Redação (Sexta-feira, 28-04-2021, Gaudium Press) Puro como um Anjo, zeloso como um Apóstolo,
sofredor como um penitente, foi ele o incansável missionário do amor a Jesus,
por meio de Maria, na previsão de uma plêiade de almas abrasadas que viriam em
tempos futuros. A Igreja comemora a festa deste Herói da Fé no dia 28 de abril.
Estamos
falando de São Luís Maria Grignion de Montfort
Corria
o ano de 1716. A missão em Saint-Laurent-sur-Sèvre – que seria a última! –
começara em princípios de abril. Consumido pelo trabalho, o dedicado pregador
foi São Luís Maria Grignion de Montfort acometido por uma pleurisia aguda, mas
não cancelou o sermão prometido para a tarde da visita do Bispo de La Rochelle,
Dom Étienne de Champflour, em 22 de abril, no qual falou sobre a doçura de
Jesus. Contudo, teve de ser levado do púlpito quase agonizante…
Passados
alguns dias, pressentindo a morte que já previra para aquele ano, ele pediu
que, quando o pusessem no ataúde, lhe fossem mantidas no pescoço, nos braços e
nos pés as cadeias que usava como sinal de escravidão de amor à Santíssima
Virgem. Em 27 de abril, o enfermo ditou seu testamento e legou sua obra
missionária ao padre René Mulot.
A
manhã seguinte parecia anunciar o momento derradeiro. Na mão direita segurava o
Crucifixo indulgenciado pelo Papa Clemente XI e na esquerda, uma imagenzinha de
Maria que sempre o acompanhara, os quais osculava e contemplava com enorme
piedade. Pela tarde, o moribundo parecia travar sua luta extrema contra um
inimigo invisível: “É em vão que tu me atacas. Eu estou entre Jesus e
Maria. Deo gratias et Mariæ. Cheguei ao fim da minha carreira:
pronto, não pecarei mais!”. Ao anoitecer, entregou sua alma a Deus, com apenas
43 anos de idade. Milhares de pessoas vieram venerar os restos mortais de seu
apóstolo e Dom Champflour afirmou haver perdido “o melhor sacerdote da
diocese”. Este era São Luís Maria Grignion de Montfort, um “padre que vivera
com a pureza dum Anjo, trabalhara com o zelo dum Apóstolo e sofrera com o rigor
dum penitente”.
Muito
difundida é sua doutrina mariana. Sem embargo, menos conhecida é sua vida, tão
fecunda apesar de curta, da qual poderemos contemplar alguns breves traços.
Escolhido
desde a infância
Nasceu
ele a 31 de janeiro de 1673, na cidade bretã de Montfort-La-Cane – hoje
Montfort-sur-Meu -, no seio de uma numerosa família com 18 filhos. “O povo de
Bretanha entrega-se por completo; é uma raça duma só peça”,4 e Luís herdou este
vigor de espírito. Seus pais, Jean-Baptiste Grignion e Jeanne Robert, o levaram
à pia batismal no dia seguinte de ter visto a luz, na Igreja paroquial de
Saint-Jean.
Quando
ainda muito menino, a família se instalou na propriedade do Bois-Marquer, em
Iffendic. A velha igreja desta cidade foi o cenário de suas primeiras orações e
o berço de sua ardorosa devoção ao Santíssimo Sacramento. Ali fez a Primeira
Comunhão e passava horas em recolhimento.
Seu
espírito apostólico manifestava-se desde a infância, ao encorajar a mãe nas
dificuldades domésticas ou na atenção a seus irmãos, em especial à pequena
Luísa, que veio a ser religiosa beneditina do Santíssimo Sacramento, com sua ajuda.
Conheceu
o amor a Maria Santíssima no coração de sua mãe, e este amor se tornou a via
montfortiana por excelência. Na verdade, “a Santíssima Virgem foi a primeira a
escolhê-lo e a elegê-lo um dos seus maiores favoritos, e gravara na sua jovem
alma a ternura tão singular que ele sempre Lhe votara”.
