Se uma parte da Amazônia ainda
está intacta de árvores e biodiversidade, o crédito vai para Giovanni Onore que
26 anos atrás criou a Fundação Otonga com o objetivo de preservar o pulmão
verde do mundo e todas as "almas" que ele contém, incluindo os filhos
dos indígenas que recebem bolsas com projetos educacionais.
Cecilia
Seppia – Vatican News
“Um dia
acordei e estava completamente cego de um olho. No começo eu me assustei,
chamei o médico, ele me receitou alguns exames e descobri que estava com uma
trombose do nervo óptico. Um coágulo de sangue num local inoperável, nada a
fazer. Foi difícil, não vou negar, depois aprendi a olhar o mundo de outra
forma e me pareceu ainda mais bonito. Sabem por quê? Porque eu tinha que me
esforçar mais para buscar a beleza, sem dar por certa". Giovanni Onore, 82
anos, frade marianista de Costigliole d'Asti, formado em Ciências Agrárias pela
Universidade de Turim, vive e trabalha há quarenta anos no Equador, onde em
1997 criou a Fundação Otonga com o objetivo de defender a floresta localizada
nas encostas ocidentais da cadeia andina da destruição, desmatamento e,
entretanto, preservar o grande patrimônio da biodiversidade vegetal e animal
presente, também dando instrução às crianças locais. Frei Giovanni, o professor
como o chamam em Quito, não é mais um garoto, mas realmente não lhe falta o
desejo de fazer as coisas e a paixão pelo que se tornou a sua razão de viver.
Gênese de um sonho
“A história
de Otonga é como uma história de Natal. Naqueles anos trabalhei como professor
na Pontifícia Universidade Católica do Equador, em Quito, na cadeira de
Zoologia de invertebrados. Um dia recebi a visita de um biólogo italiano. Ele
queria conhecer a floresta e eu o acompanhei. Enquanto contemplamos a beleza do
local, ouvimos ao fundo o barulho perturbador de uma serra elétrica,
evidentemente alguém estava derrubando as árvores. Ele ficou muito chateado,
então expliquei a ele que ali viviam pessoas pobres e provavelmente no lugar
das árvores teria nascido uma pequena criação de vacas. Mas o meu amigo parecia
realmente aflito; ele me perguntou como aquele tesouro poderia ser preservado e
impedido de ser destruído. Eu simplesmente respondi: 'Você compra e assim
estará protegido para sempre'. Não pensei nas consequências! Nosso hóspede
sonhador voltou para casa e me enviou a primeira remessa, em liras antigas,
para efetuar a compra. Então transformei a soma em tantos hectares. Depois,
veio mais uma doação para comprar mais floresta, com o único objetivo de
protegê-la. Ao primeiro doador se uniram também algumas empresas, dirigidas por
industriais de visão. Ganhei até um prêmio literário: o prêmio Gambrinus. Não é
que eu seja escritor, mas aconteceu que o conhecido montanhista Reinhold
Messner por um motivo que desconheço não veio buscar o prêmio e ele foi doado
ao projeto Otonga para a preservação das florestas. Confesso que me deixei
levar pelo seu entusiasmo e nem de longe imaginava as dores de cabeça desta
empreitada: advogados, notários, escrivães, agrimensores... Tantos problemas
que enfrentei com serenidade e perseverança. Os problemas continuam lá, desde a
burocracia até o carpinteiro que rouba uma árvore da floresta de Otonga à
noite, mas todos os dias agradeço a Deus pela força que me dá e por como
consegue abrir o caminho! Resumindo, foi assim: comecei a comprar florestas
para realizar os sonhos de outros, depois me apaixonei por aquele sonho que se
tornou meu”.
Projetos educacionais e adoções à distância
Em lugares
como este, dilacerados pela pobreza, corrupção e crises de vários tipos, diz o
frei Giovanni, não se pode salvar uma árvore e transcurar uma criança pobre que
não tem meios e possibilidades para estudar. Aqui, então, está uma nova ideia:
dar-lhes bolsas de estudo para envolvê-las em projetos de conservação da
natureza. “Graças à educação, essas crianças - explica frei Giovanni - terão
uma alternativa de trabalho e, em vez de serem lenhadores, me ajudarão a
conservar as florestas e a biodiversidade. A Fundação Otonga montou um projeto
de adoção à distância que ajuda centenas de crianças em seus estudos. Os
resultados são surpreendentes: um deles, Mário Tapia, tornou-se escultor e
chegou a fazer uma estátua de mármore de uma santa equatoriana, Santa Mariana
de Jesus Paredes y Flores, colocada em um dos nichos que cercam a Basílica de
São Pedro: Mário era um menino da floresta, eu o vi um dia com meus próprios
olhos esculpindo um lindo passarinho em um pedaço de madeira. Então o enviei
para estudar em Carrara e hoje ele é um grande artista, mas haveria muitos
outros para mencionar. A nossa vocação como frades marianistas é a educação e,
portanto, esta componente não poderia faltar no projeto Otonga. Temos o
compromisso de fornecer todo o necessário para ir à escola: mochila, livros,
lápis, cadernos, uniformes. Também temos nossa própria escola em Quito,
dirigida por freiras franciscanas: é uma escola de excelência e garante o
acesso direto à universidade para as crianças que a frequentam”. Frei Giovanni
fica sempre maravilhado com os frutos de bondade que esta fundação é capaz de
produzir e com o fato de nunca ter que pedir nada a ninguém, porque a providência
sempre chega até ele de alguma forma. "Quando vou falar deste projeto nas
igrejas, paróquias, universidades ou mesmo em associações leigas há sempre
alguém que me pergunta: 'Como posso te ajudar?' E multiplicam-se as pessoas de
boa vontade que adotam à distância estas crianças pagando seus estudos e assim
garantindo um futuro”.
