FRANCISCO DE ASSIS E A NATUREZA: CORTESIA E REVERÊNCIA
Dom Beto Breis
Bispo de Juazeiro (BA)
Encerramos recentemente a
Semana Laudato Si’, celebrando o oitavo aniversário da
Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da criação. Sua proposta de uma
ecologia integral encontra em Francisco de Assis “um modelo belo e motivador”.
De fato, os números 10 a 12 desse histórico documento apresentam as
características do Poverello que
tem inspirado seu pontificado, a começar pela proximidade com os pobres, a
escuta atenta de seus clamores e a “o urgente desafio de proteger a
nossa casa comum” (13).
A partir de sua profunda e
original experiência da paternidade de Deus e de uma vivência surpreendente e
inaudita da dimensão horizontal dessa fé, o Assisiense não se colocava acima
das outras obras da Criação, mas ao lado delas, consciente de que este planeta
é a grande Casa que o Pai terno e amoroso preparou para todos. Compreendia que
somos todos irmãos e irmãs nesta casa comum e o ser humano é chamado a ser o
representante de Deus no seu cuidado e preservação. Dominar não é antropocentricamente
subjugar todos os seres ao bel-prazer de interesses e ambições desmedidos, mas
manter a casa (domus) habitável e acolhedora. Se o
Cântico das Criaturas, composto por Francisco já cego dos olhos na proximidade
da irmã morte, expressa de forma estupenda essa reconciliação e interação com a
natureza, os primeiros biógrafos do Santo atestam como Francisco em todas as
criaturas reconhecia as marcas indeléveis do Criador e se confraternizava com
todas elas, sem desejo de posse e sem atitude depredatória. O Irmão Universal,
que acolhe e reverencia indistintamente a todos a partir dos mais pobres e
desprezados, é também o irmão cósmico, que não se define pelo que o diferencia
das demais obras geradas pelo Artista Divino, mas pelo que com elas possui em
comum, numa grande confraternização.
São Boaventura de Bagnoreggio,
um dos seus primeiros biógrafos, chega a afirmar que Francisco reconhecia nas
coisas belas o Belo por excelência, a fonte e origem de tudo o que existe nesse
espaço vital que é a Terra. Os elementos da natureza tornam-se memória
explícita do seu Autor e daí sua contemplação e reverência como possibilidade
de comunhão e celebração com Ele. Assim, Boaventura sugere que todos os seres
criados são como vestígios que permitem o reconhecimento do Criador. Essa
compreensão franciscana repercutiu fortemente em Giotto (1266-1337), iniciador
da linguagem artística ocidental, precursor do Renascimento e bastante ligado
aos frades menores de Florença. O primeiro grande ciclo giottesco é justamente
o de Assis (Basílica de São Francisco) e nestes afrescos é evidente a conclusão
de que o pintor bebeu nas fontes do Pobrezinho e
de seus companheiros a percepção absolutamente realista do sagrado e positiva
da realidade circundante. Rompendo o rigor do dourado bizantino, a Criação (céu
esplendidamente azul, cascatas, árvores, montanhas da verde e bela Úmbria…)
passa a ser compreendida como caminho, e não obstáculo para se adentrar no
Mistério. Beleza e verdade, sem dualismos, pois tudo o que provém da Fonte da
Vida é epifânico e diáfano (manifestação) de sua Bondade e presença.
Recordar Francisco de Assis e
sua cortesia neste tempo de mudanças climáticas, de ameaças graves aos direitos
dos povos originários com o Marco Temporal, de avanço de ávidas mineradoras em
grande parte do território de nosso Regional e outras tantas expressões do
descuidado humano com a casa-Terra, pois, é relevante. A propósito, sabe-se
hoje que não é possível defender a Amazônia sem defender os seus moradores e
habitantes. Os povos originários e populações tradicionais além de guardiões de
hábitos e costumes milenares são também grandes defensores das florestas.
Como nosso caro Francisco de Roma, importa deixar-se impactar pelo seu atualíssimo testemunho para sermos também nós profetas da vida e defensores da Criação, num modo radicalmente novo de viver e conviver com os irmãos e irmãs que partilham conosco esse habitat comum ainda tão belo e encantador.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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