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domingo, 23 de julho de 2023

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (5/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos 

CARD. Alfons M. Stickler

          4. O testemunho dos Padres e dos escritores eclesiásticos 

Os Padres e os escritores eclesiásticos pertencem à categoria das mais importantes testemunhas da fé e da tradição nos primórdios da Igreja. 

Sobre a questão da continência do clero é conveniente escutar primeiro a Santo Ambrósio. Na sua sede em Milão, na qualidade de “Consularis Aemiliae et Liguriae“, Ambrósio, eleito bispo, se tornou rapidamente um dos mais importantes homens da Igreja do Ocidente. No que diz respeito ao nosso assunto, este Pastor, especialmente sensível às obrigações jurídicas, devido a sua anterior atividade civil, tinha idéias muito claras. Ensina que os ministros do altar que estavam casados antes de sua Ordenação, não deveriam continuar usando do matrimônio depois da Ordenação, ainda que essa obrigação não tivesse sido sempre observada do modo devido, nas regiões mais remotas. Confrontado com a permissão vétero-testamentário, deve-se ver um novo mandato do Novo Testamento, pois os sacerdotes deste estão obrigados a uma oração e a um ministério santo constante e contínuo. 

São Jerônimo, que conhecia bem, por experiência própria tanto a tradição do Ocidente como a do Oriente, disse na sua refutação do ano 393 a Joviniano, sem insinuar nenhuma distinção entre Ocidente e Oriente, que o Apóstolo Paulo, na famosa passagem de sua carta a Tito, ensinou que um candidato casado à Ordem sagrada deveria ter casado uma só vez, deveria ter educado bem aos filhos que tivesse, mas não podia procriar outros filhos. Devia, portanto dedicar-se à oração e ao serviço divino e não só por um tempo limitado, como no Antigo Testamento, como conseqüência, “si semper orandum et ergo semper et semper carendum matrimonio”. 

Em sua dissertação “Adversus Vigilantium” do ano 406, São Jerônimo repetia o dever dos ministros do altar de ser sempre continentes. E neste sentido afirma que esta é a prática da Igreja do Oriente, do Egito e da Sé Apostólica, onde só se aceita clérigos celibatários e continentes, ou, se são casados, que tenham renunciado previamente à vida matrimonial. Já no seu “Apologeticum ad Pammachium” tinha dito que também os Apóstolos eram “vel virgines vel post nuptias continentes”; y que “presbiteri, episcopi, diaconi aut virgines eiguntur aut vidui aut certe post sacerdotium in aeternum pudici“.

Santo Agostinho, bispo de Hipona desde o ano 395/96, não só conhecia bem a obrigação geral do clero maior à continência, senão que havia participado nos Concílios de Cartago onde tal obrigação tinha sido repetidamente afirmada, apontando sua origem nos mesmos Apóstolos e numa constante tradição do passado. Não se conhece nenhuma dissidência sua em tais ocasiões. Em sua dissertação “De coniugiis adulterinis” também afirma que homens casados, que de repente e por isso mesmo, quase em contra de sua vontade, fossem chamados a fazer parte do clero maior e ordenados, estão obrigados à continência, tornando-se assim um exemplo para aqueles leigos que, por viver longe de suas mulheres, são vulneráveis especialmente ao adultério. 

O quarto grande Padre da Igreja Ocidental, Gregório Magno, já foi exposto como testemunha da continência dos ministros sagrados ao examinar os Romanos Pontífices. 

Da prática disciplinar ocidental considerada até o momento concluímos que: a continência própria dos três últimos graus do ministério clerical se manifesta na Igreja como uma obrigação que se remonta aos começos da Igreja, e que foi transmitida como um patrimônio da tradição oral. Após a era de perseguição e, especialmente, as como conseqüência das conversões cada vez mais numerosas, que exigiu também numerosas ordenações, houve amplas transgressões dessa obrigação, contra ao quais os Concílios e a solicitude dos Romanos Pontífices procederam cada vez com maior insistência por meio de leis e disposições escritas. Nestas aparecem também as conseqüências de tais transgressões, que consistem na suspensão ou expulsão do sagrado ministério. 

Tudo isto nunca é apresentado como uma inovação, mas é sempre posto em referência com a origem da Igreja. Estamos autorizados, portanto, conforme as regras de um correto método jurídico-histórico, a considerar dita práxis como uma verdadeira obrigação vinculante transmitida por tradição oral antes de ter sido fixado por leis escritas. Quem quiser afirmar o contrário não somente se oporia a uma metodologia científica válida, mas também estaria tachando de mentirosos – porque de ignorância não poderiam ser acusados – a todos os testemunhos unânimes que até agora escutamos.

         5. Evolução da questão nos seguintes séculos

Nesta base, deduzida da prática da Igreja primitiva, podemos acompanhar o desenvolvimento do celibato eclesiástico nos séculos seguintes. Primeiro, vamos nos referir ao Ocidente. 