O patrimônio a defender: a biodiversidade
A Reserva
Otonga existe, portanto, não em virtude de atos legislativos de proteção, mas
graças à compra progressiva de terrenos florestais pela Fundação Otonga,
reconhecida por um acordo ministerial equatoriano. O objetivo principal do
projeto é arrecadar fundos para novas aquisições territoriais e, assim,
proteger áreas cada vez maiores de floresta. Outro aspecto decisivo é o
envolvimento das populações locais que são educadas para uma gestão consciente
do território. A floresta de Otonga no Equador é muito rica em nascentes de
água e contém um dos mais importantes patrimônios de flora e fauna da Terra.
Atualmente, estão registradas mais de cinquenta espécies de mamíferos, dentre
elas a pacarana ou guanta (Dynomis marchickii), espécie declarada em perigo de
extinção devido ao desmatamento e à caça. Existem também treze espécies
diferentes de morcegos, o urso de óculos (Tremarctos ornatus), o gato das
palhas (Oncifelis colocolo), o pequeno tigre (Felis tigrina), o puma ou leão
americano. Mais de 200 espécies de aves vivem na reserva. Existem inúmeras
espécies pertencentes à fauna menor como anfíbios, répteis, insetos. Alguns dos
maiores insetos do mundo são encontrados aqui, como os famosos Dynastes
hercules e Dynastes neptunus. Espécies novas para a ciência são frequentemente
encontradas, como o espetacular louva-a-deus (Calopteromantis otongica). “Eu
mesmo - diz Giovanni Onore - descobri cerca de 200 bichinhos que hoje levam meu
nome. Existem milhões de espécies neste canto de paraíso: tudo é necessário, não
há um animal nocivo”. Além da estação científica, que facilita o estudo da
fauna e flora de Otonga no local, também foi criado um grande viveiro com 20
mil plantas nativas utilizadas para reflorestar algumas áreas dentro e nas
bordas da Reserva. Com a ajuda de alguns jovens da região, são plantadas cerca
de 35 mil mudas retiradas de canteiros e viveiros. Com as últimas aquisições, a
floresta ultrapassa em muito os mil hectares.
“Temos que
nos apressar – disse frei Giovanni – ou acabaremos destruindo tudo isso e
apagando essa incrível variedade de espécies que existe não só nesta porção de
Paraíso. Trata-se de garantir a sobrevivência da própria humanidade. O mundo
está se tornando consciente das mudanças climáticas que são aceleradas pelas
atividades humanas. No Equador, as grandes geleiras que cobrem os picos dos
Andes estão recuando e os fenômenos climáticos se acentuando: as áreas mais
secas estão se desertificando rapidamente e as áreas chuvosas estão inundando
cada vez mais. Costas oceânicas anteriormente protegidas por densas florestas
de mangue foram desmatadas para dar lugar a fazendas de criação de camarão para
exportação. A elevação do nível do mar e ondas estão erodindo praias com uma
enorme perda de biodiversidade. Como entomologista, utilizo os insetos como
termômetros para medir o grau de aquecimento dos ambientes em que vivem.
Durante minhas pesquisas nos Andes, descobri que alguns deles viviam entre
2.000 e 2.300 metros de altura; agora eles se moveram para 2800 metros e depois
irão ainda mais alto, mas num momento, se continuarem subindo até o topo das
montanhas, serão extintos. Recentemente encontrei a dois mil metros na floresta
de Otonga, a rã marinha Rhinella que vivia abaixo dos mil metros!”.
O chamado constante da Laudato si'
“Como missionário estou 'orgulhoso' do Papa Francisco que, através da Encíclica Laudato sì, exortou todos, cristãos e não cristãos, a se comprometerem a salvaguardar a Terra, o pequeno paraíso terrestre que Deus nos deu para viver e para criar nossos filhos. O Papa é um grande conhecedor dos problemas da Amazônia porque em suas atividades pastorais entrou em contato com os pobres e as grandes empresas que se apoderaram das terras dos camponeses. A fundação também está recebendo recursos da Igreja e nós, religiosos ou mesmo muitos leigos, prestamos nossas mãos a este grande desafio: salvar o planeta, com qualquer meio e a todo custo. Os ideais do Santo Padre, suas advertências, seus apelos são para mim uma constante fonte de inspiração. Entre outras coisas, somos ambos originários de Asti, vivemos e absorvemos as realidades sul-americanas e há uma grande coisa que temos em comum: o Evangelho! Há tanto Evangelho na encíclica, talvez não o percebamos. No meu campo que é a biologia, a zoologia, mas também como missionário, da proximidade com as pessoas, sinto o dever de pôr em prática o que ele nos pede neste texto. O risco que corremos é destruir o planeta, é uma espécie de guerra atômica contra a Criação que o homem trava todos os dias com a poluição, o desmatamento das florestas, a emissão massiva de CO2. Portanto, independentemente de religiões, do próprio credo, de cada pertença, devemos nos unir para salvar a Terra”.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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