A DIGNIDADE DO TRABALHO NA IGREJA ANTIGA E NO MUNDO ATUAL
Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá – PA
O mês de maio iniciou com uma
festa importante, São José Operário. Ela foi instituída pelo Papa Pio XII para
dar à festa do trabalho, celebrada pelas nações, um protetor, um modelo de
artesão que foi São José, pai adotivo, e esposo de Maria Santíssima. A palavra
trabalho vem do latim lavorare, trabalhar, cujo significado é uma explicação de
energia voltada a um fim determinado, atividade humana em vista de um bem comum
para obter um produto de utilidade individual ou geral1. O trabalho é
fundamental na existência social, pois lhe dá condições de realização pessoal,
comunitária. Nós estamos unidos com todos os desempregados e as desempregadas
no nosso País e no mundo, bem como também com as pessoas que fornecem o
trabalho a milhares de pessoas para assim ganharem o pão de cada dia. A seguir
ver-se-á o trabalho a partir do Senhor Jesus, na patrística e nos documentos
atuais.
A unidade de Jesus com o Pai.
Jesus afirmou a importância do
trabalho, porque assim como o Pai trabalha sempre, ele também trabalha (Jo 5,17).
Ele manifestou com estas palavras a sua unidade com o Pai, em vista da salvação
do ser humano. Como Verbo de Deus encarnado, Jesus aprendeu em casa, a
trabalhar percebendo a importância do trabalho na vida humana, junto com José e
Maria, os seus pais adotivos. Ele como enviado do Pai, revelador de sua imagem
viu o trabalho como colaboração do ser humano à obra criadora de Deus. O Senhor
criou todas as coisas numa forma bonita, correta que servisse para a
humanidade, ao homem e à mulher, e também possibilitasse vida digna pelo
trabalho. Jesus ensinou a todos os seus discípulos, discípulas o trabalho para
a gloria de Deus e a dignidade humana.
A comunidade primitiva.
São Lucas colocou a vida da
comunidade primitiva no sentido do trabalho como fator fundamental da vida,
através da unidade, da perseverança em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na
comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações (At 2,42). Todas essas
funções e missões especificaram o trabalho realizado pelos apóstolos e também
pela comunidade primitiva. O anúncio do Kerigma, de Jesus morto e ressuscitado,
pela presença do Espírito Santo animava a comunidade para viver a Palavra de
Deus, a eucaristia e o anuncio do Senhor para outras pessoas.
O testemunho do trabalho nas
comunidades cristãs.
As comunidades cristãs estavam
se constituindo no Império romano com o passar dos anos e dos séculos. Elas
viviam o mandamento da lei de Deus, do amor e do trabalho, de modo que é
fundamental ver como o trabalho foi visto na concepção da vida humana e no plano
da redenção trazida por Jesus Cristo.
Santo Ireneu de Lião, bispo nos
séculos II e III disse que o ser humano recebeu de Deus, na sua profunda
sabedoria, dons para serem cultivados para o bem comum, como o olho para ver, o
ouvido para escutar e mão para tocar e trabalhar no sentido de transformar a
criação de Deus para uma vida digna2.
A Carta a Diogneto, século II,
reforçou a importância do engajamento comunitário e social dos cristãos em
vista da eternidade, feito pelo trabalho pessoal e comunitário. Os cristãos não
se distinguiam dos outros seres humanos, nem por sua terra, nem por língua ou
costumes. Eles não moravam em cidades próprias, nem falavam língua estranha nem
levavam um modo especial de viver. Eles viviam em cidades gregas e bárbaras testemunhando
um modo de vida social admirável pelas pessoas e pelos povos. Eles viviam na
sua pátria como forasteiros, e participavam de tudo como cristãos e suportavam
de uma forma geral como estrangeiros3. O trabalho era fundamental na unidade da
vida comunitária e social.
Santo Aristides de Atenas,
filósofo convertido ao cristianismo no século II, foi na mesma direção que a
Carta a Diogneto sobre o testemunho dos cristãos e das cristãs, no sentido de
um trabalho familiar, comunitário e social, feito com alegria e com amor. As
pessoas cristãs não adulteravam, não fornicavam, não levantavam falso
testemunho, não cobiçavam as coisas alheias, honravam o pai e mãe, amavam o seu
próximo e julgavam com justiça. Não desprezavam a viúva e nem o órfão; Aquele
que possuía, fornecia de uma forma abundante para aquele que nada tinha de modo
que se eles vissem um forasteiro, acolhiam-no sob o seu teto e mantinham uma
alegria com ele como verdadeiro irmão, porque se chamavam desta forma não
segundo a carne, mas segundo a alma. Eles estavam dispostos a dar a vida por
Cristo, pois guardavam os seus mandamentos dando graças pelos alimentos que
recebiam e doavam aos outros4. O trabalho era vista como fator fundamental de
unidade na diversidade da vida cristã.
Pessoas que passavam por frio e
sem trabalho.
São João Crisóstomo, Bispo de
Constantinopla, séculos IV e V, afirmou que ao passar pelas praças, encontrava
pessoas de um lado, pobres, passando por necessidades e de outro lado, outras
tinham a possibilidade de algum trabalho. Alguns construíam casas, outros
cavavam a terra, outros navegavam pelo mar, de modo que por esses trabalhos
obtinham o que mais precisavam, o pão cotidiano. São João reconhecia que a
situação no inverno, a luta das pessoas necessitadas era mais dura por todos os
lados. Quando mais precisavam do necessário, não trabalhavam porque ninguém os
empregava e nem eram chamados os miseráveis para os serviços. O bispo continuou
no seu discurso que a comunidade ajudava estas pessoas sem trabalho, sem
comida. Seguindo os passos de São Paulo, o bispo afirmou que era preciso fazer
a coleta para os pobres, os trabalhadores e trabalhadoras assim como o apóstolo
fez, determinando às
Igrejas da Galácia, de fazê-la
no primeiro dia da semana, que certamente era o domingo (1 Cor 16,1.2 )5.
O trabalho e a atividade humana.
A Constituição Gaudium et Spes
(GS), do Concílio Vaticano II, realizado na década de 1960 teve presentes o
trabalho e a atividade humana em vista de melhores condições de vida,
correspondendo ao plano de Deus, pois o homem e a mulher foram criados à imagem
e semelhança de Deus. Eles receberam a ordem do Criador de submeter a terra com
tudo o que nela existe, de governar o mundo com justiça e santidade (Gn 1,
26-27; Sb, 9,2-3), no reconhecimento a Deus como Criador de tudo, de modo que
as coisas sendo sujeitas ao ser humano o nome de Deus seja glorificado em toda
a terra (Sl 8,7.10)6.
Esta Constituição também
ressaltou a importância dos trabalhos cotidianos, pois estes ervem para o
sustento para as pessoas e suas famílias. Os homens e as mulheres exercem suas
atividades de tal forma que servem de uma forma conveniente à sociedade e com razão,
consideram com o seu trabalho, o desenvolvimento pela obra do Criador,
ocupando-se com as necessidades de seus irmãos e irmãs, e com a sua ação
pessoal, contribuem para a realização do plano divino da história7.
A dignidade humana pelo
trabalho.
Em 2020, por ocasião do dia
internacional do trabalho, o Papa Francisco afirmou a importância da festa de
São José e o dia dos trabalhadores, sendo também um dia de oração pelos
trabalhadores e trabalhadoras. O trabalho seja para todas as pessoas, tendo também
a justa retribuição, gozando da dignidade do trabalho e da beleza do repouso. O
Papa também afirmou que o trabalho humano é a vocação recebida por Deus,
tornando o ser humano semelhante a Deus, porque com o trabalho ele lhe dá a
capacidade de criar e lhe dá a dignidade de vida8.
O trabalho foi criado por Deus como um bem para todas as pessoas de modo que rezemos para que os empregos sejam priorizados e assim as pessoas vivam o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. O trabalho humano completa a obra do Deus Criador e Redentor.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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