Tal como nos primeiros tempos, também nas épocas posteriores muitos dos ministros sagrados eram sem dúvida escolhidos entre os homens casados. Esta situação é demonstrada pelo fato de que muitos Concílios da Espanha e da Gália insistir repetidamente (e sem interrupção) na obrigação da continência desses ministros. 

As sanções foram atenuadas em algumas ocasiões, como, por exemplo, no Concílio de Tours, no ano 461, onde não se pune já com a e excomunhão para toda a vida, mas apenas com a exclusão do serviço eclesiástico. 

Além disso, é cada vez mais enfatizada a preocupação da Igreja para dispor de candidatos às ordens maiores que sejam celibatários e para reduzir o número dos candidatos casados, já que a experiência mostrava o perigo permanente da debilidade humana ante as obrigações assumidas por estes candidatos. 

Outra disposição que deve ser constantemente recordada e renovada foi a proibição de qualquer clérigo maior para viver sob o mesmo teto com mulheres que não oferecesse plena confiança pelo que se refere à observância da continência. 

Para estabelecer um juízo de conjunto sobre a disciplina celibatária na Europa medieval, são muito significativas as disposições relativas à Igreja Insular (Irlanda – Bretanha). Os Livros Penitenciais, que refletem fielmente a vida e a disciplina em vigor nesta igreja em muitos aspectos demonstram inequivocamente a validade, para os clérigos maiores insulares previamente casados, das mesmas obrigações que estamos vendo. O que continuasse usando do matrimônio com sua esposa era considerado culpado de adultério e castigado convenientemente. Se essas obrigações onerosas eram exigidas e observadas substancialmente também na Igreja insular, na qual estavam em vigor rudes costumes entre os seus habitantes, dos quais esses livros nos dão uma viva prova, temos uma ótima demonstração de que o celibato era também possível ali, ainda que, provavelmente, só por uma nobre tradição que ninguém punha em dúvida. 

Juntamente com os perigos gerais periódicos que ameaçavam sempre e em toda parte a continência do clero, sempre existiu na história da Igreja momentos, circunstâncias e regiões onde surgiram perigos extraordinários que provocavam de modo muito especial à autoridade da Igreja. As dificuldades deste tipo eram produzidas pelas heresias bastante difundidas. Um exemplo é o arianismo dos visigodos, ainda a operar após a conversão ao catolicismo de seu reino na Península Ibérica. O Concílio de Toledo de 569 e o de Zaragoza em 592 emanaram normas explícitas neste sentido para os clérigos provenientes do arianismo.

          6. A Reforma gregoriana

Uma das mais graves crises que afetou a continência do clero foi a que se deu em todas as regiões da Igreja Católica ocidental, afetadas pelas desordens que levaram à reforma Gregoriana. Essas regiões eram aquelas partes da Europa onde tinha penetrado, com maior ou menor difusão, o chamado sistema beneficial eclesiástico, que basicamente dominou toda a vida pública e, mais tarde, também a vida privada da Igreja e da sociedade eclesiástica. 

Os bens patrimoniais do benefício eclesiástico, que estavam ligados a todos os ofícios da Igreja, altos ou baixo, conferiam ao detentor do benefício, e portanto também do ofício, uma grande independência econômica e por isso, freqüentemente profissional, uma vez que o ofício que acompanhava ao benefício não se podia retirar facilmente. A concessão do benéfico-ofício, que vinha realizada com freqüência através de leigos que possuíam esse direito – proveniente da Igreja em sentido estrito ou lato – situavam nos ofícios eclesiásticos de bispos, abades e inclusive de párocos a candidatos com freqüência pouco preparados e até mesmo indignos. A concessão e a designação dos ofícios por parte de leigos poderosos, que neste assunto atendiam mais aos interesses seculares e profanos que aos espirituais e religiosos da Igreja, conduzia aos outros dois males fundamentais: a simonia, ou seja, a compra dos ofícios, e o nicolaismo, isto é, a estendida violação do celibato eclesiástico. 

Após o fracasso das reformas regionais, os Papas começaram a enfrentar esta situação difícil da Igreja europeia. Conseguiram, devido ao empenho de Gregório VII, enfrentar este grave perigo que tinha envolvido à hierarquia da Igreja em todos os seus graus. 

 Assim, esse perigo levou a um impulso decidido para a reintegração da antiga disciplina celibatária; para isso foi necessário cuidar especialmente a eleição e a formação dos candidatos ao sacerdócio, para o qual se limitava cada vez mais a aceitação de homens casados, buscando assim o retorno a uma observância geral da obrigação da continência. 

Outra conseqüência importante desta reforma é a disposição, solenemente declarada no segundo Concílio de Latrão do ano de 1139, de que os casamentos contraídos pelos clérigos maiores, como também os das pessoas consagradas mediante votos de vida religiosa, não só eram ilícitos, mas também inválidos. Isto levou a um grande equívoco difundido ainda hoje: o de que o celibato eclesiástico foi introduzido somente a partir do Concílio Lateranense II. Na realidade, ali só se afirmou que era inválido o que sempre tinha sido proibido. Esta nova sanção confirmava, de fato, uma obrigação existente há muitos séculos.

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF