Arquivo 30Dias - 06/2003
“A fé exige o realismo do acontecimento”
“A opinião de que a fé, enquanto tal, não conhece absolutamente nada dos fatos históricos e deve deixar tudo isso aos historiadores, é gnosticismo: esta opinião desencarna a fé e a reduz a pura idéia. Para a fé que se baseia na Bíblia é, ao contrário, exigência constitutiva precisamente o realismo do acontecimento. Um Deus que não pode intervir na história nem mostrar-se nela não é o Deus da Bíblia”. O discurso do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé por ocasião do centenário da constituição da Pontifícia Comissão Bíblica.
de Joseph Ratzinger
O que poderia entrever um olhar histórico lançado do Nebo sobre a terra da exegese dos últimos cinqüenta anos? Antes de tudo, muitas coisas que teriam sido de conforto para Maier, a realização do seu sonho, por assim dizer. Já a encíclica Divino afflante Spiritu de 1943 introduziu uma nova forma de compreender a relação entre o Magistério e as exigências científicas da leitura histórica da Bíblia. Em seguida, os anos sessenta representaram a entrada na Terra Prometida da liberdade da exegese, mantendo esta imagem metafórica. Primeiro, encontramos a instrução da Comissão Bíblica, de 21 de abril de 1964, sobre a verdade histórica dos Evangelhos, mas depois, sobretudo, a Constituição conciliar Dei Verbum de 1965 sobre a Revelação Divina, com a qual se abriu na realidade um novo capítulo na relação entre Magistério e exegese científica. Não é preciso realçar aqui a importância deste texto fundamental. Ele, antes de mais, define o conceito de Revelação, que não se identifica de modo algum com o seu testemunho escrito que é a Bíblia, e abre, desta forma, um amplo horizonte, histórico e ao mesmo tempo teológico, no qual se move a interpretação da Bíblia, uma interpretação que vê nas Escrituras não só livros humanos, mas o testemunho de um falar divino. Assim, torna-se possível determinar o conceito de Tradição, que também supera a Escritura, apesar de ter nela o seu centro, a partir do momento em que a Escritura é, em primeiro lugar e por sua natureza, “tradição”. Isto leva ao terceiro capítulo da Constituição, dedicado à interpretação da Escritura; nele emerge, de maneira convincente, a necessidade absoluta do método histórico como parte indispensável do esforço exegético, mas surge depois também a dimensão propriamente teológica da interpretação, que como já foi dito, é essencial, se aquele livro é mais do que palavra humana.
Prosseguimos a nossa investigação do Monte Nebo: Maier, do seu lugar de observação, teria podido alegrar-se especialmente pelo que aconteceu em junho de 1971. Com o motu próprio Sedula cura, Paulo VI reestruturou completamente a Comissão Bíblica de tal forma que deixou de ser um órgão do Magistério, para ser um lugar de encontro entre o Magistério e exegetas, um lugar de diálogo no qual se pudessem encontrar representantes do Magistério e qualificados exegetas para juntos encontrar, por assim dizer, os critérios intrínsecos da liberdade que a impedem de se autodestruir, elevando-a assim ao nível de uma verdadeira liberdade. Maier teria podido alegrar-se também pelo fato de que um dos seus melhores alunos, Rudolf Schnackenburg, tinha começado a fazer parte não precisamente da Comissão Bíblica, mas da não menos importante Comissão Teológica Internacional, de forma que agora ele mesmo, por assim dizer, estava quase naquela Comissão que lhe tinha causado tantas preocupações.
Recordamos outra data importante que, do nosso Nebo imaginário, teria podido
surgir no horizonte: o documento da Comissão Bíblica A interpretação da
Bíblia na Igreja, de 1993, no qual já não é o Magistério que impõe do alto
normas aos exegetas, mas são eles mesmos que procuram definir os critérios que
devem determinar o caminho para uma interpretação adequada deste livro
especial, o qual, visto só do exterior, constitui, no fundo, nada mais do que
uma coletânea literária de escritos, cuja composição se alarga por todo um
milênio. Só o sujeito do qual esta literatura nasceu – o povo de Deus peregrino
– faz desta coletânea literária, com toda a sua variedade e os seus aparentes
contrastes, um único livro. Mas este povo sabe que não fala
nem age por si, mas é devedor Àquele que faz dele um povo: o próprio Deus vivo
que lhe fala através dos autores de cada livro.
A Constituição conciliar Dei Verbum de 1965 sobre a Revelação Divina,
abriu na realidade um novo capítulo na relação entre Magistério e exegese
científica. Não é preciso realçar aqui a importância deste texto fundamental.
Ele, antes de mais, define o conceito de Revelação, que não se identifica de modo
algum com o seu testemunho escrito que é a Bíblia, e abre, desta forma, um
amplo horizonte, histórico e ao mesmo tempo teológico, no qual se move a
interpretação da Bíblia, uma interpretação que vê nas Escrituras não só livros
humanos, mas o testemunho de um falar divino.
O
discurso do cardeal Ratzinger
foi pronunciado em língua italiana
no Augustinianum em 29 de abril de 2003.
Fonte: http://www.30giorni.it/
Nenhum comentário:
Postar um comentário