No
colégio dos jesuítas de Rennes
Aos
12 anos, seus pais o enviaram a Rennes, para estudar no Colégio São Tomás
Becket, dirigido pelos jesuítas, famoso por seu curso de humanidades e por
formar seus educandos no autêntico espírito cristão. O ensino era gratuito e
seus mais de mil estudantes não eram internos, por isso Luís Maria hospedou-se
com um tio, o Abade Alain Robert de la Vizuele.
Excelente
aluno, dedicava-se ao estudo com afinco, compreendendo sua importância para a
vida espiritual e o futuro ministério que tinha em vista. Seu espírito
recolhido o afastava do bulício da multidão ruidosa dos rapazes e sua distração
era visitar as igrejas da cidade onde havia belas e atraentes imagens de Maria
Santíssima. Não há dúvida de que esta terna e sincera devoção foi a salvaguarda
de sua pureza e abrigo seguro contra as solicitações do mundo.
Ali
conheceu Jean-Baptiste Blain e Claude-François Poullart des Places, dos quais
tornou-se grande amigo. Mais tarde, eles lhe serão valiosos apoios em suas
fundações. Pertencia à Congregação Mariana do colégio e, com Poullart des
Places, organizou uma associação em honra da Santíssima Virgem, visando fazer
crescer a dedicação a Ela, “encorajar os seus colegas ao fervor e fazer brilhar
aos olhos das almas jovens as belezas do sacerdócio e do apostolado”. Blain,
depois da morte do Santo, escreveu suas recordações pessoais e memórias,
tornando-se uma das principais fontes históricas da vida dele.
Muito
caritativo, inúmeras vezes se fez esmoler para ajudar algum condiscípulo mais
pobre do que ele; atitude que se repetiu, com frequência, ao longo de sua vida
missionária. “Só falava de Deus e das coisas de Deus; só respirava o zelo pela
salvação das almas; e, não podendo conter o seu coração inflamado no amor de
Deus, só procurava aliviá-lo, através de testemunhos efetivos de caridade em
relação ao próximo”.
Apesar
do intenso trabalho ao qual se dedicava, São Luís encontrava tempo para
desenvolver seu veio artístico: esculpia com talento, em especial imagens de
Maria, pintava, compunha melodias e poemas.
Em
Rennes sentiu o chamado definitivo ao estado eclesiástico. Conta um de seus
companheiros – a quem ele confidenciara esta graça – ter sido aos pés de Nossa
Senhora da Paz, na igreja dos carmelitas, que conheceu sua vocação sacerdotal,
“a única que Deus lhe indicava, por intermédio da Virgem Maria”.
Em
Paris, o seminário
Em
1693 dirigiu-se a Paris, a fim de preparar-se para o sacerdócio. Deixava para
trás a terra natal e a família, e quis percorrer a pé os mais de 300 km que o
separavam da capital francesa. Este será invariavelmente seu modo de viajar,
seja em peregrinação, seja em missão.
Já
nesse remoto século XVII, Paris exercia sobre seus visitantes fascinante
atração. Ao entrar na cidade, o primeiro sacrifício feito por Luís foi o da
mortificação da curiosidade: estabeleceu um pacto com seus olhos, negando-lhes
o lícito prazer de contemplar as incomparáveis obras de arte parisienses.
Assim, quando partiu, dez anos depois, nada havia visto que satisfizesse seus
sentidos.
Começou
os estudos no seminário do padre Claude de la Barmondière, destinado a receber
jovens pouco afortunados. Com a morte deste religioso, Montfort se transferiu
para o Colégio Montaigu, dirigido pelo padre Boucher. A alimentação ali era
muito deficiente e suas penitências tão austeras que lhe abalaram a saúde e o
levaram ao hospital. Todos acreditavam que morreria, tão grave era seu estado,
mas ele nunca duvidou da cura, pois sentia não haver chegado sua hora. E, de
fato, logo se restabeleceu.
