Arquivo 30Dias - 06/07 -2007
Quem tem medo do urso russo
Entrevista com Maurizio Blondet, autor de Stare con Putin? “O processo de integração entre Europa e Rússia está nos fatos. Trata-se apenas de acompanhá-lo evitando que outros, pelos seus interesses, destruam-no”.
Entrevista com Maurizio Blondet de Davide Malacaria
“Rússia e Europa podem apenas integrar-se cada vez
mais, é uma espécie de destino fatal”. São palavras de Maurizio Blondet, por
muito tempo jornalista de primeira fila do Avvenire, o jornal dos
bispos italianos, no qual escreveu muitos editoriais. Há muito tempo Blondet
abandonou os desafios diários do jornal católico, para dedicar-se a um jornal
on-line, Effedieffe.com, com traços mais fortes, mas sempre muito
interessante e bem documentado. Publicou há pouco tempo o livro Stare
con Putin?, ou seja, o tema da nossa entrevista. Nosso encontro foi antes
da cúpula informal entre o presidente dos Estados Unidos George W. Bush, e o
presidente da Rússia Vladimir Putin, realizada nos primeiros dias de julho em
Maine, a residência de Bush sênior. Um encontro que suscitou
esperanças. A serem verificadas.
Por que Stare con Putin?
MAURIZIO BLONDET: Creio que o presidente russo depois do 11 de setembro e
início da chamada guerra ao terrorismo, tenha representado um ponto de
estabilidade, de equilíbrio no mundo. E a Europa só tem a ganhar integrando-se
com a Rússia. Porém, infelizmente os burocratas de Bruxelas, os vários Barroso,
os Solana, remam contra; são pessoas que guiam a Europa sem qualquer aval
popular e que apenas complicam esta integração. Talvez devam obedecer a outros,
a alguém que não tenha nenhum interesse a este processo.
Ou seja?
BLONDET: Os Estados Unidos principalmente. Há os que querem marginalizar a
Rússia e torná-la uma pequena potência asiática.
Uma tese levemente complotista…
BLONDET: Nada disso. Li uma passagem de um ensaio de 1997 de Zbigniew
Brzezinski, ex-Secretário de Estado de Carter: “A Ucrânia, novo e importante
espaço no cenário eurásico, é uma coluna geopolítica porque a sua própria
existência como país independente consente a transformação da Rússia. Sem a
Ucrânia a Rússia deixa de ser um império eurásio. A Rússia sem a Ucrânia pode
ainda lutar pela sua situação imperial, mas será apenas um império
substancialmente asiático, provavelmente enredado em conflitos deteriorantes
com as nações da Ásia Central, que seriam sustentadas pelos Estados Islâmicos, seus
amigos do Sul. […] Os Estados que merecem o maior apoio geopolítico americano
são o Azerbaijão, o Uzbequistão e (fora desta área) a Ucrânia, pois todos os
três são pilastras geopolíticas. Pode-se dizer que a Ucrânia é o Estado
essencial, pois influenciará a evolução futura da Rússia. Uma leitura útil para
entender o que aconteceu nestes últimos anos. Foi escrito muitos anos antes que
estourassem as “revoluções coloridas”.
Revoluções coloridas…
BLONDET: A revolução laranja na Ucrânia, a mais importante do ponto de vista
geopolítico, a revolução rosa na Geórgia, e depois as dos países Bálticos e dos
países asiáticos como o Uzbequistão, o Quirguistão. Todas financiadas pelos
Estados Unidos através de inúmeras organizações não governamentais que
pulularam nestes países de uma hora para outra, e isso apesar de existir nos
Estados Unidos leis que proíbem manipular as sociedades civis de outros países.
