Papa Francuisco (osservatoreromano) |
Catequese — Reflexão do Papa Francisco na vigília do Tríduo pascal
«Olhemos para a árvore da cruz,
para que em nós brote a esperança: aquela virtude diária... silenciosa,
humilde, mas que nos mantém em pé nos ajuda a ir em frente», pois «sem
esperança não se pode viver», sugeriu o Papa Francisco na audiência geral de
quarta-feira 5 de abril, na véspera do Tríduo pascal, oferecendo aos fiéis
presentes na praça de São Pedro e aos que o seguem através dos meios de
comunicação social uma catequese sobre o tema: “O Crucifixo, fonte de
esperança”.
Estimados irmãos e irmãs
bom dia!
No domingo passado a Liturgia
fez-nos ouvir a Paixão do Senhor. Ela termina com as seguintes palavras:
«Selaram a pedra» (Mt 27, 66). Tudo parece ter acabado. Para os
discípulos de Jesus, aquela pedra marca o fim da esperança. O
Mestre foi crucificado, morto da maneira mais cruel e humilhante, pendurado num
patíbulo infame fora da cidade: um fracasso público, o pior final possível —
naquela época era o pior. Pois bem, aquele desânimo que oprimia os discípulos
não nos é totalmente estranho hoje. Também em nós se adensam pensamentos
obscuros e sentimentos de frustração: por que tanta indiferença em relação a
Deus? Isto é curioso: por que tanta indiferença em relação a Deus? Por que
tanto mal no mundo? Mas, reparai, há o mal no mundo! Por que as desigualdades
continuam a aumentar e não chega a paz tão almejada? Por que somos apegados
assim à guerra, a fazer mal uns aos outros? E, no coração de cada um, quantas
expetativas esvaecidas, quantas desilusões! E ainda aquela sensação de que os
tempos passados eram melhores e de que no mundo, talvez até na Igreja, as
coisas não são como outrora... Em síntese, até hoje a esperança parece às vezes
selada sob a pedra da desconfiança. Convido cada um de vós a pensar nisto: onde
está a tua esperança? Tu tens uma esperança viva ou selaste-a ali, ou puseste-a
na gaveta como uma lembrança? Mas a tua esperança impele-te a caminhar ou é uma
recordação romântica como se fosse algo que não existe? Onde está a tua
esperança hoje?
Na mente dos discípulos
permanecia fixa uma imagem: a cruz. E ali acabou tudo. Ali estava
concentrado o fim de tudo. Mas pouco tempo depois descobririam na própria cruz
um novo início. Prezados irmãos e irmãs, é assim que a esperança de Deus
germina, nasce e renasce nos buracos negros das nossas expetativas desiludidas;
e ela, a esperança verdadeira, ao contrário, nunca desilude! Pensemos
precisamente na cruz: do mais terrível instrumento de tortura, Deus obteve o
maior sinal do amor. Aquele madeiro de morte, transformado em árvore de vida,
lembra-nos que os inícios de Deus começam muitas vezes a partir dos nossos
fins: é assim que Ele gosta de fazer maravilhas. Então, hoje olhemos
para a árvore da cruz, para que em nós brote a esperança: aquela
virtude diária, aquela virtude silenciosa, humilde, mas aquela virtude que nos
mantém em pé, que nos ajuda a ir em frente. Sem esperança não se pode viver.
Pensemos: onde está a minha esperança? Hoje, olhemos para a árvore da
cruz para que germine em nós a esperança: para sermos curados da
tristeza — mas, quanta gente triste... A mim, quando podia ir pelas ruas, agora
não posso porque não me deixam, mas quando eu podia ir pelas ruas na outra
Diocese, gostava de ver o olhar das pessoas. Quantos olhares tristes! Gente
triste, gente que falava consigo mesma, que caminhava só com o telemóvel, mas
sem paz, sem esperança. E onde está a tua esperança hoje? É necessária um pouco
de esperança para sarar da tristeza de que adoecemos, para sarar da amargura
com que poluímos a Igreja e o mundo. Irmãos e irmãs, olhemos para o Crucifixo.
E o que vemos? Vemos Jesus nu, Jesus despojado, Jesus ferido, Jesus
atormentado. É o fim de tudo? Ali está a nossa esperança.