Quis
a Divina Providência obter-lhe os meios para terminar os estudos no Pequeno
Seminário de Saint-Sulpice. O diretor daquela instituição, conhecedor da fama
de santidade do seminarista, “encarou como uma grande graça de Deus a entrada
deste jovem eclesiástico na sua casa. Para prestar a Deus ações de graças,
mandou rezar o Te Deum”. Entretanto, tratava-o com muito rigor, para pôr à
prova suas virtudes; começou então para nosso Santo uma via de humilhações, que
se prolongou ao longo de toda a sua vida.
Por
fim, sacerdote!
Executava
com a maior perfeição possível as funções que lhe eram designadas, quer nos
serviços mais humildes ou nos estudos, quer na ornamentação da igreja do
seminário ou como Cerimoniário litúrgico, no serviço do altar.
Suas
primeiras missões remontam a esta época. Algumas eram feitas internamente, para
aumentar a devoção de seus confrades; outras consistiam em aulas de catecismo
ou pregações, para pessoas de fora do seminário. “Possuía um raro talento para
tocar os corações”: às crianças falava de Deus, da bondade de Maria, dos
Sacramentos que precisavam receber; aos adultos pedia que santificassem seu
labor com as mentes postas no Céu.
Esforçava-se
por comunicar a prática da escravidão de amor a Nossa Senhora a seus
condiscípulos e estabeleceu no seminário uma associação dos escravos de Maria.
Todavia, não faltaram opositores que o taxaram de exagerado. Aconselhado pelo
padre Louis Tronson, superior de Saint-Sulpice, passou a designar esses devotos
como “escravos de Jesus em Maria”, e vai ser esta expressão que mais tarde
ficará consignada no seu Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem.
“À
medida que a aurora do sacerdócio despontava no horizonte, Luís Maria sentia
mais do que nunca a necessidade de separar-se da Terra a fim de se recolher
completamente em Deus”. Foi ordenado em 5 de junho de 1700, dia de Pentecostes,
e quis celebrar sua primeira Missa na capela de Maria Santíssima, situada atrás
do coro da Igreja de Saint-Sulpice, tantas vezes ornada por ele durante os anos
passados no seminário. Blain, seu amigo e biógrafo, resumiu em quatro palavras
suas impressões sobre aquele espetáculo sobrenatural: era “um anjo no altar”.
De
Nantes a Poitiers
O
espírito sacerdotal do padre Luís Maria sentia insaciável sede de almas e as
missões em terras distantes o atraíam sobremaneira. Perguntava-se: “Que fazemos
nós aqui […] enquanto há tantas almas que perecem no Japão e na Índia, por
falta de pregadores e catequistas?”.
No
entanto, tinha Deus outros planos para seu missionário naquele momento. Designado
para exercer o ministério na comunidade de eclesiásticos Saint-Clément, em
Nantes, na qual se pregavam retiros anuais e conferências dominicais para o
clero da região, dirigiu-se para onde o mandava a obediência. Seu coração,
porém, se dividia entre o desejo da vida oculta e recolhida e o apelo às
missões populares, que tanto o atraíam.
Uma
feliz experiência missionária em Grandchamps, nos arredores de Nantes, foi
decisiva para tornar patentes seus dotes como evangelizador. Algum tempo
depois, o Bispo de Poitiers o chamou para trabalhar no hospital desta cidade,
pois uma curta permanência sua anterior por lá deixara tal rastro sobrenatural,
que os pobres internos o solicitavam para capelão. Foi também nesta cidade que
conheceu Catherine Brunet e Maria Luísa Trichet, com quem fundaria mais tarde,
em Saint-Laurent-sur-Sèvre, as Filhas da Sabedoria.
