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sexta-feira, 7 de abril de 2023

O cristianismo é um acontecimento

O cristianismo (Toda Matéria)
Arquivo 30Dias - 03/2005

O cristianismo é um acontecimento

Quando faleceu o cardeal Hamer em dezembro de 1996, padre Giussani escreveu no L’Osservatore Romano que era “mêmore do grande ensinamento recebido sobre a natureza comunial da Igreja e profundamente grato pelo sucessivo encontro pessoal cheio de verdadeira afeição eclesial”. Esta é mais uma razão para publicarmos novamente o texto escrito para o Il Sabato em 1993.

do cardeal Jean-Jérôme Hamer

A coisa que mais me impressiona é a tese central do livro Un avvenimento di vita cioè una storia (Um Acontecimento de Vida, isto é, uma História)de monsenhor Giussani: o cristianismo é um acontecimen­to. Um acontecimento que se traduz em um encontro, postula uma presença, realiza-se na “contemporaneida­de”. Essa idéia tem implicações importantes tanto no plano pedagógico como no plano teológico, como es­crevi em uma carta ao autor do livro.
A noção de acontecimento aplicada ao cristianismo não é comum no pensamento católico moderno. Ela foi empregada no pe­­­r­­í­o­­do entre-guerras pelo grande teó­logo alemão Karl Barth, na sua polêmica com a teologia liberal. Mas o acontecimento é uma coisa muito dife­rente para o protestante Barth. É como um relâmpago, uma iluminação que toca a vida e no instante seguinte se retira. Entra na existência humana como a agulha de uma máquina de costura perfura um tecido. Esse re­lâmpago pode se repetir muitas vezes, mas o resultado essencial não muda. Depois da luz, a escuridão sempre volta. É um transcendente que não se encarna, sobre o qual é difícil construir algo estável.
O acontecimento do qual monsenhor Giussani fala não é um re­lâmpago: funda uma história que permanece. É a Igreja. “O acontecimento - como todo acontecimento - ­é o início de algo que não existia antes: é a irrupção do novo que dá início a um processo novo” (cf. Un avvenimento di vita cioè una storia, p. 489). Fiquei im­pressionado ao ver que na capa do livro, o título destaca esse efeito: a palavra “História” é evidenciada em vermelho, com caracteres maiores.
Afirmar o acontecimento significa reconhecer o caráter radicalmente novo e soberano do cristianismo. Segundo os dicionários, acontecimento é um fato impor­tante, que marca um momento da história. Giussani não se limita a essa definição, mas desenvolve a idéia segundo a qual o acontecimento é um fato fundamentalmente novo. Assim, segue a linha de Charles Péguy: “não-previsível, não-previsto, não-conseqüência de fa­tores antecedentes” (p. 478). Portanto, é algo que sur­preende, que “irrompe” na história, inclusive na histó­ria pessoal de cada um.
A abordagem de monsenhor Giussani permite mostrar o sentido exato do pensamento da Igreja sobre a re­lação entre “espera” e “realização”, entre “profecia” e “cumprimento”, entre “lei antiga” e “lei nova”. Existe em cada um desses binômios uma continuidade real e uma descontinuidade radical.
Cristo é a resposta adequada aos mais profundos desejos do homem, mas a realização não é o desenvolvi­mento natural e progressivo da espera humana. A rea­lização não está para o desejo assim como a planta está para a semente. Não é uma evolução, um processo na­tural e linear. A espera recebe uma resposta que supera muito o pedido. A realização pode parecer paradoxal. Pensemos no messianismo comum das pessoas que vi­viam em torno de Jesus, inclusive dos discípulos do Senhor. A espera recebe uma resposta completamente imprevista. Ninguém previa um Messias que ressusci­taria dos mortos e entraria assim na glória. Jesus os preparou, dizendo que devia sofrer muito, mas essa idéia parece não ter entrado na consciência dos discípulos até o último momento. Os discípulos de Emaús dizem: “Nós esperávamos que fosse ele quem iria redi­mir Israel; mas faz três dias que todas essas coisas aconteceram” (Lucas 24,21).
A religiosidade natural também é uma situação de espera, em função de uma realização. Giussani, descre­vendo a amizade com alguns monges budistas, diz que o ponto mais alto do senso religioso natural é “uma es­pera dolorosa” (p. 40). Por isso, certas normas da reli­giosidade natural devem ser radicalmente superadas para serem realizadas no mistério de Cristo. É, mais uma vez, continuidade e descontinuidade.

O acontecimento do qual monsenhor Giussani fala não é um relâmpago: funda uma história que permanece. É a Igreja. “O acontecimento - como todo acontecimento - é o início de algo que não existia antes: é a irrupção do novo que dá início a um processo novo” (cf. Un avvenimento di vita cioè una storia, p. 489). Fiquei impressionado ao ver que na capa do livro, o título destaca esse efeito: a palavra “História” é evidenciada em vermelho, com caracteres maiores.

A meu ver, o primado do acontecimento em relação ao senso religioso é uma das novidades mais impor­tantes do pensamento de monsenhor Giussani neste livro. Nós vemos isso com clareza na entrevista concedi­da em 1987 ao teólogo Angelo Scola (por ocasião do Sí­nodo Mundial sobre os leigos), publicada no início do volume. Giussani responde sem hesitação à pergunta se a proposta pedagógica do movimento se baseia no senso religioso: “O centro da nossa proposta é o anúncio de um acontecimento que surpreende os homens da mesma forma como o anúncio dos anjos surpreendeu os pobres pastores de Belém, há dois mil anos. É um acontecimento real, que antecede qualquer considera­ção sobre o homem religioso ou não-religioso” (p. 38). É um tema decisivo.
A intuição de Giussani aprofunda também o binô­mio lei antiga-lei nova. A lei nova se realiza na graça. É a realização da lei antiga mas, de certa forma, a sua re­vogação. A realização completa e, ao mesmo tempo, transforma a espera. É uma idéia que monse­nhor Gius­ani desenvolve quando, na sua última conferência, publicada no livro, cita uma frase (considerada “admirável”) de João Paulo I: “O verdadeiro drama da Igreja que gosta de se considerar moderna é a tentativa de corrigir a maravilha do evento de Cristo com re­gras” (p. 481).
Aqui entra a polêmica antipelagiana de Giussani. Essa polêmica pertence à tradição da Igreja, de Agostinho a Tomás. Seria interessante, a esse respeito, reler e co­mentar os artigos de Santo Tomás sobre “por que o ho­mem precisa da graça”. A salvação não está em um esforço moral mas em um perdão. Se não fosse assim, não entenderíamos a insistência da teologia católica na gratuidade da graça, na necessidade dos sacramentos, na consciência do pecado (no início da missa, a Igreja nos convida a reconhecer os pecados, não só abstrata­mente, como era em algumas traduções discutíveis, mas que somos pecadores).
Por fim, alguém poderia dizer que o termo “diálogo”, que é central na idéia de atualização da Igreja pós-­conciliar, aparece raramente no livro, ao passo que a noção de “presença é abundante. Desvaloriza o mo­mento do dialogo? Não creio. O diálogo é importante em todos os níveis, a começar pelo nível político, porque acaba com a hostilidade e cria um clima de confiança. O cardeal Richelieu dizia: “Devemos sempre negociar”. No plano político, essa posição é justa e legítima. Mas o dialogo pressupõe a presença, ou seja, um “sujeito novo”. Caso contrário, arrefece e se torna um fim em si mesmo. O diálogo, na sua forma mais verda­deira, também é comunicação do acontecimento e instrumento de um encontro.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF