A Rádio Renascença publicou
neste 2 de maio, o prefácio do Papa ao livro da jornalista portuguesa Aura
Miguel "Um longo caminho até Lisboa" da Editora Bertrand que narra
desde o início o percurso das Jornadas Mundiais da Juventude em vista do
próximo encontro na capital de Portugal, em agosto. O texto em português estará
disponível a partir de 4 de maio.
Papa
Francisco
Ainda tenho
nos olhos e no coração a imensa multidão de jovens que me acolheu no Rio de
Janeiro, em julho, dez anos atrás. Aqueles percursos no papamóvel, desde a
fortaleza militar onde pousava o helicóptero até o local dos encontros e
celebrações em Copacabana, ficarão para sempre gravados em minha memória: o
grande entusiasmo dos jovens que me jogavam bandeiras, bonés, camisetas, que me
ofereciam um pouco de mate, que abraçavam o novo Bispo de Roma que vinha honrar
um compromisso assumido pelo seu predecessor. Uma experiência inesquecível.
Para mim,
como para Bento XVI, foi o mesmo: a primeira viagem internacional do nosso
pontificado aconteceu por ocasião da Jornada Mundial da Juventude - no Rio de
Janeiro no meu caso, e no caso do Papa Ratzinger, em 2005, em Colônia, ou seja,
em sua terra natal. Ele também tinha apenas subido à cátedra de Pedro. Ambos
fomos, por assim dizer, "colocados" na esteira daquilo que São João
Paulo II havia inaugurado, seguindo uma intuição que lhe foi sugerida pelo
Espírito Santo.
As JMJ
foram e continuam sendo momentos fortes para a experiência de muitos
adolescentes, de muitos jovens, e a inspiração inicial que moveu nosso amado
Papa Wojtyla não falhou. Com efeito, a mudança de época que estamos vivendo de
forma mais ou menos consciente representa um desafio, sobretudo para as novas
gerações.
Os chamados
“nativos digitais”, os jovens do nosso tempo, correm diariamente o risco de se
isolarem, de viverem grande parte da sua existência no ambiente virtual, sendo
vítimas de um mercado agressivo que induz a falsas necessidades. Com a pandemia
de Covid e a experiência do confinamento, esses riscos aumentaram ainda mais.
Sair de casa, viajar com os companheiros, viver fortes experiências de escuta e
oração junto com momentos de festa, e fazer isso juntos, torna esses momentos
preciosos para a vida de cada um.
Várias
vezes convidei os jovens a não "balconar", isto é, a não ficarem na
sacada vendo a vida passar como observadores que não se misturam, que não sujam
as mãos, que colocam a tela de um celular ou de um computador entre eles e o
resto do mundo. Já lhes disse várias vezes para não serem "jovens de sofá",
para não se deixarem anestesiar por aqueles que têm todo o interesse em
deixá-los atordoados e estonteados. A juventude é sonho, é abertura à
realidade, é descoberta do que realmente vale na vida, é luta para
conquistá-lo, é abertura a relações intensas e verdadeiras, é compromisso com
os outros e pelos outros.
Padre
Lorenzo Milani em sua experiência de educador repetia aquelas belas palavras:
"Eu cuido", "eu me interesso, eu me importo com...". Hoje,
depois da terrível experiência da pandemia, que dramaticamente nos confrontou
com o fato de que não somos os donos de nossas vidas e de nosso destino, e que
só podemos nos salvar juntos, o mundo mergulhou no vórtice da guerra e do
rearmamento. Uma corrida pelo rearmamento que parece irrefreável e que corre o
risco de nos levar à autodestruição. A guerra travada contra a martirizada
Ucrânia, uma guerra sangrenta no coração da Europa cristã, é apenas uma das
muitas peças daquela Terceira Guerra Mundial que infelizmente começou anos
atrás. Muitas guerras continuam esquecidas, muitos conflitos, muitas violências
indescritíveis continuam sendo perpetradas.