Bênção
papal: missionário apostólico
A
ação missionária de São Luís Grignion acabou por despertar ciúmes, intrigas e
até perseguições por parte dos que o deveriam defender, obrigando-o a regressar
a Paris. Iniciava-se, assim, um longo caminho de dor que haveria de continuar
nas subsequentes missões por ele empreendidas. A autenticidade de suas palavras
e de seu exemplo despertavam tantas incompreensões e calúnias que o missionário
decidiu peregrinar a Roma, a pé, a fim de procurar junto ao Papa uma luz que
desse o rumo de sua vida. “Tanta dificuldade em fazer o bem em França e tanta
oposição de todos os lados” o levaram a pensar se não seria mesmo o caso de
exercer seu ministério num outro país.
Recebido
com extrema bondade por Clemente XI, este o encorajou a continuar exercendo seu
trabalho missionário na própria França. E para “lhe conferir mais autoridade,
deu ao padre Montfort o título de Missionário apostólico”. 16 A pedido do
Santo, concedeu o Pontífice indulgência plenária a todos os que osculassem seu
Crucifixo de marfim, na hora da morte, “pronunciando os nomes de Jesus e Maria
com contrição dos seus pecados”.
Fortalecido
pela bênção papal e com o Crucifixo afixado no alto do cajado que o acompanhava
nas missões, Grignion voltou às terras gaulesas e, impertérrito, sem nada temer
das perseguições ou contrariedades, continuou semeando por toda parte o amor à
Sabedoria Eterna e a Nossa Senhora, e a excelência do Santo Rosário. Converteu
populações inteiras, mudou costumes licenciosos no campo, nas cidades e
aldeias, levantou Calvários, restaurou capelas e combateu o espírito
jansenista, tão disseminado na época.
No
entanto, foi pouco compreendido por muitos eclesiásticos seus contemporâneos e
viu desencadear-se sobre si uma onda de interdições. Prosseguia sua missão, sem
desanimar, sendo acolhido pelos Bispos das Dioceses de Luçon e La Rochelle, na
Vandeia, região que reagirá, no fim daquele século, à impiedade difundida pela
Revolução Francesa, sem dúvida como fruto de sua semeadura.
Olhar
posto no futuro…
Seria
um erro, contudo, considerar São Luís Grignion apenas como um excelente
missionário na França do século XVIII. Com o olhar posto no futuro, sua fogosa
alma tinha por meta estender o Reino de Cristo, por meio de Maria, e para isto
servia-se de uma forma de evangelização que hoje não poderia ser mais atual:
“ir de paróquia em paróquia, catequizar os pequeninos, converter os pecadores,
pregar o amor a Jesus, a devoção à Santíssima Virgem e reclamar, em voz alta,
uma Companhia de missionários a fim de abalar o mundo através
do seu apostolado”.
Num
élan profético, previu ele a vinda de missionários que, por seu inteiro
abandono nas mãos da Virgem Maria, satisfariam os mais íntimos anseios do
Coração de seu Divino Filho: “Deus quer que sua Santíssima Mãe seja agora mais
conhecida, mais amada, mais honrada, como jamais o foi”. Não obstante, se
perguntava: “Quem serão estes servidores, escravos e filhos de Maria?”. Serão
eles, afirmava, “os verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, aos quais o
Senhor das virtudes dará a palavra e a força para operar maravilhas”. Antevia
que seriam inteiramente abrasados pelo fogo do amor divino: “sacerdotes livres
de vossa liberdade, desapegados de tudo, sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem
irmãs, sem parentes segundo a carne, sem amigos segundo o mundo, sem bens, sem
obstáculos, sem cuidados, e até mesmo sem vontade própria”.
São
Luís Maria Grignion de Montfort não foi senão o precursor desses apóstolos dos
últimos tempos. Modelo vivo dos ardorosos missionários que prognosticava, manteve
a certeza inabalável de que, quando se conhecesse e se praticasse tudo quanto
ele ensinava, chegariam indefectivelmente os tempos que previa: “Ut adveniat
regnum tuum, adveniat regnum Mariæ” – Para vir o Reino de Cristo, venha o
Reino de Maria. Reino este que, em germe, já habitava em sua alma, tornando-o o
primeiro apóstolo dos últimos tempos.
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