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segunda-feira, 5 de junho de 2023

“A graça de Deus salvador: livre, suficiente, necessária para nós” (1/6)

São Paulo, mosaico da Capela Palatina, Palermo

Arquivo 30Dias – 06/07 – 2009

“A graça de Deus salvador: livre, suficiente, necessária para nós”

Com essas palavras, Giovanni Battista Montini, em suas notas sobre as Cartas de São Paulo, escritas quando ainda jovem sacerdote, sublinha a experiência e a mensagem do Apóstolo.

de padre Giacomo Tantardini

Agradeço a quem me convidou para vir a esta bela cidade de Ortona, onde, na Catedral, está preservado o corpo do apóstolo Tomé. Agradeço também a sua excelência dom Carlo Ghidelli, por sua presença neste encontro.

Não tenho a competência específica para falar de São Paulo. O que conheço de Paulo vem simplesmente da leitura de suas Cartas, em particular a leitura que fazemos na santa missa e na oração do breviário, mas creio que isso seja o mais importante. Paulo VI, num discurso proferido num congresso de exegetas sobre a ressurreição de Jesus, citando Santo Agostinho, dizia que, para compreender a Escritura, “praecipue et maxime orent ut intelligant”, a coisa “mais importante e principal é rezar para entender”.

Assim, na oração podemos receber o dom de intuir a experiência que fez Paulo, a experiência de ser amado por Jesus. Ao dar início ao Ano Paulino, o papa Bento XVI disse que Paulo é um nada amado por Jesus Cristo. “Eu nada sou”, diz o próprio Paulo ao final da Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 12, 11), e, na Carta aos Gálatas: “Amou-me e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2, 20).
A nós, infinitamente distantes do apóstolo, pode acontecer também a mesma experiência, a mesma comunhão de graça, porque a comunhão dos santos é real. E é essa identidade de experiência, a experiência de sermos gratuitamente amados por Jesus Cristo, que faz as palavras do apóstolo reviverem, que pode tornar Paulo tão próximo, tão chegado, tão amigo, tão familiar.

Eu gostaria de começar lendo algumas frases ditas pelo papa Bento XVI no Ângelus de domingo 25 de janeiro. Este ano, a festa da conversão de São Paulo caiu num domingo, e o Papa, explicando o encontro de Saulo com Jesus no caminho para Damasco (o que lemos também na missa de hoje, nos Atos dos Apóstolos), disse estas palavras que me surpreenderam e confortaram, e que eu reli muitas vezes: “Naquele momento [quando encontrou Jesus: “Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo” (At 9, 5)] Saulo compreendeu que a sua salvação [podemos até dizer a sua felicidade, pois o reflexo humano da salvação é a felicidade, o reflexo humano da Sua graça é o prazer pela Sua graça] não dependia das boas obras levadas a cabo segundo a lei [fiquei muito impressionado com esse adjetivo, boasBoas obras. O Papa quis sublinhar que a salvação não depende das boas obras, realizadas segundo a lei, obras tão boas como boa e santa é a lei (cf. Rm 7, 12)], mas do fato de que Jesus tinha morrido também por ele, o perseguidor [“Amou-me e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2, 20)], e tinha, e continua, ressuscitado”. A outra palavra que me impressionou foi esse verbo no presente: “Tinha, e continua, ressuscitado”.

Este ano, Bento XVI proferiu vinte meditações sobre Paulo nas audiências de quarta-feira. Uma dessas meditações, talvez a mais bela, a décima primeira, trata da fé de Paulo na ressurreição do Senhor. Comentando o capítulo 15 da Primeira Carta aos Coríntios, o Papa sublinhou que Paulo transmite aquilo que, por sua vez, recebeu (cf. 1Cor 15, 3), ou seja, que “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois aos Doze” (1Cor 15, 3-5). A ressurreição de Jesus é um fato que ocorreu num momento preciso do tempo, e Aquele que ressuscitou, naquele preciso momento, está vivo hoje, neste momento. Ressuscitou e, portanto, está vivo no presente.

A conversão de Paulo, segundo o Papa, está nessa passagem. A passagem da consideração de que a salvação dependia de suas boas obras, realizadas segundo a lei (a lei é a lei de Deus, a lei são os dez mandamentos de Deus), para o simples reconhecimento de que a salvação era e é a presença de um Outro. Era e é a presença de Jesus.

Ainda no Ângelus de domingo 25 de janeiro, o papa Bento XVI, (e isto chamou minha atenção, também porque o rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, por quem tenho grande estima e que posso chamar amigo de 30Dias, salientou essa observação do Papa), disse que não poderíamos falar propriamente de uma conversão de Paulo, pois Paulo já acreditava no Deus único e verdadeiro e era “irrepreensível” no que concerne à lei de Deus. Ele mesmo o diz na Carta aos Filipenses (3, 6).

A conversão de Paulo (e permitam-me aqui retomar as palavras que Santo Agostinho usa para indicar sua própria conversão) é simplesmente a passagem da sua dedicação a Deus para o reconhecimento do que Deus cumpriu e cumpre em Jesus.

Agostinho descreve assim a sua conversão: “Quando li o apóstolo Paulo [e logo depois – pois nem ler as Escrituras é suficiente – acrescenta:] e minhas feridas foram tocadas por vossos dedos e foram por eles curadas, discerni perfeitamente a diferença que havia inter praesumptionem et confessionem / entre a dedicação e o reconhecimento”. Praesumptio não indica a princípio uma coisa ruim. Com o tempo é que descamba para uma presunção ruim; mas, a princípio, indica a tentativa do homem de alcançar o ideal bom que intuiu. A conversão cristã é a passagem dessa tentativa do homem de realizar o bem (as boas obras, como dizia o papa Bento XVI) para o simples reconhecimento da presença de Jesus. Da praesumptio, dedicação, à confessio, reconhecimento. A confessio, o reconhecimento, é como quando a criança diz: “Mamãe”. Como quando a mãe vem ao encontro da criança e esta lhe diz: “Mamãe”.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF