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domingo, 21 de maio de 2023

O caminho da África, ou seja, a África a caminho

O caminho da África | sklein

Arquivo 30Dias - 04/2010

O caminho da África, ou seja, a África a caminho

Encontro com o presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz: as crises na Nigéria e no nordeste da República Democrática do Congo. A dívida externa que preocupa os governos do Continente africano. Mas também os progressos e as esperanças do “pulmão espiritual da humanidade” segundo Bento XVI.

Entrevista com o cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson de Roberto Rotondo e Davide Malacaria

O cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, ganense, há seis meses presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, é o mais jovem purpurado africano e com a mais alta posição no Vaticano entre os homens de Cúria do Continente Negro. Nascido em Wassaw Nsuta, na parte oeste de Gana, foi consagrado sacerdote para a arquidiocese de Cape Coast em 1975, da qual tornou-se arcebispo em 1992. Foi presidente da Conferência Episcopal de Gana de 1997 a 2005. Estudou nos Estados Unidos e no Instituto Bíblico de Roma. Fala inglês, francês, italiano e alemão. Conhece o hebraico, o grego antigo e o latim. Foi criado cardeal em 2003 – primeiro purpurado ganense da história – foi relator geral no Sínodo Especial para a África no final de 2009. Com ele, que declarou várias vezes querer trazer para a sua nova experiência em Roma o “grande sentido de solidariedade e de busca da justiça” do povo da África, conversamos sobre alguns graves problemas infelizmente “crônicos” da África subsaariana. E começamos com a sua última viagem à Nigéria.

O cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson [© Reuters/Contrasto]

