O que é a Doutrina Social da Igreja? Quais são seus princípios?
No caminho
da salvação de cada pessoa, a Igreja se preocupa por toda a família humana e
suas necessidades, também no âmbito material e social. Por isso, desenvolve uma
bússola, uma doutrina social que forme as consciências e ajude a viver de
acordo com o Evangelho e com a própria natureza humana.
10/05/2022
“Com a sua
doutrina social, a Igreja não persegue fins de estruturação e organização da
sociedade, mas de cobrança, orientação e formação das consciências” (Compêndio
da Doutrina Social da Igreja, n. 81).
“A Igreja
(...) tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e
contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da
sua vocação” (Caritas in veritate, n. 9).
1. O que é
a doutrina social da Igreja? (DSI)
A doutrina
social é o anúncio de fé que o Magistério faz diante das realidades sociais.
Recolhida num compêndio, esta defesa se traduz em indicações, conselhos e
exortações com que a Igreja anima os cristãos a serem cidadãos responsáveis.
“De fato,
não há unanimidade sobre a realidade que se designa como DSI. João Paulo II –
na definição mais precisa já dada pelo Magistério – diz que é 'a formulação
acurada dos resultados de uma reflexão atenta sobre as complexas realidades da
existência do homem, na sociedade e no contexto internacional, à luz da fé e da
tradição eclesial' (Sollicitudo Rei Socialis, 41)”[1].
O único
objetivo da Igreja é “ajudar o homem no caminho da salvação”. (cf Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, 69). Esta é a sua única missão e a razão pela qual a
Igreja tem o direito e o dever de desenvolver uma doutrina social que forme a
consciência dos homens e os ajude a viver segundo o Evangelho e a própria
natureza humana. Um cristão coerente dirige todos os aspectos da sua vida para
Deus, vivendo de acordo com o seu plano salvífico. A Igreja acompanha os
cristãos nesta tarefa.
Isso inclui
dimensões da vida e da cultura humana, como a economia e o trabalho, por meio
da comunicação e da política, a questões como a comunidade internacional e as
relações entre culturas e povos.
A caridade
é uma “força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo
de hoje e para e renovar profundamente desde o interior das estruturas,
organizações sociais, ordenamentos jurídicos. Nesta perspectiva, a caridade se
torna caridade social e política: a caridade social nos leva a amar o bem comum
e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só
individualmente, mas também na dimensão social que as une” (Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, n. 207).
2. Onde a
Doutrina Social da Igreja está explicada?
A DSI nasce
com a Rerum Novarum de Leão XIII, papa que se preocupava
muito com a ‘questão operária’, isto é, a situação de muitos trabalhadores
pobres, do campo, que miraram para as cidades e viviam de forma miserável A
partir desse momento, os ensinamentos sociais, que existiam no cristianismo
desde o princípio, são organizados de maneira sistemática. As cartas sociais
dos pontífices terão a Rerum Novarum como referência. Entre as
muitas encíclicas sociais, destacam, as de São João Paulo II: Laborem Exercens (90 anos da Rerum Novarum), Sollicitudo Rei Socialis e Centesimus Annus (100
anos da Rerum Novarum). Recentemente, o Papa Francisco se dirigiu
aos cristãos com duas encíclicas de tema social: Laudato si' (2015)
e Fratelli Tutti (2020).
Com o
objetivo de facilitar uma busca temática dos conteúdos, nos últimos anos se
escreveu um Compêndio da Doutrina Social da Igreja que
pode servir como referência.
3. A
doutrina social da Igreja é uma espécie de política ou ideologia?
Não. Não
tem competência em questões técnicas, nem propõe sistemas de organização
social, que não pertencem à sua missão: esta se limita ao âmbito moral e
evangélico. Além disso, essa função não é realizada com base em um poder
coercitivo (próprio do Estado), nem se servindo do “braço secular” (isto é,
usando instituições civis que atuem de acordo com as suas indicações, exercendo
deste modo sua influência na sociedade); exerce-a por meio de um poder de
convicção, que respeita a laicidade da vida pública. Consequentemente, o
ensinamento social do Magistério não é obstáculo para a autonomia das
realidades terrenas. Ao contrário, as interpreta para examinar sua adequação ao
espírito evangélico e orientar a conduta cristã.
“É justo
que [a Igreja] possa, sempre e em toda parte, pregar a fé com liberdade
verdadeira; ensinar a sua doutrina social; exercer livremente a sua missão
entre os homens; e ainda emitir juízo moral, também sobre as realidades que
dizem respeito à ordem política, quando o exijam os direitos fundamentais da
pessoa ou a salvação das almas, empregando todos os recursos, e somente estes,
que estão de acordo com o Evangelho e com o bem de todos, conforme a
diversidade dos tempos e das situações” (Gaudium et Spes, 76).
“Na ordem
da moralidade, a Igreja tem uma missão distinta da missão das autoridades
políticas. A Igreja se preocupa com aspectos temporais do bem comum em razão de
sua ordenação ao Sumo Bem, nosso fim último. Procura inspirar as atitudes
justas na relação com os bens terrenos e nas relações socioeconômicas”
(Catecismo da Igreja Católica, n. 2420).
