Photo by Bryan Minear on Unsplash |
Para não ficarmos presos apenas à dimensão do espaço sufocante, é preciso pararmos para reconhecer a eternidade do instante, e dar tempo ao tempo.
Após a teoria da relatividade de Einstein sabemos que o tempo não é uma dimensão absoluta, mas relacional e depende das circunstâncias e do contexto. Ou seja, sua medida varia – pode correr mais rápido ou mais devagar…
Essa relatividade física pode ser reconhecida também em nossa experiência pessoal. Por exemplo, há uma diferença abissal entre uma hora realizando uma coisa que entedia ou faz sofrer como ir ao dentista e a mesma hora fazendo uma coisa que se gosta muito. O tempo, no primeiro caso, dura imensamente mais, parece que nunca passa, e no segundo caso passa tão rápido que nem percebemos. Mesmo que o espaço coberto pelos ponteiros do relógio seja o mesmo.
Gregos
Os gregos usavam três termos diferentes, kronos, aiòn e kairòs, para designar o tempo. Kronos era usado para descrever a sucessão de instantes, o tempo na sua sequência cronológica e quantitativa, na mitologia grega era representado como um gigante, filho de Urano e Gaia que devorava seus próprios filhos até ser derrubado por Zeus. Aiòn expressava a temporalidade da vida, os intervalos, percalços e anacronismos da existência pessoal e representava a dimensão da consciência humana irredutível a qualquer lógica somativa e linear. Kairòs, o último filho de Zeus, era representado como um menino com asas nos pés, em constante movimento, com um tufo de cabelo na testa e nuca raspada para indicar a dificuldade em agarrá-lo. Ele segurava uma haste na qual uma balança repousava. Representava a hora certa, indicava o momento propício, oportuno, adequado, que devia ser apreendido no rápido instante que passa, o tempo “presente”, em relação ao qual uma capacidade vigilante e atenta permite compreender melhor o desenvolvimento do futuro. É o tempo onde se joga a liberdade humana e quando a inteligência e reconhecimento dos sinais pode determinar a felicidade no futuro.
Percepção do tempo
Santo Agostinho acrescentará à compreensão do tempo a nossa pessoa, a pessoa de cada um de nós enquanto “percebe” o tempo. Dirá que no espirito humano reside a percepção do tempo. O tempo é uma realidade que pode ser apreendida apenas a partir do espirito humano (Confissões, livro XI, cap. 27, resposta 36, Paulus, pg. 353 – 354, 17 edição, 2004):
É em ti (meu espírito), repito, que meço os tempos. Meço, enquanto está presente, a impressão que as coisas gravam em ti no momento em que passam, e que permanece mesmo depois de passadas, e não as coisas que passaram para que a impressão se reproduzisse. É essa impressão que meço, quando meço os tempos.
Esse espírito pensa, sente, age, interage com os outros e com a realidade à sua volta. O seu pensar, sentir e modo de agir está relacionado e de certa forma depende da cultura onde cresceu e da história do seu povo. Tudo isso influenciará e modificará a sua percepção do tempo.
Como viver o tempo
Heidegger dirá que a existência humana é na sua raiz ontológica temporalidade originária. (Martin Heidegger Il Concetto Di Tempo, Adelphi Edizioni, 8 ed., 2006, pg. 13). A vida humana é tempo e é determinada, essencialmente, por como vivo o tempo. E como viver o tempo para um cristão? Pode-se dizer que o modo cristão de viver o tempo no tempo, é sintetizado por uma palavra: Paciência.
A paciência é aceitar o tempo próprio de cada ser: é dar o tempo adequado ao nosso tempo pessoal; é aceitar o tempo de Deus e aceitar o tempo do outro. É pela vossa paciência que ganhareis a vida (Lc 21,19) diz Jesus já no final da sua missão terrena e próximo à sua prisão e crucifixão. Quanta paciência ele precisou ter… Até com seus amigos que não o compreendiam… São Paulo diz que a primeira característica do amor é a paciência (1Cor 13,4).
Presença de Deus
A paciência é um modo sábio de viver o tempo, saber esperar a recompensa futura e não querer agarrá-la a qualquer custo no instante fugaz. É saber esperar o dia certo para a ação do Espírito Santo. É saber conservar e valorizar a própria liberdade e a de outrem. De onde nasce essa sabedoria? Da capacidade de perceber a eternidade presente no instante. Se meu próprio limite, uma outra pessoa ou uma situação irritam-nos, nos enfurecem ou nos desencorajam e deprimem, paremos um pouco e busquemos reconhecer a eternidade presente naquele momento. Há algo além, acima, das coisas que vejo, ouço, toco ou sinto que governa tudo. As minhas sensações e percepções, não são tudo. Além das coisas que vejo, ouço, toco ou sinto, que estão na dimensão do espaço (no caso, sufocante…), há uma outra dimensão: o tempo. A. Heschel em seu livro O Schabat explica bem essa diferença (Editora Perspectiva, 2018, pgs. 127-128):
As coisas do espaço expõem uma independência ilusória. As coisas criadas ocultam o Criador. É na dimensão do tempo onde se encontra Deus, onde o homem torna-se ciente de que cada instante é um ato da criação, um Começo, abrindo novas estradas para realizações finais. O tempo é a presença de Deus no mundo do espaço, e é no tempo que somos capazes de sentir a unidade de todos os seres. A criação, somos ensinados, não é um ato que ocorreu uma vez no tempo, uma vez e para sempre. O ato de trazer o mundo à existência é um processo contínuo. O chamado de Deus trouxe o mundo à existência, e este chamado prossegue. Existe este momento presente porque Deus está presente. Cada instante é um ato de criação. Um momento não é terminal mas um lampejo, um sinal do Começo. O tempo está em perpétua inovação, um sinônimo para a criação contínua. O tempo é a dádiva de Deus ao mundo do espaço.
Para não ficarmos presos apenas à dimensão do espaço sufocante, é preciso pararmos para reconhecer a eternidade do instante, e dar tempo ao tempo. Peçamos ao Senhor a graça de não perder as ocasiões que Ele nos dá para parar, dar-se conta da dimensão do tempo, e poder viver, o que se chama no final das contas, amor.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
Nenhum comentário:
Postar um comentário