Então vejamos como nestes dois
aspetos a esperança, que parece morrer, renasce. Em primeiro lugar, vejamos
Jesus despojado: com efeito, «depois de o terem crucificado,
dividiram as suas vestes entre si, lançando a sorte» (v. 35). Deus despojado:
Aquele que tem tudo deixa-se privar de tudo. Mas aquela humilhação é o caminho
para a redenção. É assim que Deus vence as nossas aparências. Com efeito, nós
temos dificuldade em despojar-nos, em fazer a verdade: procuramos cobrir sempre
as verdades porque não nos agradam; revestimo-nos de exterioridade, que
procuramos e cuidamos, de máscaras para nos disfarçarmos e nos mostrarmos melhores
do que somos. É um pouco o hábito da maquiagem: maquiagem interior, parecer
melhor do que os outros... Pensamos que o importante é ostentar, parecer, de
tal modo que os outros falem bem de nós. E adornamo-nos de aparências,
adornamo-nos de aparências, de coisas supérfluas; mas assim não encontramos a
paz. Depois a maquiagem vai embora e tu olhas para o espelho com o rosto feio
que tens, mas verdadeiro, aquele que Deus ama, não aquele “maquiado”. Jesus
despojado de tudo lembra-nos que a esperança renasce fazendo a verdade sobre
nós — dizer a verdade a si mesmo — abandonando as ambiguidades, libertando-nos
da convivência pacífica com as nossas falsidades. Às vezes, habituamo-nos de
tal modo a dizer-nos falsidades que convivemos com as falsidades como se fossem
verdades e acabamos envenenados pelas nossas falsidades. Isto é necessário:
regressar ao coração, ao essencial, a uma vida simples, despojada de tantas
coisas inúteis, que são sucedâneos de esperança. Hoje, quando tudo é complexo e
corremos o risco de perder o fio da meada, temos necessidade de simplicidade,
de redescobrir o valor da sobriedade, o valor da renúncia, de limpar o que
polui o coração e deixa triste. Cada um de nós pode pensar em algo inútil de
que se pode livrar para se reencontrar. Imagina, quantas coisas inúteis. Aqui,
há quinze dias, em Santa Marta, onde moro — que é um hotel para muitas pessoas
— surgiram vozes de que nesta Semana Santa seria bom olhar para o armário e
despojar-se, mandar embora as coisas que temos, que não usamos... não imaginais
a quantidade de coisas! É bom despojar-se das coisas inúteis. E tudo foi levado
aos pobres, às pessoas que necessitam. Também nós, temos muitas coisas inúteis
dentro do coração — e também fora. Olhai para o vosso armário: olhai para ele.
Isto é útil, isto é inútil... e fazei limpeza. Olhai para o armário da alma:
quantas coisas inúteis tens, quantas ilusões estúpidas. Voltemos à
simplicidade, às coisas verdadeiras, que não precisam de maquiagem. Eis um bom
exercício!
Demos uma segunda vista de olhos
ao Crucifixo e vejamos Jesus ferido. A cruz mostra os pregos que
lhe furam as mãos e os pés, o lado aberto. Mas às feridas do corpo
acrescentam-se as da alma: mas quanta angústia! Jesus está sozinho: traído,
entregue e renegado pelos seus, pelos seus amigos, inclusive pelos seus
discípulos, condenado pelo poder religioso e civil, excomungado, Jesus
experimenta até o abandono de Deus (cf. v. 46). Na cruz aparece também o motivo
da condenação: «Este é Jesus, o rei dos judeus» (v. 37). É um escárnio: Ele, que
fugira quando procuraram fazê-lo rei (cf. Jo 6, 15), é
condenado por se ter feito rei; embora não tenha cometido crime algum, é
colocado entre dois malfeitores e a Ele preferem o violento Barrabás (cf. Mt 27,
15-21). Em síntese, Jesus está ferido no corpo e na alma. Pergunto-me: de que
modo isto ajuda a nossa esperança? Assim, Jesus nu, privado de tudo, de tudo: o
que diz isto à minha esperança, como me ajuda?
Também nós estamos feridos: quem
não o está na vida? E muitas vezes com feridas escondidas que ocultamos pela
vergonha. Quem não carrega as cicatrizes de escolhas passadas, de
incompreensões, de dores que permanecem dentro e são difíceis de superar? Mas
também de injustiças sofridas, de palavras cortantes, de juízos inclementes?
Deus não esconde aos nossos olhos as feridas que lhe trespassaram o corpo e a
alma. Mostra-as para nos indicar que na Páscoa se pode abrir uma nova passagem:
fazer das próprias feridas furos de luz. “Mas, Santidade, não
exagere”, alguém pode dizer-me. Não. É verdade: tenta; tenta. Tenta fazê-lo.
Pensa nas tuas feridas, aquelas que só tu sabes, que cada um tem escondidas no
coração. E olha para o Senhor. E verás, verás como daquelas feridas saem furos
de luz. Jesus na cruz não recrimina, ama. Ama e perdoa quantos o ferem (cf. Lc 23,
34). Assim converte o mal em bem, assim converte e transforma a dor em amor.
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