LIVRAR-SE DE PRECONCEITOS
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
O preconceito, em suas diferentes formas de
manifestação, conduz historicamente a sociedade brasileira a lamentáveis
atrasos, que podem gerar ainda mais preconceitos. Um ciclo perverso com
consequências especialmente graves para o grande contingente de excluídos. Os
meios de comunicação dedicam serviço relevante ao denunciar o preconceito,
convocando diferentes segmentos do País a contribuir para mudar a realidade
acentuadamente desigual. Além disso, crescem as providências legislativas e as
mobilizações cidadãs para enfrentar as discriminações. Mas ainda se está muito
distante de cenários aceitáveis. Prevalecem atitudes que perpetuam exclusões na
organização sociopolítica. Dentre as consequências dessas exclusões está a
multiplicação dos pobres, com significativa parcela da população encarcerada na
fome, para que pequenos grupos possam usufruir de privilégios. Há muito o que
fazer: investir nas articulações sistêmicas, com o envolvimento de diferentes
instituições sociais, para superar essa situação preocupante. Igualmente
urgente: deve-se cuidar para construir uma base insubstituível de formação
moral e cultural, capaz de refinar sentimentos e promover uma adequada
compreensão humanística a respeito do semelhante. Assim, pode-se tocar no
coração de cada pessoa, em um amplo processo educativo.
Enquanto se aplica a legislação no combate aos
preconceitos e discriminações é muito importante investir na dimensão moral da
sociedade. A moral cristã é capaz de oferecer fundamentos essenciais: na
maestria pedagógica de Jesus, referência especial ao famoso Sermão da Montanha,
narrado pelo evangelista Mateus, está uma interpelante indicação do Mestre –
não cometer homicídio, nem ofender o semelhante. A orientação de Jesus é jamais
faltar com a caridade, nunca negociar o devido respeito à dignidade de toda
pessoa. Mas, por fragilidade emocional, pela soberba de apegar-se aos
próprios juízos, o ser humano relativiza a lição de Jesus. Com isso, esquece-se
do que diz a Palavra de Deus: “Quem cometer homicídio, será réu no julgamento”
e “aquele que tratar seu irmão com ira, será réu no julgamento”.
A justiça não pode ser comprometida e, por
isso mesmo, deve-se revestir o coração com uma espiritualidade qualificante,
capaz de ajudar o ser humano a saber tratar o seu semelhante. O horizonte
cristão com seus princípios morais e educativos é luminoso, pois contribui para
debelar atitudes preconceituosas. Esse horizonte traz um conjunto de indicações
que, se devidamente acolhidas, podem recompor sentimentos na contramão de perversidades.
Dentre as indicações, oportuno é retomar o que diz o apóstolo Paulo, na sua
Carta aos Romanos: “Não te deixes vencer pelo mal, vences antes o mal com o
bem”. Trata-se de um princípio clássico para vencer atitudes discriminatórias.
A orientação do Apóstolo abre um fecundo itinerário para enfrentar
preconceitos, pois convoca o ser humano a sensibilizar-se diante do sofrimento
do próximo, especialmente dos pobres e vulneráveis. Assim, ao invés de excluir,
de discriminar, prioriza-se o bem do semelhante, daqueles que são pobres e
historicamente carregam o peso da discriminação.
Os princípios cristãos têm força incidente para romper com o círculo vicioso que aprisiona a sociedade em uma convivência ilusória e perversa, com dinâmicas que excluem muitas pessoas. Esse círculo pode ser vencido ao se investir no amor fraterno, antídoto para preconceitos de todo tipo. A lógica do amor cristão não pode ser relativizada, mas assumida radicalmente, em uma experiência espiritual que confere à mente humana a capacidade para estabelecer relações pautadas no respeito, no reconhecimento e na reverência a cada pessoa. Assim, a espiritualidade cristã cumpre um papel profético, capaz de levar a mudanças urgentes na sociedade. São, pois, importantes e urgentes as providências legislativas para coibir discriminações, o trabalho educativo e permanente de instituições que buscam vencer preconceitos. Especialmente indispensável é a assimilação dos princípios morais cristãos, capazes de inspirar a constituição de novo tecido sociopolítico no Brasil, permitindo ao país livrar-se de preconceitos.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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