Quarto Domingo da Páscoa – Ano A
O 4º Domingo da Páscoa é
considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos a liturgia propõe,
neste domingo, um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual
Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a
Palavra de Deus põe hoje à nossa reflexão.
O Evangelho apresenta Cristo como “o Pastor”, cuja missão é libertar o rebanho
de Deus do domínio da escravidão e levá-lo ao encontro das pastagens
verdejantes onde há vida em plenitude (ao contrário dos falsos pastores, cujo objetivo
é só aproveitar-se do rebanho em benefício próprio). Jesus vai cumprir com amor
essa missão, no respeito absoluto pela identidade, individualidade e liberdade
das ovelhas.
A segunda leitura apresenta-nos também Cristo como “o Pastor” que guarda e
conduz as suas ovelhas. O catequista que escreve este texto insiste, sobretudo,
em que os crentes devem seguir esse “Pastor”. No contexto concreto em que a
leitura nos coloca, seguir “o Pastor” é responder à injustiça com o amor, ao
mal com o bem.
A primeira leitura traça, de forma bastante completa, o percurso que Cristo, “o
Pastor”, desafia os homens a percorrer: é preciso converter-se (isto é, deixar
os esquemas de escravidão), ser batizado (isto é, aderir a Jesus e segui-l’O) e
receber o Espírito Santo (acolher no coração a vida de Deus e deixar-se
recriar, vivificar e transformar por ela).
LEITURA I – Atos 2,14a.36-41
MENSAGEM
O texto que hoje nos é proposto
apresenta-nos, sobretudo, uma catequese acerca da atitude correta para acolher
a proposta de salvação que Deus faz aos homens, por intermédio dos discípulos
de Jesus.
Os homens e mulheres que, no dia do Pentecostes, escutam o discurso de Pedro
representam a comunidade do antigo Povo de Deus, destinatária primeira desse
kerigma que a comunidade cristã primitiva é chamada a propor.
Pedro, em nome da comunidade cristã, convida a comunidade do antigo Povo de
Deus a reconhecer que rejeitou o “Senhor” (o “kyrios” – nome grego que traduz o
“Adonai” hebraico – o nome dado pelos judeus a Jahwéh”), o “Messias” (isto é, o
“ungido” de Deus, que veio concretizar as promessas de salvação e de libertação
que Jahwéh tinha feito ao seu Povo) e a tirar daí as devidas consequências.
Diante dessa interpelação, os ouvintes sentiram o coração “trespassado” (do
verbo “katanyssô” – “afligir-se profundamente”). O verbo utilizado traduz o
“pesar”, o “sentir pontadas no coração”, como remorso por ter feito algo
contrário à justiça. É a atitude que conduz ao arrependimento e o primeiro
passo para a mudança de vida, a “metanoia”.
O que é que vai resultar desse “remorso”? Antes de mais, os interlocutores de
Pedro colocam-se numa atitude que manifesta total disponibilidade, face à
interpelação que lhes é feita: “que havemos de fazer, irmãos?” É a atitude de
quem reconhece a verdade das acusações que lhe são imputadas, de quem admite os
seus erros e limitações e de quem está verdadeiramente disposto a reequacionar
a vida, a corrigir os esquemas errados que têm orientado, até aí, a sua
existência.
Pedro, em nome de Jesus e da comunidade cristã, define o caminho que a adesão
de Jesus propõe a cada crente: converter-se, ser batizado, receber o Espírito
Santo.
A “conversão” (“metanoia”) significa a mudança radical da mente, dos
comportamentos, dos valores, de forma a que o coração do crente se volte de
novo para Deus. No contexto neotestamentário, mais especificamente, a
“conversão” é a renúncia ao egoísmo e à autossuficiencia, e o aceitar a
proposta de salvação que Deus faz através de Jesus. Implica o acolher Jesus
como o salvador e segui-l’O, no caminho do amor, da entrega, do dom da vida.
A adesão a Jesus traduz-se num gesto: o “receber o baptismo”. “Pedir o
baptismo” é reconhecer que Jesus tem uma proposta de salvação e vida nova,
optar por essa vida nova que Jesus propõe e incorporar-se à comunidade dos que
seguem Jesus.