No meu livro contei também do homem mais importante da revolução quirguiz, o
americano Mike Stone, que durante as desordens, criou um jornal no qual se
ensina como se faz uma greve de fome, como se organiza uma manifestação, como
se atua a resistência passiva… e quando as autoridades cortaram-lhe a corrente
elétrica conseguiu do mesmo modo imprimir graças a geradores gentilmente
colocados à sua disposição pela embaixada americana do Quirguistão. Também é
singular a figura de Kateryna Chumachenko, esposa de Victor Yushchenko, líder
da revolução laranja e atual presidente da Ucrânia, nascida em Chicago,
funcionária da Casa Branca sob a presidência de Ronald Reagan e depois do
Departamento do Tesouro. Na Casa Branca era membro da Public Liaison
Office e a sua especialidade era procurar consenso às políticas
reaganianas junto aos grupos anticomunistas do Leste europeu, em particular os
dissidentes ucranianos. São apenas alguns exemplos.
O senhor falava das revoluções que aconteceram nos países da Rússia
asiática…
BLONDET: Trata-se dos países caucásicos e os do Sul que se estendendo do Mar
Cáspio à China, separam a Rússia do Irã, do Afeganistão e do Paquistão. Estados
fundamentais de um ponto de vista geopolítico, pois colocam em comunicação a
Rússia com o Cáspio, que além de tudo é riquíssimo de petróleo e gases
naturais, mas principalmente porque é passagem dos oleodutos russos. Atualmente
os Estados Unidos recruta marines na Geórgia: não têm mais
voluntários americanos, porque estes se oferecem a empresas privadas que pagam
mais, por isso são obrigados a preencher as filas de seus exércitos em países
como estes… Mas nem tudo correu como esperavam os estrategistas
neoconservadores: depois de um período de submissão aos novos patrões
ocidentais, em alguns destes Estados os políticos locais reiniciaram a
estabelecer relações com Moscou. Por outro lado, a Rússia é muito mais próxima
e eles do que os Estados Unidos e é impossível não levar isso em consideração.
Mesmo assim, depois do 11 de setembro os Estados Unidos e a Rússia apareciam
como aliados contra a ameaça terrorista.
BLONDET: Na época os Estados Unidos acreditavam que podiam administrar a
Rússia. Tudo se complicou quando, ao invés, Putin começou a fazer uma política
que levou pouco a pouco a Rússia fora do caos organizado no qual tinha
precipitado sob a presidência de Yéltsin. A guerra do Iraque, que nas idéias
dos estrategistas americanos representava um passo na direção da hegemonia
mundial, causando o aumento do preço do petróleo obteve, ao invés, o efeito,
para eles indesejado, de ajudar a recuperação da Rússia… E Putin usou o
petróleo para sanear a nação, não para enriquecer os bolsos de poucos oligarcas
como acontecia sob a presidência de Yéltsin, quando alguns magnatas sem
escrúpulos garantiram para si, por míseros centavos, graças aos contatos com o
então presidente russo, as enormes riquezas russas.
Os oligarcas… há uma guerra subterrânea entre estes e Putin.
BLONDET: E é o motivo pelo qual o presidente russo foi alvo de tantos ataques
por parte ocidental. Até a prisão do magnata Mikhail Khodorkovski, em outubro
de 2003, as relações com o Ocidente eram boas. Depois disso precipitaram: desde
então Putin foi acusado de atentar à democracia e muitas outras coisas… Com
efeito a prisão de Khodorkovski foi o sinal de inversão de tendência, o sinal
de que para os oligarcas tinha acabado o tempo das vacas gordas, que o novo inquilino
do Kremlin não iria tolerar as roubalheiras destes senhores que gozavam do
apoio da finança internacional. Khodorkovski tornara-se o proprietário da maior
empresa petrolífera russa, a Yukos, desembolsando 309 milhões de dólares para
adquirir 78% das ações… Um dia depois na Bolsa de Valores russa a empresa
demonstrava o seu verdadeiro valor: 6 bilhões de dólares.
Obviamente o dinheiro não era seu, mas lhe foram emprestados por conhecidos
financistas ocidentais aos quais, antes de ser preso, tentava revender a
empresa.