Em março deste ano o senhor foi à Nigéria, poucos dias depois do massacre de centenas de pessoas em três vilarejos de camponeses, na maioria católicos, da diocese de Jos. Qual é o seu parecer sobre a situação depois dos ataques de 7 de março, que num primeiro momento tinham sido apressadamente atribuídos à rivalidade entre cristãos e islâmicos?
PETER KODWO APPIAH TURKSON: Quando fiquei sabendo dos ataques noturnos aos vilarejos e das centenas de mulheres e crianças mortas, imediatamente pensei em ir até lá para ajudar o arcebispo de Jos, monsenhor Ignatius Kaigama, a acalmar os ânimos e a frear os que, querendo se vingar, corriam o risco de alimentar uma grande onda de violência. Conheço bem Kaigama, é também presidente do Conselho para o diálogo Inter-religioso da Nigéria e sempre se preocupou em promover a paz, mas naqueles dias era quase o único a convidar as pessoas a acalmarem-se. Desde o primeiro momento ficou bem claro que se tratava de uma terrível vingança tribal e até mesmo L’Osservatore Romano tinha excluído a marca religiosa, mas apesar disso, passou a ideia na mídia de todo o mundo que na Nigéria a raiz da violência era determinada pelo contraste entre muçulmanos e cristãos.
Então o que era?
TURKSON: Tragicamente, tratou-se de uma represália dos pastores nômades Fulani na maioria islâmica, contra os trabalhadores rurais, estáveis, na maioria cristãos. As causas dessas represálias? A morte de alguns animais de rebanho e alguns episódios de violência que sofreram os pastores Fulani, acusados pelos camponeses de destruir a colheita com seus rebanhos, os quais, por causa da estiagem, dirigem-se cada vez mais para o sul nas regiões cultivadas. O fato é que para os Fulani o rebanho vale mais do que a vida, mas também para os camponeses, a colheita é uma questão de vida ou morte.
Uma trágica guerra entre pobres...
TURKSON: É um problema que se arrasta há muitos anos. A Igreja local tenta de todos os modos chegar a uma concórdia, mas enquanto o governo da região e o Estado central não conseguirem garantir a segurança e justiça, a situação continuará sempre a risco. Justamente por isso, em 19 de março, depois de ter presidido uma celebração eucarística de sufrágio pelas vítimas, na qual li uma mensagem de Bento XVI, fomos encontrar os responsáveis do governo da região e repetimos-lhes o quanto essa pobre gente – que durante cada missa reza também pelo governo, pelo Estado, pelo presidente – tenha o direito de poder dormir com segurança. Com efeito, o que mais me impressionou, é que os ataques aos vilarejos aconteciam às duas da madrugada, quando as pessoas estavam em casa dormindo, justamente para causar maiores danos possíveis. Enfim foi uma vingança calculada, não uma explosão irracional de violência.
E por parte dos muçulmanos surgiu alguma vontade de acalmar os ânimos?
TURKSON: Em Jos encontrei também o líder muçulmano Amil que trabalha em estreito contato com Kaigama. Eles dois querem ser as centelhas da paz, mas em ambas as partes há os que não aprovam: alguns cristãos dizem que o arcebispo confia demais nos muçulmanos e alguns muçulmanos afirmam que o emir acabará sendo convertido pelo bispo ao cristianismo. Mas o caminho deles é a única possibilidade para a convivência, a paz e o desenvolvimento da zona. Chegaram até a falar com o sultão de Sokoto, que é a maior autoridade do islã na Nigéria, e esperamos que muitos outros decidam seguir o caminho do diálogo.
A errada atribuição dos combates a uma guerra de religião é também fruto da nossa incapacidade de ouvir e entender o que acontece na África?
TURKSON: Sim, sem dúvida. Visto daqui, tudo parece apenas “África”: a África esfomeada, a África vítima das violências tribais, da luta pelos recursos naturais... Mas na África subsaariana há 48 Estados nacionais, cada um com uma própria situação, os próprios problemas, os próprios dramas, os próprios progressos. Respeitar a África quer dizer antes de tudo aprender a não generalizar. Em Gana, onde nasci, por exemplo, o presidente do Parlamento, o ministro da Justiça e o chefe da polícia são mulheres, mas isso não quer dizer que a África tenha aprendido a valorizar o papel da mulher. Assim, os problemas relativos aos equilíbrios demográficos, religiosos e étnicos mudam de país para país: na Nigéria, muçulmanos e cristãos numericamente se equivalem, em Serra Leoa os islâmicos são a maioria. Em Gana, o islã é minoria e representa 18% da população, assim temos um problema que não há em outros países: há grupos que não ficam satisfeitos com o equilíbrio religioso e étnico alcançado no país e que permite a convivência. E nos últimos anos estes grupos colocaram em ato estratégias para mudar os equilíbrios demográficos. Não estou lançando uma cruzada, mas temos consciência de que o fenômeno existe e, como dizem tanto os italianos quanto os franceses, quem avisa amigo é...
A situação de crise permanente na região nordeste da República Democrática do Congo (que é uma área com maioria católica) ainda é uma ferida aberta no Continente africano. Por que não se consegue sair desta situação de perene instabilidade? É apenas um problema de luta pela exploração das imensas riquezas naturais?
TURKSON: A luta pelos recursos é um fator importante da crise, mas não é só isso. Um outro elemento é a falta de infraestruturas como estradas ou pontes: em um país tão grande, faz com que o poder central fique muito afastado e lento para intervir. Além disso, os vários grupos tribais e étnicos são um ulterior elemento de instabilidade quando, também por causa das ingerências externas no Congo, estes não conseguem mais encontrar um equilíbrio entre si.
Parte da população congolesa, com efeito, considera-se ruandesa ou mesmo burundinesa. Este é um problema comum em muitas regiões da África, onde as fronteiras dividem tribos, etnias ou grupos homogêneos pela história e tradições. A mesma coisa acontece também em Gana: há um vilarejo na fronteira com o Togo no qual uma rua divide os dois Estados: de um lado os ganenses e de outro os togoleses. Para nós é apenas uma situação bizarra, mas na região do Kivu, na República Democrática do Congo, tornou-se um caso dramático. Também porque os interessados em extrair os imensos recursos naturais da região, tanto o ouro ou diamantes, madeira ou coltan, têm todo o interesse que reine um estado de caos permanente. Quando há anarquia, confusão, mesmo com um pequeno grupo armado pode-se aterrorizar um inteiro vilarejo, abrir minas ilegais, levar tudo embora. Apenas com um governo forte é possível resolver a situação um pouco de cada vez.

