da ressurreição teriam sido escarnecidos se o sepulcro ode
Jesus não falasse em favor deles. ” O sepulcro vazio significa que o cadáver de
Jesus foi assumido pela humana de Jesus, de modo a reconstituir a sua natureza
íntegra, à estava unida a Divindade da segunda Pessoa da SS. Trindade.
A esta altura quatro dúvidas
merecem consideração.
1.3.1. O Docetismo
Já no século primeiro do
Cristianismo alguns pensadores, repudiando a matéria como algo de mau em
si, afirmavam que Jesus não ressuscitara corporalmente. Tais eram os Docetas e
os Gnósticos; o dualismo “matéria x espírito não lhes permitia admitir que a
Divindade tivesse glorificado a matéria ressuscitando-a após a morte; por
conseguinte, diziam que Jesus ressuscitado apenas uma aparência, mas não a
realidade, de um corpo material; o cadáver de Jesus, no caso, teria sofrido a
decomposição do sepulcro.
A esta objeção respondemos:
1) Seja recordada a ênfase com
que os evangelistas incutem a presença das chagas e das notas típicas do corpo
de Jesus após a ressurreição;
2) O corpo não é um acidente
estranho ao ser humano; muito menos é cárcere ou sepulcro da alma; esta não é
um anjo punido na carne, mas foi para se aperfeiçoar na carne humana.
Isto quer dizer que o corpo é responsável pela sorte (mísera ou gloriosa) da
pessoa; com seus afetos e ele integra a personalidade. Por isto também é
conveniente que ele participe do estado póstumo, reunido à alma humana
pela ressurreição. por isto que o Filho de Deus quis assumir a natureza
corpórea do homem viveu as sucessivas etapas da vida humana o nascer, o
crescer, o trabalhar o lutar, o sofrer e o morrer e ressuscitou,
restaurando a carne humana, que servira de instrumento ao pecado. Em
conseqüência, todo homem sabe que é chamado à consumação da vida em sua
condição psicossomática. Para afirmar estas verdades frente aos Gnósticos do
século III, o escritor cristão Tertuliano (t220 aproximadamente) escrevia “Caro
cardo salutis. A carne é o gonzo da salvação”, isto é, mediante a carne
de Cristo morta e ressuscitada veio a salvação ao mundo.
1.3.2. A desmitização
contemporânea
A escola de Rudolf Bultmann julga
que todo episódio transcendental só pode ser ficção ou mito. Por isto nega a
ressurreição corpórea de Jesus. Afirma, sim, que o que ressuscitou foi a
Palavra de Deus; esta foi ameaçada de sufocação pelos judeus perseguidores, mas
superou as adversidades e propagou-se vitoriosamente pelas regiões do Império
Romano. A mensagem de Jesus assim ressuscitou, e não o mensageiro.
Respondemos: a teoria da
desmitização ressente-se de um preconceito racionalista, tão dogmático quanto o
Credo que ela combate: de antemão nega qualquer possibilidade de milagre; por
conseguinte, tem que procurar uma explicação natural para o anúncio da
ressurreição de Jesus, sem levar em conta os textos do Novo Testamento, que são
assim violentados. Ora as proposições gratuitamente preconcebidas não fazem
parte do âmbito da ciência. Esta é objetiva; examina os dados de cada questão,
sem predefinir a respectiva solução.
Ademais seja aqui recordado tudo
quanto anteriormente foi dito em resposta à objeção docetagnóstica.
Ainda é de se ponderar o
seguinte: se a ressurreição de Cristo não fosse real, o Cristianismo estaria
baseado sobre enorme mentira ou alucinação, pois os pregadores do Evangelho
nunca anunciaram a Boa-Nova sem incluir necessariamente a notícia da
ressurreição corporal do Senhor. Algo de falso ou de mórbido seria o pedestal
de vinte séculos de Cristianismo. Ora tal hipótese supõe um portento ou um
milagre de primeira grandeza; as mentiras ou falsidades não resistem ao tempo
e, cedo ou tarde, são desvendadas (tal foi o caso da lenda dos LXX, da “Doação
de Constantino”, das “Decretais do Pseudo-Isidoro”, das obras do
Pseudo-Dionísio Areopagita. . .). Ora até hoje não se pôde derrubar a crença na
ressurreição de Cristo como se fosse lendária ou mítica. As teorias que
tencionam fazê-lo (alegando fraude dos Apóstolos ou sepultamento de Cristo ainda
vivo) se comprovam como ridículas e destituídas de peso científico.