Receber o baptismo significa receber o Espírito Santo: ao optar por Cristo, o
crente acolhe no seu coração a vida de Deus e a sua existência passa a ser
animada por um dinamismo divino que, continuamente, o recria, o vivifica, o
transforma.
LEITURA II – 1 Pedro 2,20b-25
MENSAGEM
No centro da catequese que aqui
nos é proposta pelo autor da Primeira Carta de Pedro, está o exemplo de Cristo:
Ele sofreu (vers. 21) sem ter feito mal nenhum (vers. 22); maltratado pelos
inimigos, não respondeu com agressão e vingança (vers. 23); pelo dom da sua
vida, eliminou o pecado que afastava os homens de Deus e uns dos outros (vers.
24); por isso, Ele é o Pastor que conduz e guarda os crentes (vers. 25).
O texto está cheio de referências veterotestamentárias. Para descrever a
atitude de Cristo, o autor utiliza a letra do quarto cântico do “servo de
Jahwéh” (cf. Is 53,4-9.12) – um texto que reflete a experiência desse “servo
sofredor” que “não cometeu pecado algum e em cuja boca não se encontrou
mentira” (vers. 22; cfr. Is 53,9), que suportou pacientemente as injustiças e
de cuja entrega resultou vida para o seu Povo. Provavelmente, estamos diante de
um antiquíssimo hino cristão utilizado na liturgia primitiva, que comparava o
sofrimento de Cristo ao sofrimento do “servo de Jahwéh” e o valor salvífico da
morte de Cristo ao valor salvífico da morte do “servo”.
Por outro lado, o autor utiliza o motivo do “pastor” de Ez 34. Aí, o profeta
falava de Deus como “o bom pastor”, que havia de vir cuidar das suas ovelhas fracas,
doentes e tresmalhadas. Ao ligar o tema do “pastor” com o tema do sofrimento de
Cristo, o autor desta catequese está a sugerir que foi do sofrimento de Cristo
que resultou vida e salvação para o rebanho de Deus.
Do exemplo de Cristo, o autor da carta tira as consequências para a vida dos
cristãos: como Cristo, os crentes são chamados a responder às ofensas e
injustiças com bondade e mansidão. Isto é “uma graça aos olhos de Deus” (vers.
20b) – quer dizer, é uma atitude agradável a Deus e é uma atitude que resulta
da graça de Deus. O autor da carta dirige-se explicitamente aos servos,
aconselhando-os a suportar com paciência as provações a que são sujeitos pelos
seus senhores. No entanto, ele pretendia, provavelmente, ir mais além e
estender a sua exortação a todos os crentes… O cristão – seguidor desse Jesus
que sofreu sem culpa e que suportou os sofrimentos com amor – deve rejeitar
absolutamente o recurso à violência. É nessa atitude de bondade e de mansidão
que se manifesta a graça de Deus.
EVANGELHO – Jo 10,1-10
MENSAGEM
O texto que nos é proposto deve ser entendido no
contexto mais amplo da denúncia da atuação dos dirigentes espirituais judeus.
No episódio do cego de nascença (cf. Jo 9), tinha ficado claro que os
dirigentes não estavam interessados em acolher a luz e em deixar que o Povo
escolhesse a liberdade que Jesus oferecia. Em jeito de conclusão desse
episódio, Jesus avisa os dirigentes de que veio chamá-los a juízo (“krima”) por
causa da sua má gestão como líderes do Povo de Deus (cf. Jo 9,39-41 – os
versículos que antecedem o nosso texto): eles não só preferiram continuar nas
trevas da sua autossuficiencia, como impedem o Povo que lhes foi confiado de
descobrir a luz libertadora que Jesus lhes quer oferecer.
O texto do Evangelho, que hoje nos é proposto, está dividido em duas partes, ou
em duas parábolas.
Na primeira parábola (cf. Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se preferencialmente como
“o Pastor”, cuja ação se contrapõe a esses dirigentes judeus que se arrogam o
direito de pastorear o “rebanho” do Povo de Deus, mas sem serem “pastores”.