Católicos congoleses durante a procissão do Domingo de Ramos [© M.Merletto/Nigrizia]

Falando dos problemas da África subsaariana o senhor disse que alguns homens da classe política e econômica africana são inadequados e, às vezes, ou até mesmo corruptos e cúmplices das lobbies externas que exploram o continente…
TURKSON: A corrupção sempre existiu em todas as partes do mundo, mesmo nas nações mais evoluídas. Mas em todas as sociedades evoluídas há os que vigiam e colocam um freio. Aqui, o poder central e os políticos muitas vezes não conseguem desenvolver esta função porque são obrigados a pensar somente no imediato sem poder realizar nada que tenha um mínimo de prazo e de perspectiva. Sempre faltam os recursos para realizar o que planejado de nobre na campanha eleitoral, e muitos governos, já sufocados pelas dívidas assumidas em anos anteriores, pensam apenas em como encontrar rapidamente capital para enfrentar as situações de maior emergência. Por isso são feitas escolhas ditadas apenas pela emergência, sem pensar se as escolhas feitas hoje trarão alguma consequência negativa no futuro. Assim acontecia em Gana: primeiro as minas de ouro penetravam nas profundidades do subsolo, hoje, ao invés, prefere-se fazer imensas clareiras na superfície do terreno, derrubando a floresta. Ninguém se preocupa se um dia teremos, no lugar da floresta e dos campos cultivados, apenas um solo com grandes crateras vazias, porque o governo precisa urgentemente de recursos financeiros e tudo aquilo que traz dinheiro a curto prazo é preferível a projetos a longo prazo. Por isso a Mensagem para a Paz do Papa Bento XVI deste ano, que fala de solidariedade com o ambiente e de solidariedade entre as gerações atuais e as futuras, é muito concreta e tem implicações políticas, sociais, econômicas muito sentidas na África.
No ano 2000, dez anos atrás, houve uma grande campanha para zerar a dívida externa dos países em desenvolvimento. Houve algum resultado?
TURKSON: A dívida não é o maior problema: se anulam as nossas dívidas, mas ficamos sem meios para produzir bens e mercadorias, jamais conseguiremos criar capitais. Novamente nos endividaremos.
Mas neste momento os países africanos mal conseguem pagar os juros, sem nunca conseguir extinguir a própria dívida…
TURKSON: Seria mais importante que os governos dos países africanos conseguissem aumentar a capacidade produtiva e industrial, porque se continuarmos a vender apenas matéria-prima ou produtos não industrializados não conseguiremos criar uma economia forte e seremos sempre sufocados pelas dívidas. Por exemplo, Gana é um dos maiores produtores de cacau no mundo: mas quantas fábricas de chocolate existem em Gana? Nós cultivamos tomates em abundância, mas quantas fábricas de conservas temos? É principalmente nas indústrias de manufatura que se pode criar riqueza e desenvolvimento estável, mas é justamente ali que a África é mais fraca. Somente quando soubermos converter o couro do gado em sapatos é que sairemos deste círculo vicioso de empréstimos e juros.
Durante o Sínodo Especial para a África, Bento XVI definiu o continente como o pulmão espiritual da humanidade. Mas o que a África pode dar ao mundo?
TURKSON: O Papa referia-se aos valores cristãos, religiosos e humanos da África e disse que devemos prestar atenção para não danificar este pulmão da humanidade. É um pulmão sadio quando sabe olhar para aqueles valores do Evangelium vitae dos quais nos falara João Paulo II; e a fonte dos males são o secularismo e o relativismo, dos quais a África, até este momento, ao menos, parece protegida, mesmo se vivemos em um mundo globalizado e há muitas outras ameaças que nos chegam através de muitos meios que, por si, são muito positivos. Por exemplo, a internet, com a qual chega de tudo aos nossos jovens sem qualquer mediação. A rede transmite muitas coisas belas, mas também é possível acessar a sites que ensinam a construir bombas e fomentam ódio.