É, por conseguinte, mais razoável
crer no milagre da ressurreição de Cristo por obra da Onipotência Divina do que
crer que, segundo o “milagre” do racionalismo moderno, a mentira e a doença
mental tenham dado o fruto de vinte séculos de Cristianismo,… séculos que foram
certamente beneméritos não só para a religião, mas também para a cultura e o
progresso da humanidade. O edifíci, do Cristianismo logicamente requer um
pedestal mais sólido do que a desonestidade e a debilidade mental.
1.3.3. A ressurreição: fato
histórico?
Há quem negue em nossos dias a
historicidade não, porém, a realidade da ressurreição de Jesus. Como efeito;
dizem que não pode ser tido como histórico o acontecimento que não caia sob o
controle do método da pesquisa histórica, ou seja, o acontecimento que tenha
aspectos transcendentais. Ora Cristo ressuscitado já não morre; não retornou à
vida mortal (como Lázaro, a filha de Jairo e o filho da viúva de Naím voltaram;
cf. Jo 11, 1-44; Mc 5, 21-43; Lc 7, 11-17); não mais esteve sujeito à doença e
à morte; adquiriu um corpo glorioso, pertencente a outra ordem de coisas. Além
disto, dizem, a ressurreição de Jesus não foi observada por nenhuma testemunha;
quando as mulheres chegaram ao sepulcro, já o encontraram vazio.
Em resposta, notamos que a
questão se reduz ao uso do vocábulo “histórico”, sem que os objetantes
tencionem negar a realidade da ressurreição de Jesus. É, portanto,
relativamente secundária. Todavia gera equívocos, pois pode parecer negar a
própria ressurreição do Senhor. Por isto não é recomendável dizer que esta não
foi um fato histórico. O teólogo protestante W. Pannenberg muito sabiamente
propõe outra noção de “histórico”: é histórico todo evento que possa caber em
coordenadas de espaço e tempo, ou seja, todo evento que tenha acontecido em
determinado momento e em determinado lugar; ora a ressurreição de Jesus pode
ser datada (9 de abril do ano 30, com muita probabilidade), como também pode
ser situada na Palestina, em Jerusalém, ficando o sepulcro vazio como indicação
topográfica. Daí poder-se dizer que a ressurreição de Jesus não foi somente um
fato real, mas também foi um fato histórico, segundo Pannerberg e teólogos de
autoridade.
1.3.4. “Jesus não chegou a morrer
na Cruz, mas apenas perdeu os sentidos”
Este assunto já foi abordado em
PR 321/1989, pp. 85-89. A hipótese aventada não só é totalmente gratuita, mas
ainda é francamente contraditada pelo golpe de lança que foi infligido a Jesus
e que bastaria para matá-lo, pois atingiu o coração. Tal hipótese, portanto,
gratuita como é, carece de valor científico.
2. O sentido teológico da
ressurreição
Distinguiremos três aspectos
teológicos da ressurreição de Cristo.
2.1. Sinete de autenticação
Jesus, como homem, morreu após
haver pregado o Evangelho, que desagradou aos judeus. O Pai o quis ressuscitar
testemunhando, por este sinal de sua onipotência, a autenticidade da pregação
de Jesus. Não sem razão as fórmulas de fé mais antigas apresentam o Pai como
autor da ressurreição de Jesus: “Deus ressuscitou esse Jesus, e disto nós todos
somos testemunhas” (At 2, 32), disse São Pedro no dia de Pentecostes (Não há
dúvida de que Jesus, como Deus, também ressuscitou a sua humanidade, comungando
com o Pai e o Espírito Santo numa só atividade). A propósito escreve João Paulo
II na encíclica Dives in Misericordia: “A cruz não é a última palavra do Deus
da aliança: essa palavra será pronunciada na alvorada quando as mulheres, em
primeiro lugar, e os discípulos, depois, indo ao sepulcro do Crucificado, verão
o túmulo vazio e proclamarão pela primeira vez: ‘Ressuscitou!’ ” (n° 7).
Com efeito; nenhum homem pode
ressuscitar um morto. Por conseguinte, se Jesus, como homem, ressuscitou, isto
é obra de Deus, que assim quis dar um sinal comprovante da messianidade do
Ressuscitado.
Ressuscitando Jesus, o Pai houve
por bem fazê-lo Kyrios ou Senhor de todos os homens e da sua história, como
atestam alguns textos bíblicos:
At 2, 36: Diz São Pedro no dia de
Pentecostes: ‘Saiba com certeza toda a Casa de Israel: Deus o constituiu Senhor
(Kyrios) e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes”.
Rm 14, 9: “Cristo morreu e
reviveu para ser o Senhor dos mortos e dos vivos’:
FI 2, 9-11: ‘Deus sobre exaltou
Jesus grandemente e O agraciou com o Nome que está acima de rodo nome, para
que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho. . . e, para a glória de Deus Pai,
toda língua confesse: Jesus é o Senhor’.