Jesus não usa meias palavras: os dirigentes judeus são ladrões e bandidos (cf.
Jo 10,1), que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo (ladrões) e
usam a violência para o manter sob a sua escravidão (bandidos). Aproximam-se do
Povo de Deus de forma abusiva e ilegítima, porque Deus não lhes confiou essa
missão (“não entram pela porta”): foram eles que a usurparam. O seu objetivo
não é o bem das “ovelhas”, mas o seu próprio interesse.
Ao contrário, Jesus é “o Pastor” que entra pela porta: ele tem um mandato de
Deus e a sua missão foi-Lhe confiada pelo Pai. Em Ezequiel, o papel do “pastor”
correspondia, em primeiro lugar, a Deus (cf. Ez 34,11-12.15) e ao futuro
enviado de Deus, o “Messias” descendente de David (cf. Ez 34,23). Ao
apresentar-se como Aquele “que entra pela porta”, com autoridade legítima,
Jesus declara-Se, implicitamente, o “Messias” enviado por Deus para conduzir o
seu Povo e para o guiar para as pastagens onde há vida em plenitude. Ele entra
no redil das “ovelhas” para cuidar delas, não para as explorar. A sua missão é
libertá-las das trevas em que os dirigentes as trazem e conduzi-las ao encontro
da luz libertadora (cf. Jo 10,2).
Como é que Jesus exercerá a sua missão de “pastor”? Em primeiro lugar, irá
chamar as “ovelhas”. “Chama-as pelo seu nome”, porque conhece cada uma e com
cada uma quer ter uma relação pessoal de amor, de proximidade, de comunhão:
para Jesus, não há “massas”, mas pessoas concretas, com a sua identidade
própria, com a sua riqueza, com a sua dignidade.
Não obrigará ninguém a responder-Lhe; mas os que responderem ao seu chamamento
farão parte do seu “rebanho”. A esses, Jesus conduzi-los-á “para fora” (vers.
3): Jesus não veio instalar-Se na antiga instituição judaica, geradora de
opressão e de escravidão; mas veio criar uma comunidade humana nova – a
comunidade do novo Povo de Deus.
Depois, o “pastor” caminhará “diante das ovelhas” e estas segui-l’O-ão (vers.
4). Ele indica-lhes o caminho, pois Ele próprio é “o caminho” (cf. Jo 14,6) que
leva à vida plena. As “ovelhas” seguem-n’O: “seguir” traduz a atitude do
discípulo, convidado a seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida, a
fazer d’Ele a sua referência fundamental, a aderir a Ele de todo o coração. As
“ovelhas” “escutam a sua voz”, porque sabem que só a voz de Jesus as conduz,
com segurança, ao encontro da vida definitiva.
Na segunda parábola (cf. Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como “a porta”. Aqui,
Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas “a porta”. O que é que
Ele quer traduzir com esta imagem?
A imagem pode aplicar-se aos líderes que pretendem ter acesso ao “rebanho”, ou
pode aplicar-se às próprias “ovelhas”. No que diz respeito aos líderes,
significa que ninguém pode ir ao encontro das “ovelhas” se não tiver um mandato
de Jesus, se não tiver sido convidado por Jesus; e significa também que ninguém
pode ir ao encontro das “ovelhas” se não tiver os mesmos sentimentos, a mesma
atitude de Jesus (que não é a de explorar as “ovelhas”, mas a de dar-lhes
vida).
No que diz respeito às “ovelhas”, significa que Jesus é o único lugar de acesso
para que as “ovelhas” possam encontrar as pastagens que dão vida. “Passar pela
porta” que é Jesus significa aderir a Ele, segui-l’O, acolher as suas propostas.
As “ovelhas” que passam pela porta que é Jesus (isto é, que aderem a Ele) podem
passar para a terra da liberdade (onde não mandam os dirigentes que exploram e
roubam), onde encontrarão “pastos” (vida em plenitude).
O nosso texto termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os
dirigentes: os líderes religiosos judaicos utilizam o “rebanho” para satisfazer
os seus próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só
procura que o seu “rebanho” encontre vida em plenitude.
Fonte: https://www.dehonianos.org/
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