Meditar com
São Josemaria
“Isto traz
como consequência uma visão mais profunda da Igreja, como comunidade formada
por todos os fiéis, sendo todos nós solidários de uma mesma missão, que cada um
deve realizar de acordo com as suas circunstâncias pessoais. Os leigos, graças
aos impulsos do Espírito Santo, são cada vez mais conscientes de serem
Igreja, de terem uma missão específica, sublime e necessária, já que foi
querida por Deus. E sabem que essa missão depende da sua própria condição de
cristãos; não necessariamente de um mandato da Hierarquia, embora seja evidente
que devem levá-la a cabo em união com a Hierarquia eclesiástica e segundo os
ensinamentos do Magistério” (Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, 59).
“Jamais
perguntei a nenhum dos que se aproximaram de mim o que pensava em matéria de
política: não me interessa! Com essa norma da minha conduta, manifesto-vos uma
realidade que está metida no âmago do Opus Dei, a que com a graça e a
misericórdia divinas me dediquei completamente, para servir a Igreja Santa.
Esse tema não me interessa, porque vós, cristãos, gozais da mais plena
liberdade, com a consequente responsabilidade pessoal, para intervir como mais
vos aprouver em questões de índole política, social, cultural..., sem outros
limites que os estabelecidos pelo Magistério da Igreja” (Amigos de Deus, 11).
“Nunca falo
de política. Não encaro a tarefa dos cristãos na terra como se tivesse por fim
fazer brotar uma corrente político-religiosa - seria uma loucura -, nem mesmo
com o bom propósito de infundir o espírito de Cristo em todas as atividades dos
homens. O que é preciso situar em Deus é o coração de cada um, seja ele quem
for. Procuremos falar a cada cristão, para que lá onde estiver - nas
circunstâncias que não dependem apenas da sua posição na Igreja ou na vida
civil, mas também do resultado das mutáveis situações históricas -, saiba dar
testemunho da fé que professa, com o exemplo e com a palavra” (É Cristo que
passa, 183).
4. Por que
a Igreja manifesta a sua opinião sobre questões sociais?
A salvação
realizada por Cristo e, consequentemente, a missão da Igreja, atinge o homem em
toda a sua integridade, inclusive na esfera social. De fato, o cristianismo não
pode se restringir a meras devoções, mas é uma forma de viver em sociedade.
Bento XVI
afirma que a doutrina social da Igreja responde à dinâmica da caridade recebida
e oferecida e resume sua função como “proclamação da verdade do amor de Cristo
na sociedade” (Caritas in veritate, n.
5).
O Papa
Francisco explica a razão pela qual a Igreja expressa sua opinião sobre
assuntos que afetam a comunidade mundial (Discurso do Santo Padre ao corpo
diplomático, 7 de janeiro de 2019), dizendo que a missão espiritual que Jesus
Cristo dirigiu a São Pedro e seus sucessores leva o Pontífice e a Santa Sé a “a
preocupar-se com toda a família humana e suas necessidades, mesmo de ordem
material e social” e esclarece que “a Santa Sé não procura interferir na vida
dos Estados”, mas observa os problemas “que dizem respeito à humanidade, com o
propósito sincero e humilde de se colocar ao serviço do bem de todo o ser
humano” e “trabalhar para promover a construção de sociedades pacíficas e
reconciliadas”. Por isso, a Igreja não pode ficar de fora das realidades humanas
e intervém em sua doutrina para iluminar diversos aspectos da sociedade.
A partir da
sua experiência de contato com pessoas e povos, e da sua doutrina de fé
sustentada por uma profunda reflexão, a Igreja é uma grande interlocutora para
defender e dar voz aos mais fracos, às nações pobres e ao planeta ameaçado pela
crise ecológica.
5.
Princípios da doutrina social da Igreja
Essa
preocupação da Igreja se concretiza em valores que servem de base para a
atuação social. Todos eles têm base evangélica e estão de acordo com a natureza
humana, que a Igreja assume e defende, procurando levá-la à plenitude, por meio
da Redenção operada por Cristo. Esses valores são:
1. A
dignidade da pessoa humana: a vida humana é sagrada e a sua dignidade
inviolável, independentemente da idade, do estado de saúde, da riqueza ou da
condição social. Toda pessoa tem direito à vida desde a concepção até a morte
natural. Além disso, uma vida digna implica a paz, muitas vezes ameaçada pela
guerra e pela violência.
2. Família
e comunidade: o homem é um ser social e tem o direito de crescer em
comunidade. O casamento e a família são a base da sociedade (já no início do
cristianismo a família era considerada “igreja doméstica”, termo que foi
recuperado pelo Concílio Vaticano II e difundido por São João Paulo II). Todas
as pessoas têm direito de participar na sociedade.
3. Direitos
e deveres: todas as pessoas têm direitos a reclamar e deveres a
cumprir, tanto em nível individual, como familiar e social. Em particular, dos
trabalhadores: a economia está ao serviço das pessoas e não o contrário. Os
trabalhadores têm direito a um trabalho digno, seguro e bem remunerado.
4. Opção
preferencial pelos pobres e vulneráveis: Jesus nos ensinou que os mais
vulneráveis de uma sociedade têm um lugar
privilegiado em seu Reino. É um dever de justiça ajudar a todos na luta contra
a pobreza e as situações de risco, algo que o Papa Francisco enfatizou desde o
início de seu pontificado.
5. Bem
Comum: é “o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto
aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria
perfeição” (Gaudium et Spes, 26).
6. Solidariedade:
a Igreja promove a paz e a justiça acima das diferenças de raça, nação,
religião etc. Há uma só família humana que todos nós somos responsáveis por cuidar.
7. Subsidiariedade:
a autoridade pública deve deixar “ao cuidado de associações inferiores aqueles
negócios de menor importância, que a absorveriam demasiado; poderá então
desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque
só ela o pode fazer” (Quadragesimo anno, 80).
8. Cuidado
com a criação: Deus colocou o homem à frente das realidades terrenas para
dominá-las e cuidá-las. Através do respeito pelas outras criaturas, o homem
manifesta o respeito devido ao Criador. A crise ambiental tem dimensões morais.
Meditar com
São Josemaria
“A Igreja
é, por conseguinte, inseparavelmente humana e divina. É sociedade
divina pela sua origem, sobrenatural pelo seu fim e pelos meios que se ordenam
proximamente a esse fim; mas, na medida em que se compõe de homens, é uma
comunidade humana. Vive e atua no mundo, mas o seu fim e a sua força não
estão na terra, mas no Céu” (Amar a Igreja, 22).
“Este, e
não outro, é o fim da Igreja: a salvação das almas, uma a uma” (Amar a Igreja,
23).
“Querer
atingir a santidade — apesar dos erros e das misérias pessoais, que hão de
durar enquanto vivermos — significa esforçar-se, com a graça de Deus, por viver
a caridade, plenitude da lei e vínculo da perfeição. A caridade não é algo abstrato;
significa entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens: desse
Deus que nos fala no silêncio da oração e no rumor do mundo; desses homens cuja
existência se entrecruza com a nossa.
Vivendo a
caridade — o Amor —, vivem-se todas as virtudes humanas e sobrenaturais do
cristão, que formam uma unidade e que não se podem reduzir a enumerações
exaustivas. A caridade exige que se viva a justiça, a solidariedade, a
responsabilidade familiar, a alegria, a castidade, a amizade...” (Entrevistas com
Mons. Josemaria Escrivá, 62).
“Na terra,
há apenas uma raça: a raça dos filhos de Deus. Todos devemos falar a mesma
língua: a que nosso Pai que está nos Céus nos ensina, a língua dos diálogos de
Jesus com seu Pai, a língua que se fala com o coração e com a cabeça, aquela
que estamos usando agora na nossa oração. É a língua das almas contemplativas,
dos homens que são espirituais por se terem apercebido da sua filiação divina;
uma língua que se manifesta em mil moções da vontade, em luzes vivas do entendimento,
em afetos do coração, em decisões de retidão de vida, de bem-fazer, de alegria,
de paz” (É Cristo que passa, 13).
“A
Universidade não deve formar homens que consumam egoisticamente as vantagens
alcançadas através de seus estudos; deve prepará-los para uma tarefa de
generosa ajuda ao próximo, de fraternidade cristã.
Muitas vezes, esta solidariedade esgota-se em manifestações orais ou escritas,
quando não em algazarras estéreis ou prejudiciais. A solidariedade, meço-a eu
por obras de serviço: conheço milhares de casos de estudantes de muitos países,
que renunciaram ao seu pequeno mundo privado, dando-se aos outros mediante um
trabalho profissional que procuram fazer com perfeição humana, em obras de
ensino, de assistência, sociais etc., com espírito sempre jovem e cheio de
alegria” (Entrevistas com São Josemaria, 75).
“É hora de
que todos nós, cristãos, anunciemos bem alto que o trabalho é um dom de Deus, e
que não faz nenhum sentido dividir os homens em diferentes categorias, conforme
os tipos de trabalho, considerando umas ocupações mais nobres do que as outras.
O trabalho, todo o trabalho, é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio
sobre a criação; é meio de desenvolvimento da personalidade; é vínculo de união
com os outros seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir
para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a
humanidade” (É Cristo que passa, 47).
“Um homem e uma sociedade que não reajam perante as tribulações ou as injustiças, e não se esforcem por aliviá-las, não são nem homem nem sociedade à medida do amor do Coração de Cristo. Os cristãos - conservando sempre a mais ampla liberdade à hora de estudar e de aplicar as diversas soluções, e, portanto, com um lógico pluralismo - devem identificar-se no mesmo empenho em servir a humanidade. De outro modo, o seu cristianismo não será a Palavra e a Vida de Jesus: será um disfarce, um logro perante Deus e perante os homens” (É Cristo que passa, 167).
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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