No seu livro o senhor alude a relações entre os
oligarcas e os terroristas chechenos.
BLONDET: Não é um mistério que Shamil Basayev, o terrorista que reivindicou a
tragédia de Beslan, na qual morreram 394 pessoas, das quais 156 crianças, era o
chefe dos guarda-costas de Boris Abramovich Berezovzky, o mais poderoso destes
oligarcas, atualmente “exilado” em Londres. Assim como Aslan Maskhadov, outro
chefe da guerrilha Chechênia, também implicado, entre outras coisas, na
tragédia de Beslan, era um dos guarda-costas de Berezovzky… mas a guerrilha da
Chechênia é toda uma história a ser contada. Quando, em um tiroteio, as tropas
russas mataram Rizvan Chitigov, então número três da guerrilha, encontraram em
seu corpo a clássica plaquinha metálica dos marines, com seus dados
gravados e no bolso, a greencard americana, ou seja, o visto
de residência permanente nos Estados Unidos. Isso é apenas para dizer que os
Estados Unidos têm interesse em manter aberta a chaga da guerra Chechênia, um
espinho cravado nas costas da Rússia…
Porém quase todos os oligarcas já se repararam no exterior…
BLONDET: Mas ainda têm contatos dentro da Rússia. Não podemos esquecer que não
é gente que nasce de um dia para outro. São homens provenientes da nomenklatura soviética
com sólidos contatos na polícia e nos serviços secretos. Tanto que as relações
de Putin com esses homens é um alternar-se de contrastes e de pactos
necessários. Putin colocou seus homens nos lugares-chave, mas não pode
controlar tudo o que acontece na Rússia.
Em outubro do ano passado foi assassinada Anna Politkovskaja, uma jornalista
que não poupava críticas a Putin. Este homicídio lançou uma sombra sobre o
presidente russo.
BLONDET: Creio que este era justamente o objetivo dos assassinos. É evidente
que o único a não ter interesse neste delito era o próprio Putin. Pessoalmente
tenho certeza que a jornalista tenha sido uma vítima sacrifical imolada sobre o
altar do anti-imperialismo russo. Alguns ambientes consideraram que seria mais
útil morta do que viva. Devo sublinhar que o clamor da mídia sobre este
homicídio foi excessivo. Enquanto um outro delito notável teve uma repercussão
bem diferente: pouco antes da jornalista, foi morto Andrei Kozlov,
vice-presidente do Banco Central da Rússia, homem de primeiro escalão da
Federação Russa. Kozlov estava conduzindo um inquérito sobre a lavagem de
dinheiro e estava para retirar algumas licenças bancárias. Um gesto devastador
para certos ambientes financeiros. Certamente Kozlov não agia contra Putin, por
isso este delito passou inobservado no Ocidente.
Outro delito notável, o de Aleksandr Litvinenko, morto em novembro de 2006.
Outras acusações a Putin…
BLONDET: Muito se disse sobre o polônio, a substância radioativa com a qual foi
envenenado… mas pode-se realmente acreditar que Putin tenha dado ordem de matar
alguém usando uma substância que deixa vestígios por tudo, de modo que para
encontrar o culpado basta seguir o vestígio radioativo? Na minha opinião, assim
como para Anna Politkovskaja, também Litvinenko foi uma vítima sacrifical para
desacreditar o presidente russo. Mesmo que neste caso alguma coisa tenha sido
diferente. O pobre Litvinenko não morreu logo, mas, na sua longa agonia, falou
muito, deixando uma quantidade prodigiosa de entrevistas, nas quais lançou
acusações contra as autoridades russas (e aqui também deve-se sorrir pensando
em um mandante que deixa à vítima um tempo tão longo para poder falar… há
métodos bem mais rápidos para matar). O fato singular é que, dada a situação,
ninguém podia estar à sua cabeceira. Todas as suas palavras foram ouvidas por
uma só pessoa autorizada a encontrar o moribundo, um certo Alex Goldfarb, que
age como uma espécie de porta-voz do doente. É ele que apresenta as palavras de
Litvinenko ao exterior, que explica, que acusa… No meu livro chamo a atenção
para o fato de que também foram encontrados vestígios de polônio no escritório
de Berezovsky. Creio que seja um particular que deveria ser aprofundado.
