Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos
CARD. Alfons M. Stickler
8. A continuidade da doutrina da Igreja na Idade Moderna
A contínua vida de sacrifício que implica tão grave compromisso só pode
ser vivida se for alimentada por uma fé viva, já que a fraqueza humana é
sentida continuamente. A motivação sobrenatural só pode ser entendida de modo
permanente com essa fé, sempre conscientemente vivida. Se a fé se esfria também
diminui a força para perseverar; onde fé morre, morre também a
continência.
Todos os movimentos heréticos e cismáticos que apareceram na Igreja são
uma renovada demonstração desta verdade. Uma das primeiras conseqüências que
ocorrem entre os seus seguidores é a renúncia da continência clerical. Não
pode, portanto, causar surpresa o fato de que também nas grandes heresias e
defecções da unidade da Igreja Católica no século XVI, ou seja, entre os
luteranos, calvinistas, seguidores de Zwinglio, ou Anglicanos, a renúncia
rápida ao celibato eclesiástico. Os esforços de reforma do Concílio de Trento
para restaurar a verdadeira fé e a boa disciplina na Igreja Católica, portanto,
deveram também abordar os ataques contra a continência dos ministros sagrados.
Da história deste Concílio já é conhecida com absoluta certeza que
muitas pessoas, especialmente imperadores, reis, príncipes e mesmo
representantes da mesma Igreja, com a boa intenção de recuperar os ministros
sagrados que haviam deixado a Igreja Católica, se empenharam em obter uma
redução ou uma dispensa desse dever. Mas uma comissão criada pelos Romanos
Pontífices para tratar esta questão concluiu, considerando toda a tradição
precedente, que se devia manter sem comprometer a obrigação do celibato: a
Igreja não estava capacitada para renunciar a uma obrigação válida desde seu
começo e depois sempre renovada.
Por razões pastorais se deu permissão especial para que na Alemanha e na
Inglaterra os sacerdotes apóstatas, depois de renunciar a toda convivência e
utilização do casamento, podiam ser absolvidos e reintegrados ao seu ministério
na Igreja Católica. Caso rejeitassem o retorno ao clero, podia ser sanada a
invalidez de seu matrimonio; mas, nesse caso, seriam excluídos para sempre do
ministério sagrado.
Note-se também que os Padres do Concílio de Trento, não só renovaram
todas as obrigações nesta matéria, mas também se recusaram a declarar a lei do
celibato da Igreja Latina como uma lei puramente eclesiástica, da mesma forma
que haviam negado incluir à Virgem Maria sob a lei universal do pecado
original.
Mas a decisão mais radical do Concílio de Trento para salvaguardar o
celibato eclesiástico foi a fundação de Seminários para a formação de
sacerdotes, que foi estabelecido pelo famoso cânone 18 da Sessão XXIII e
imposta a todas as dioceses. Os jovens deveriam ser eleitos para o sacerdócio,
formados e fortalecidos para o ministério nestes Seminários.
Esta decisão providencial, que se tornou realidade progressivamente em
todos os lugares permitiu à Igreja contar com tantos candidatos celibatários
para os graus superiores do sagrado ministério, que a partir de então, se pode
ir prescindindo de ordenar homens casados, o que tinha sido um desejo explícito
de muitos Padres conciliares.
Desde então, a noção de celibato até então dominante e muito presente na
mentalidade dos fiéis, que incluía tanto a obrigação de continência completa no
uso do matrimônio contraído antes da ordenação, bem como a proibição de se
contrair novas núpcias, foi restringida a esta última. Daí procede que hoje se
entenda o dever do celibato eclesiástico só como proibição de se casar.
A Igreja tem sido sempre forte em preservar a sua tradição em relação ao
celibato, mesmo nos tempos difíceis que se seguiram. Um claro testemunho é
fornecido pela Revolução do final do século XVIII e início do século XIX.
Também se adotou nesta ocasião a prática do século XVI: os sacerdotes que
tinham se casado durante a Revolução tinha de decidir: ou renunciar ao
matrimônio civil invalidamente contraído, ou procurar sanar esta invalidez na
Igreja. No primeiro caso, podiam ser readmitidos ao sagrado ministério; no
segundo, ficavam excluídos definitivamente do ministério, como já havia
estabelecido a primeira lei escrita sobre esta matéria, que já conhecemos: a do
Concílio de Elvira.
A Igreja se opôs também a todas as outras tentativas feitas para abolir
o celibato dos ministros sagrados, como os esforços feitos em Baden-Württemberg
em tempos de Gregório XVI, ou o movimento Jednota da Mohêmia em tempos de Bento
XV.
É novamente importante a abolição imediata do celibato entre os “velhos
católicos” após o Concílio Vaticano I. Não é menos clara a oposição da Igreja
contra as tentativas, constantemente renovadas após o Concílio Vaticano II, de
ordenar a viri probati, quer dizer, homens casados sem exigir-lhes
a renúncia ao matrimônio, ou de permitir o matrimônio dos sacerdotes.
Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO
Tradução para o português:
Pe. Anderson Alves.
Contato: amralves_filo@yahoo.com.br
Fonte:
https://presbiteros.org.br/
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