O senhor é muito apegado a Gana e à África, e segundo alguns, o Papa teve de convencê-lo a vir a Roma. O que o senhor trouxe consigo da sua experiência de pastor?
TURKSON: Creio ter feito o mínimo que podia fazer em Cape Coast, com a graça e a ajuda de Deus. Eu era o sucessor de um arcebispo muito famoso e amado, John Kodwo Amissah, o primeiro arcebispo nativo de Gana e talvez também o primeiro arcebispo africano de toda a África Ocidental. Foi uma figura de referência durante o processo político que nos levou à independência da Inglaterra. Recordo que, no momento da minha ordenação, perguntaram-me se eu me sentia à altura para suceder uma figura tão carismática e eu respondi, retomando um antigo ditado, que queria apenas calçar os meus sapatos, porque os dos outros poderiam ser ou muito grandes ou muito pequenos. Tudo dependia do que o Senhor me consentiria fazer. Todavia fiquei ali de 1993 a 2010, e procurei fazer fundamentalmente duas coisas: investir muito na formação dos padres – temos um bom seminário maior com professores preparados e no qual formam-se muitos sacerdotes – e tentar envolver os jovens, com muitas iniciativas ligadas à escola, para aproximá-los da Igreja Católica.
O seu pai era católico e sua mãe metodista. Como nasceu a sua vocação sacerdotal?
TURKSON: Minha mãe era metodista, mas se converteu ao catolicismo quando se casou com meu pai. A história da minha vocação é muito simples. Talvez toda a vocação sacerdotal nasce por um motivo aparentemente banal, mas depois no seminário cresce e se clarifica. A vocação é um pouco como o starter dos automóveis, a centelha que acende o motor, e a história da minha vocação é algo semelhante. O motivo original pelo qual entrei para o seminário foi a figura de um padre holandês que a cada dois meses vinha celebrar a missa na minha pequena cidade onde cresci. Meu pai era marceneiro e a nossa cidade era perto de uma mina de manganês. Não havia um pároco estável e recordo deste sacerdote que vinha de vez em quando, dormia na igreja e pela manhã estava sempre ali, pronto, esperando a chegada dos fiéis para a missa. Isso impressionou-me e, mais tarde quando cheguei à idade de frequentar a escola secundária, fiz o pedido para entrar no seminário menor. Digo sempre aos seminaristas, a história da nossa vocação começa com algo muito pequeno, mas é o seminário o lugar onde a vocação cresce e se clarifica.
>A encíclica social do Papa Caritas in veritate, da qual o Pontifício Conselho Justiça e Paz está aprofundando o estudo de algumas linhas de orientação, foi publicada em um particular período histórico, no qual a crise econômica mundial colocou à luz os excessos das finanças sem regras e as injustiças que derivam disso. A quase um ano da publicação, hoje, a encíclica é um instrumento de reflexão útil para sair da crise?
TURKSON: Como se sabe, a Caritas in veritate tinha sido programada em vista do 40º aniversário da Populorum progressio e o seu lançamento foi adiado justamente para que se pudesse reelaborá-la à luz da crise que tinha investido os mercados financeiros. Se é considerada útil ou não, resta a juízo dos leitores, mas a intenção não era de dar uma receita econômica nova, mas sim confirmar a necessidade de introduzir o homem como critério de base da economia, das finanças, mas também do progresso tecnológico. Um desenvolvimento que não ajuda e não apoia o desenvolvimento da pessoa, não pode ser considerado um verdadeiro desenvolvimento. Portanto foi um apelo a humanizar a economia e também, considerando que o mundo é cada vez mais globalizado e que nenhum país pode enfrentar a situação isoladamente, o Santo Padre pediu se não era tempo de desenvolver um organismo mundial que possa guiar a globalização. Sei que nos Estados Unidos criticaram o Papa acusando-o de querer ser o guia espiritual de um governo mundial, mas é uma bobagem. Seria suficiente ler o que acontece no mundo nestes dias: ninguém tem força suficiente para enfrentar estes fenômenos e esta crise sozinho.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF