Papa Francisco na Missa do Domingo de Ramos (Vatican Media) |
Cristo
na cruz se fez solidário conosco a fim de que possa cada um de nós dizer: nas
minhas quedas, na minha desolação, quando me sinto traído, descartado e
abandonado, Tu estás presente, Jesus; quando não aguento mais, Tu estás lá,
estás comigo; nos meus «porquês» sem resposta, estás comigo. Foi o que disse o
Papa na Missa deste Domingo de Ramos, início da Semana Santa, celebrada na
Praça São Pedro com a tradicional e solene procissão de ramos.
Raimundo de Lima – Vatican News
Cristo, abandonado, impele-nos a procurá-Lo e a
amá-Lo nos abandonados. Porque neles, não temos apenas necessitados, mas
temo-Lo a Ele, Jesus Abandonado, Aquele que nos salvou descendo até ao fundo da
nossa condição humana. Por isso deseja que cuidemos dos irmãos e irmãs que mais
se parecem com Ele, com Ele no ato extremo do sofrimento e da solidão: disse o
Papa na Missa este Domingo de Ramos (02/04), celebrada na Praça São Pedro com a
tradicional e solene procissão de ramos. Um momento comovente numa praça com
mais de cinquenta mil fiéis e peregrinos, com os ramos de oliveira provenientes
da região italiana da Úmbria.
«Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?»: é a
invocação que a Liturgia nos fez repetir hoje no Salmo Responsorial (Sal 22),
sendo também – no Evangelho que ouvimos – a única pronunciada na cruz por
Jesus. Representam, pois, observou Francisco, as palavras que nos conduzem ao
coração da paixão de Cristo, ao ponto culminante dos sofrimentos que padeceu
para nos salvar.
Sofrimentos do corpo e da alma
Muitos foram os sofrimentos de Jesus. Foram
sofrimentos do corpo: das bofetadas às pancadas, da flagelação à
coroa de espinhos, até à tortura da cruz. Foram sofrimentos da alma:
a traição de Judas, as negações de Pedro, as condenações religiosa e civil, a
zombaria dos guardas, os insultos ao pé da cruz, a rejeição de tantos, a
falência de tudo, o abandono dos discípulos. E, contudo, prosseguiu o
Pontífice, no meio de todo este sofrimento, restava a Jesus uma certeza: a
proximidade do Pai. Ele tinha dito: «Eu e o Pai somos um», «Eu estou no Pai e o
Pai está em Mim». Mas agora acontece o impensável; antes de morrer, clama: «Meu
Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?»
“O
Papa ressaltou que estamos perante o sofrimento mais dilacerante, o do
espírito: na hora mais trágica, Jesus experimenta o abandono por parte de Deus.
Antes disto, nunca chamara o Pai pelo nome genérico de Deus.”
Na Bíblia, o verbo «abandonar» é forte; aparece em
momentos de dor extrema: em amores fracassados, rejeitados e traídos; em filhos
enjeitados e abortados; em situações de repúdio, viuvez e orfandade; em
casamentos gorados, em exclusões que privam dos laços sociais, na opressão da
injustiça e na solidão da doença: em suma, nas mais drásticas dilacerações dos
vínculos. Cristo levou tudo isto para a cruz, ao carregar sobre Si o pecado do
mundo. E, no auge, Ele – Filho unigênito e predileto – experimentou a situação
mais estranha no seu caso: a distância de Deus.
Fez-Se solidário conosco até ao ponto
extremo
Mas – podemos perguntar-nos – porque foi tão longe?
A resposta é uma só: por nós. Fez-Se solidário conosco até ao ponto
extremo, para estar conosco até ao fim, para que nenhum de nós se
possa imaginar sozinho e irrecuperável. Experimentou o abandono para não nos
deixar reféns da desolação e permanecer ao nosso lado para sempre, enfatizou o
Pontífice.
Irmão, irmã, Ele o fez por mim, por ti, para que,
quando eu, tu ou qualquer outro se vir encurralado à parede, perdido num beco
sem saída, precipitado no abismo do abandono, sorvido no redemoinho dos
«porquês», saibamos que há uma esperança. Não é o fim, porque Jesus esteve ali
e agora está contigo: Ele, o Pai e o Espírito sofreram a distância causada pelo
abandono para acolher no seu amor todas as nossas distâncias. A fim de que
possa cada um de nós dizer: nas minhas quedas, na minha desolação, quando me
sinto traído, descartado e abandonado, Tu estás presente, Jesus; nos meus
falhanços, estás comigo; quando me sinto transviado e perdido, quando não
aguento mais, Tu estás lá, estás comigo; nos meus «porquês» sem resposta, estás
comigo.
Hoje, tantos «cristos abandonados»
É assim que o Senhor nos salva, a partir de dentro
dos nossos «porquês». De lá, descerra a esperança. Um amor assim, que dá tudo
por nós, até ao fim, pode transformar os nossos corações de pedra em corações
de carne, capazes de piedade, ternura e compaixão, prosseguiu o Santo Padre.
Há hoje tantos «cristos abandonados». Há povos
inteiros explorados e deixados à própria sorte; há pobres que vivem nas
encruzilhadas das nossas estradas e cujo olhar não temos a coragem de fixar;
migrantes, que já não são rostos, mas números; reclusos rejeitados, pessoas
catalogadas como problemas. Mas há também muitos cristos abandonados
invisíveis, escondidos, que são descartados de forma «elegante»: crianças
nascituras, idosos deixados sozinhos, doentes não visitados, pessoas portadoras
de deficiência ignoradas, jovens que sentem dentro um grande vazio sem que
ninguém escute verdadeiramente o seu grito de dor.
As pessoas rejeitadas e excluídas são
ícones vivos de Cristo
Francisco exortou-nos a lembrar sempre que Jesus
abandonado nos pede para termos olhos e coração para os abandonados. Para nós,
discípulos do Abandonado, ninguém pode ser marginalizado, ninguém pode ser
deixado a si mesmo; porque – recordemo-lo – as pessoas rejeitadas e excluídas
são ícones vivos de Cristo, recordam-nos o seu amor louco, o seu abandono que
nos salva de toda a solidão e desolação.
Em sua homilia, ressaltando a presença de Cristo
nos abandonados de hoje e de sempre, deixando por um momento o texto
previamente preparado, Francisco lembrou um morador de rua que havia encontrado
abrigo sob a cobertura da colunata da Praça São Pedro (Colunata de Bernini) e
que meses atrás veio a falecer, ressaltando que Jesus está com cada um desses
irmãos abandonados.
Está com cada um deles, abandonados até à morte.
Penso algumas semanas atrás, num morador de rua alemão que morreu na colunata,
sozinho, abandonado. É Jesus para cada um de nós. Muitos precisam da nossa
proximidade, são muitos os abandonados. Também eu preciso que Jesus me
acaricie, esteja próximo a mim e por isso vou encontrá-Lo nos abandonados, nos
que estão sós.
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