Por Francisco Borba Ribeiro Neto
O futuro do cristianismo sempre estará nas mãos de Deus e não nas nossas. Porém, dependerá mais daqueles tocados pela visão da Sua glória no mundo, do que daqueles que querem defendê-Lo olhando para uma contabilidade de valores e erros do mundo.
É muito conhecida a frase de Karl Rahner, formulada no século passado, segundo a qual o cristão do futuro (que hoje, de certa forma, já é o presente) ou será um “místico” ou não será absolutamente nada. Infelizmente, a ideia é mais frequentemente captada em seu sentido negativo: um cristianismo apegado à estrutura institucional, a normas de conduta e valores morais não sobreviveria. O aspecto mais interessante, contudo, é seu sentido positivo: o cristianismo precisa ser místico para sobreviver no coração humano e na sociedade globalizada de nossos tempos.
Quem é o místico?
O problema que se coloca, então, é compreender o significa “ser místico”. Uma constatação forçosa é que não estamos habituados a uma vivência mística. A palavra nos faz lembrar de monges tibetanos, iogues e ascetas que abandonaram o mundo, gente que não convive com nenhum dos “prazeres mundanos” que fazem parte do cotidiano de nossa sociedade, mas vê espíritos que nos são invisíveis e coisas assim… Mesmo entre padres e muitos católicos líderes de comunidades existe um preconceito contra a palavra “místico”, que lhes parece indicar algo fora da realidade, uma ilusão espiritualista.
Por outro lado, ao pensar em mística, muita gente fica realmente presa a arroubos espirituais, manifestações extraordinárias (no sentido etimologia, de algo que é “extra”, está fora, do ordinário, do normal), milagres impossíveis. Esperam que Deus demonstre-lhes sua existência de um modo excepcional. Quando isso não acontece, ou melhor, não acontece do modo como esperavam, muitas vezes criam imagens ilusórias para si mesmas ou se decepcionam e perdem a fé. Esse tipo de misticismo, ainda que muito atraente numa sociedade dominada pela aparência e pelo espetáculo, convence a alguns, já imersos numa “bolha” de religiosidade, mas não garantirá a sobrevivência do cristianismo ao longo do tempo.
O Papa Francisco, como observado em outro artigo, já disse que se sente mais atraído pela mística do que pelo ascetismo. Está se referindo, com certeza, a uma experiência bem diferentes das elencadas acima. A mística é, antes de tudo, uma experiência de convivência, de proximidade, com Deus. O místico é aquele que convive com Deus em seu cotidiano, quer seja em situações extraordinárias (que ocorrem relativamente poucas vezes), quer seja em situações muito normais, que se repetem todo o tempo.
Como qualquer relação afetiva entre duas pessoas, também a experiência mística não tem um formato padrão. Deus, em sua infinita criatividade, se dirige a cada um de nós de um modo específico. Por isso, os bons mestres espirituais, mesmo que ensinem práticas ascéticas e estimulem comportamentos virtuosos, sabem que devem estar abertos para perceber como Deus se manifesta na vida daquele orientado em particular, para assim poder orientá-lo adequadamente. Contudo, alguns elementos em comum podem ser sempre observados na experiência mística – ao menos na mística verdadeiramente cristã…
Os místicos veem a Glória…
O primeiro elemento é a experiência de fascínio e beleza. Encontrar a Cristo é encontrar aquilo pelo que o nosso coração anseia – mesmo quando não se dá conta disso. Aliás, não sabemos como é a pessoa amada antes de conhecê-la. Por isso, aqueles que não conhecem a Cristo nem mesmo sabem como Ele é. Daí a frustração de uma cristandade sem Cristo, isto é, uma sociedade que vive em função de normas e padrões que se revelam a partir do encontro com Cristo, mas sem fazer esse encontro. Por mais que tais normas e padrões sejam justos e até naturais, acabam parecendo imposições forçadas, pois “o mistério do ser humano só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” (cf. Gaudium et spes, GS 22).
A verdadeira experiência mística é sempre de fascínio – e o olhar do místico é sempre o olhar de um apaixonado, de alguém que descobriu uma grande paixão que dá sentido a toda a sua vida. Os místicos realmente veem alguma coisa que os outros não veem, mas não são espíritos sobrenaturais ou milagres ilusórios e forçados. O que eles veem é a Glória, isso é, a presença e a ação misteriosas e fascinantes de Deus no mundo.
Deus nos ama e ama, ainda que de formas diferentes, todas as suas criaturas. Nas palavras do Papa Francisco, “cada criatura é objeto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo. Até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho” (Laudato si’, LS 77). Essa dimensão da Glória de Deus é aquela que é contemplada pelo místico. Todo aquele que vive ou já viveu um grande amor sabe como a realidade se transfigura aos olhos do amante, como tudo parece mais saboroso e mais brilhante. Quem faz essa experiência não deixa o cristianismo morrer, nem em seu coração, nem no mundo.
… E amam a todos
O segundo elemento característico dessa experiencia mística é que esse amor se torna amor e ternura para com todas as pessoas e, em alguma medida, com todas as coisas. Nem tudo é bom e belo no mundo. Existe muita dor e muito sofrimento – e o místico não ignora esse fato. Pelo contrário, sua sensibilidade vai sendo cada vez mais provocada pela dor do outro. Nas formas e nos tempos que Deus lhe dá, o místico vive seu compromisso de amor pelo mundo e por todos aqueles que sofrem.
É fato que algumas experiências místicas não conduzem à militância social, ao trabalho com os pobres e com os que mais sofrem. Mas isso se deve à infinidade de caminhos que Deus criou para os seres humanos, não à falta de disponibilidade daquele que realmente contemplou a Glória de Deus. Por outro lado, uma indignação raivosa (muito comum em nossos dias), que turva o olhar e não nos deixa acolher aquele que pensa diferente, se torna um real empecilho ao crescimento na vida mística, pois não nos deixa contemplar a ação amorosa de Deus.
O futuro do cristianismo sempre estará nas mãos de Deus e não nas nossas. Porém, dependerá mais daqueles tocados pela visão da Sua glória no mundo, do que daqueles que querem defendê-Lo olhando para uma contabilidade de valores e erros do mundo.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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