Recentemente a Casa Branca anunciou que instalará na Polônia um sistema de
mísseis de nova geração, para contrastar, dizem, a possível ameaça iraniana.
Ato que suscitou reações negativas em Moscou.
BLONDET: Óbvio, porque na Rússia, justamente, percebe-se esta iniciativa como
uma ameaça contra eles. A abertura sucessiva de Putin, que propôs criar uma
colaboração entre EUA-Rússia para implementar este escudo espacial em algum
estado soviético desestabilizou os neoconservadores. Não podem dizer não porque
a proposta é mais do que racional, por outro lado não se entende o que a
Polônia tem a ver com o Irã, mas tentarão de todos os modos fazer com que
naufrague. Veremos os acontecimentos.
O senhor também considera o Irã uma grave ameaça
internacional?
BLONDET: Quando, recentemente, Bush foi à Índia, ofereceu àquela nação
colaboração para desenvolver tecnologia nuclear. Exatamente o que quer impedir
que o Irã possua. Na realidade para os neoconservadores o ataque ao Irã
tornou-se uma verdadeira obsessão. Alguns meses atrás, falando ao Congresso americano,
Brzezinski disse que a atual administração americana seria capaz de fazer um
atentado em território americano e atribuir aos islâmicos, para conseguir um
pretexto para atacar o Irã…
Paradoxal… mas não tinha dito que Brzezinski era fautor de uma política
agressiva por parte dos Estados Unidos?
BLONDET: Brzezinski, como Kissinger, é um estrategista político que,
justamente, preocupa-se com o destino da própria nação, busca a sua
prosperidade, mesmo que às vezes com métodos discutíveis. Mas de trata de
pessoas que conhecem os caminhos da política e da diplomacia. Nada a ver com a
insensatez dos neoconservadores (neocon), fomentadores da guerra preventiva, da
exportação da democracia a base de canhões, da reorganização do Oriente Médio
em base aos direcionamentos da direita israelense… Uma loucura que se fixou no
centro da velha política americana, revirando-a. Há diferença entre estes e
aqueles, uma diferença que desembocou em um conflito aberto.
Voltemos a Putin. Dizia que a integração entre Rússia e Europa…
BLONDET: … traria apenas benefícios. Na realidade esta integração já está sendo
construída dia após dia. Atualmente está para iniciar a construção de uma linha
ferroviária a alta velocidade entre a Alemanha e a Rússia, da qual se fará uma
conexão entre Rússia e China. Deste modo as mercadorias chinesas, as de um
certo valor, entende-se, poderão chegar à Europa por terra, evitando rotas mais
longas e dispendiosas. Nesta perspectiva situa-se também a construção de um
gasoduto sob o Mar Báltico que, passando pela Polônia, abastecerá a Europa
evitando que este precioso recurso passe através dos territórios das
democracias do Leste, facciosas com os Estados Unidos. Enfim a integração está
acontecendo. Trata-se apenas de acompanhar este processo, evitando que outros,
pelos seus interesses, o destruam.
Nestes últimos anos muitos analistas notaram uma aproximação entre a Rússia
e a China.
BLONDET: Entre os dois gigantes asiáticos sempre houve uma desconfiança. A
política agressiva dos Estados Unidos teve como efeito aproximar o que sempre
ficou separado. Entre a China e a Rússia nasceram sinergias militares,
econômicas e comerciais, mas não é dito que este processo seja anúncio de
ulteriores progressos. A China tem um destino asiático, a Rússia europeu. É
importante sublinhar isso.
Fonte: http://www.30giorni.it/
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