Como tudo
isso questiona os jovens? A que são chamados, com as suas energias, as suas
visões de futuro, o seu entusiasmo? São chamados a dizer "nós
cuidamos", nos interessamos, nos importamos com o que acontece no mundo,
com o sofrimento de quem sai de casa e corre o risco de nunca mais voltar, com
o destino de muitos coetâneos que nasceram e cresceram em campos de refugiados,
com a vida de muitos jovens que, para fugir de guerras e perseguições ou mesmo
para tentar ganhar a vida, enfrentam a travessia do Mediterrâneo e morrem
engolidos pelo abismo.
Interessamo-nos,
importamo-nos com o destino de milhões de pessoas, de muitas crianças, que não
têm água, comida, cuidados médicos, enquanto os governantes parecem competir
para ver quem gasta mais em armamentos altamente sofisticados. Nos interessamos
e nos importamos por quem sofre no silêncio de nossas cidades e precisa ser
acolhido e escutado. Interessamo-nos e nos importamos com o destino do
planeta em que vivemos e que somos chamados a proteger para entregá-lo a quem
virá depois de nós. Interessamo-nos e nos importamos também com o ambiente
digital em que vivemos imersos, e que somos desafiados a mudar e a tornar cada
vez mais humano.
As Jornadas
Mundiais da Juventude foram um antídoto ao "balconar", à anestesia
que faz preferir o sofá, à indiferença. Elas envolveram, moveram, comoveram,
desafiaram gerações de mulheres e homens. Claro, não basta viver uma experiência
"forte" se depois ela não for cultivada, se não encontrar um terreno
fértil para ser sustentada e acompanhada. A JMJ é um evento de graça que
desperta, alarga o horizonte, fortalece as aspirações do coração, ajuda a
sonhar, a olhar além. É uma semente plantada que pode dar bons frutos.
Portanto, hoje precisamos de jovens atentos, desejosos de responder ao sonho de
Deus, interessados aos outros. Jovens que descobrem a alegria e a beleza de
uma vida dedicada a Cristo no serviço aos outros, aos mais pobres, aos que
sofrem.
Tudo isto
me passava pela cabeça enquanto folheava as páginas deste livro escrito por Aura
Miguel, jornalista da Rádio Renascença, que viveu como
repórter as Jornadas Mundiais da Juventude. Aliás, não, não todas. Como ela
mesma me disse no avião que nos levava ao Rio de Janeiro em julho de 2013, ela
tinha vivido todas menos a primeira, a realizada na Argentina, em Buenos Aires,
em 1987. Respondi que aquela era a única da qual eu tinha participado.
No livro de
Aura gosto da escolha de apresentar as JMJ inseridas em seu tempo, com a
cronologia dos principais fatos que aconteceram no mundo e na Igreja. Também
gosto muito que o cerne da história seja o que ela, como jornalista, como
observadora e como fiel, permaneceu daquelas experiências: ter participado
pessoalmente é incomparável com ter acompanhado à distância, mesmo lendo ou
olhando tudo pela televisão.
Na mensagem
para o Dia das Comunicações Sociais de 2021, convidei os jornalistas a gastarem
as solas dos sapatos, porque toda boa comunicação, toda informação verdadeira
se baseia no encontro pessoal com a realidade, com as situações, com as
pessoas. Aura o fez, e a maneira como ela nos retribui essas experiências é
inestimável. A função do jornalista não é a de quem observa de fora o que
acontece e apenas analisa assepticamente. Quem comunica e informa deixa-se
impressionar pela realidade que encontra e por isso consegue contá-la,
apaixonando os seus ouvintes e leitores. Só quem se deixou apaixonar e
emocionar faz apaixonar e comover quem escuta e quem lê.
Desejo a todos os leitores do livro que descubram ou redescubram através destas páginas a beleza e a riqueza da experiência das Jornadas Mundiais da Juventude, e vivam com alegria e gratidão ao Senhor a de 2023 que se realizará em Lisboa. A primeira que Aura Miguel poderá acompanhar sem ter de viajar pelo mundo, porque passadas tantas décadas, terá lugar no seu país e na sua cidade.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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