Rm 10, 9: ‘ Se confessares com
tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, serás salvo”.
Note-se que Kyrios era, na
linguagem oficial dos romanos, o designativo do Imperador. Cf. At 25, 26: diz
Festo, procurador romano: “Nada tenho de concreto sobre Paulo, para escrever ao
Kyrios (= Imperador)”. À luz destas observações, entende-se que o Apocalipse
apresente Jesus como o Senhor dos tempos: é o Cordeiro que em suas mãos traz o
livro da história; este vai-se abrindo aos poucos e os acontecimentos vão-se
desenrolando na terra; nada, porém, do que acontece neste mundo, está fora do
âmbito desse livro ou escapa ao senhorio de Jesus Cristo; cf. Ap 5, 1-14.
Aliás, o próprio Jesus declara em Ap 1, 17s: “Eu sou o Primeiro e o último, o
Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e
tenho as chaves da Morte e da região dos mortos”.
2.2. Processo que se prolonga em
todos os homens
Segundo os escritos do Novo
Testamento, a ressurreição de Jesus não é um fato fechado em si, mas é o início
de um processo que se estende a todos os homens. Com efeito; São Paulo chama
Cristo ressuscitado “o Primogênito dentre os mortos” (Cf 1,18). A Ele,
ressuscitado em primeiro lugar, seguir-se-á a ressurreição dos irmãos: `Cada
qual na sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, por
ocasião da sua segunda vinda; a seguir, haverá o fim” (1Cor 15, 23s).
Desde toda a eternidade, o Pai
houve por bem fazer-nos conformes à imagem do seu Filho ressuscitado, como
escreve São Paulo em Rm 8,29s: “Os que Ele conheceu de antemão, também os predestinou
a ser conformes à imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre
muitos irmãos. E os que predestinou, também os chamou, e os que chamou, também
os justificou, e, os que justificou, também os glorificou.
O significado deste texto se
percebe bem se se dá atenção às fórmulas paralelas: “Primogénito entre muitos
irmãos” (Rm 8, 29) e “Primogênito dentre os mortos” (Cf 1, 18). O ser
primogênito, modelo dos irmãos, implica “ser o primeiro a ressuscitar dentre os
mortos”. Os mortos ressuscitarão à semelhança da ressurreição de Cristo.
O mesmo São Paulo se compraz em
desenvolver esta doutrina, afirmando que na ressurreição de Cristo teve início
a nossa própria ressurreição. Eis a ousada sentença do Apóstolo, que mais
adiante merecerá explicação mais detida: “Quando estávamos mortus em nossos
delitos, (Deus Pai) vivificou-nos juntamente com Cristo pela graça fostes
salvos! e com Ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus”
(Ef 2, 5s).
O mesmo ocorre em Cf 3, 1-4: “Se
ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado
à direita de Deus. Pensai nas coisas do alto, e não nas da terra, pois
morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que
é a vossa vida, se manifestar, então vós também com Ele sereis manifestados em
glória”.
Pergunta-se: em que sentido já
fomos ressuscitados e glorificados com Cristo, se ainda somos pecadores e
mortais? A resposta é dupla:
1) Cristo, como homem, tendo sido
ressuscitado e glorificado, mereceu para todo o gênero humano o direito a
semelhante sorte. Uma porção da natureza humana acha-se glorificada em penhor
de que a natureza humana inteira venha a ser também glorificada. Uma parte de
nós ou a Cabeça do gênero humano está nos céus, na expectativa de que o resto
do corpo chegue ao mesmo termo.
2) Todavia não apenas um penhor
ou um direito nos foi concedido mediante a Páscoa de Cristo. Um autêntico
principio de vida nova ou definitiva foi depositado dentro de nós por ocasião
de um evento muito concreto de nossa existência: o Batismo. São Paulo o diz
sinteticamente em Cf 2,12: “Fostes sepultados com Cristo no Batismo; também com
Ele ressuscitastes, porque acreditastes no poder de Deus, que o ressuscitou dos
mortos”.
Esta idéia é explicitada em Rm 6,
3-11. São Paulo tem em vista o modo como o Batismo era ministrado na Igreja
antiga: o catecúmeno era mergulhado em uma piscina (o que significava o morrer
e ser sepultado com Cristo) e retirado dágua (o que significava o ressuscitar
com Cristo). Em última análise, isto quer dizer que o Batismo confere uma
participação sacramental na morte e ressurreição de Jesus; este ato sacramental
tem que ser reafirmado e desdobrado na vida ética do cristão dia por dia: é
preciso morrer com Cristo para o pecado e ressuscitar com Cristo para uma vida
cada vez mais condizente com o modelo do Cristo Jesus; evitando o pecado e
desenvolvendo a vida nova, o cristão chegará à gloriosa ressurreição final: “Se
nos tornamos uma só coisa com Ele por uma morte semelhante à sua, seremos também
uma só coisa com Ele por uma ressurreição semelhante á sua” (Rm 6,5). “Se
morremos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele” (Rm 6,8). Ou ainda:
“Pelo batismo fomos sepultados com Cristo na morte, para que, como Cristo foi
ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos uma
vida nova” (Rm 6,4).
Numa palavra: o Batismo é o
início ou o gérmen da nossa ressurreição e nos levará à plenitude da vida, se
soubermos fomentar esse gérmen pela renúncia ao pecado e pelo exercício das
virtudes cristãs.
2.3. O dom do Espírito
Jesus quis associar sua
glorificação ao dom do Espírito Santo, que Ele havia de outorgar aos homens
como penhor de sua plena santificação. Assim, por exemplo, lê-se em Jo 7,
37-39: “ No último dia da festa, o mais solene, Jesus, de pé, disse em alta
voz: “Se alguém tem sede, venha a Mim, E beba aquele que crê em Mim! Conforme a
palavra da Escritura, Do seu seio jorrarão rios de água viva”. Ele falava do
Espírito, que deviam receber aqueles que tinham acreditado nele, pois não havia
ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado”.
Como se depreende, os rios de
água viva provenientes do Messias significam o Espírito Santo, que devia ser
dado aos homens em conseqüência da glorificação de Jesus (‘ O texto bíblico
subjacente a esta afirmação de Jesus é o de Ez 47, 1-12: o profeta descreve uma
grande torrente que sai do Templo de Jerusalém e que se dirige para o deserto,
convertendo-o em jardim e pomar, imagem dos frutos do Espírito Santo enviado
por Jesus após a sua Ascensão)
.Na última ceia, Jesus voltou a
prometer: “Eu vos digo a verdade: A de vosso interesse que eu parta, pois, se
eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas, se eu for, enviá-lo-ei a vós” (Jo
16, 7). “Tenho ainda muito que vos dizer, mais não podeis agora suportar.
Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena, pois não
falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos comunicará as coisas
futuras” (Jo 16, 12s). “O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu
nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse” (Jo 14,26).
É, pois, o Espírito Santo que
completa a obra salvífica de Jesus, reunindo os homens num só Corpo, do qual
Cristo é a Cabeça e o Espírito é o princípio vivificante. É o Espírito que nos
faz “filhos no FILHO” (cf. Rm 8, 15; GI 4,6) e nos impele a voltar ao Pai (cf.
Ef 2, 18). Glorificado nos céus e enviando-nos o seu Espírito, Jesus adquire um
modo de presença novo aqui na terra: perde a presença física, sempre limitada a
um só lugar, para se fazer sacramentalmente presente; a Igreja é o Grande
Sacramento de Jesus, no qual são ministrados aos homens os sete sacramentos ou
sete canais da graça, que atingem cada criatura desde o nascer até o morrer. S.
Agostinho exprime muito vivamente este modo de agir de Cristo, ao comentar as
palavras de João Batista em Mt 3, 11: “Ele vos batizará no Espírito Santo”:
“Batize Pedro, é Cristo quem batiza. Batize Paulo, é Cristo quem batiza. Batize
Judas, é Cristo quem batiza” (In loannis Evangelium 5,7).
Por trás da ação litúrgica do
ministro humano, efetuada em nome de Cristo, e através das suas palavras
pobres, é Cristo quem age, exercendo o seu sacerdócio, quando consagra o
catecúmeno pelo Batismo, quando consagra o pão e o vinho na Eucaristia, quando
perdoa os pecados no sacramento da Reconciliação, quando une os cônjuges em
matrimônio… Não é simplesmente Deus Filho quem purifica e santifica os homens,
mas é Jesus Cristo o Filho feito homem e glorificado para ser nosso Sacerdote
Perpétuo quem exerce o seu pontificado na Igreja vivificada pelo Espírito
Santo.
Tal é o alcance teológico da
glorificação (ressurreição e ascensão) de Jesus. O Senhor rompe os limites dos
tempos e se faz presente a todos os tempos, sempre vivente para interceder por nós
(Hb 7,25) junto ao Pai no “santuário celeste” (H b 9,12.24) e junto a nós em
nossos santuários terrestres; onde Ele nos prepara para uma ressurreição
semelhante à sua.
Dom
Estevão Tavares Bettencourt, osb - A RESSURREIÇÃO DE JESUS
Nenhum comentário:
Postar um comentário