Celibato eclesiástico (Presbíteros) |
Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos
CARD. Alfons M. Stickler
4. A fragmentação do sistema disciplinar no Oriente
Isto leva-nos ao ponto central na história do celibato ministerial na
Igreja bizantina e nas Igrejas Orientais a ela associados. Algumas
considerações preliminares ajudarão a entender a questão corretamente.
Como vimos até agora, um compromisso tão oneroso, humanamente
falando, como o celibato, sempre teve que pagar ao longo da história o tributo
da debilidade humana. Já Santo Ambrósio de Milão o testemunhou, afirmando que
nem sempre correspondia o cumprimento com o preceito, sobretudo nas regiões
mais remotas, também no Ocidente. O mesmo assinalava Epifânio de Salamina,
falando do Oriente. Adverte-se, portanto, com claridade que há uma necessidade
de permanente atenção e uma ajuda constante para manter esta prática. No
Ocidente, os Concílios regionais e os Papas não cessaram de intervir, exortando
à observância do celibato e para sustentá-la em todas as suas formas,
garantindo o cumprimento do compromisso assumido, tão necessário para a Igreja.
Tudo indica, porém, essa atenção constante se perdeu no Oriente. Isso
pode ser comprovado, por um lado, pela história dos Concílios regionais
orientais. Certamente se pode notar o efeito benéfico dos esforços comuns a
toda a Igreja Universal, presentes nos Concílios Ecumênicos convocados no
primeiro milênio, no Oriente. Mas esses esforços se referem especialmente a
questões dogmáticas e doutrinais. Os problemas disciplinares e de natureza
pastoral eram enviados às assembleias das Igrejas particulares, tanto para
responder às diferentes circunstâncias dos diferentes regiões, como, sobretudo
por razão da organização patriarcal (Constantinopla, Antioquia, Alexandria,
Jerusalém). Isso dava e implicava certa autonomia de governo, ainda mais
acentuada pela separação de muitas Igrejas particulares, vítimas em maior ou
menor grau de heresias, especialmente cristológicas, que agitavam o Oriente.
Por esta razão, o Oriente como tal não pode chegar a uma atitude
sistematicamente concordada em questões disciplinares, nem sequer sobre
questões comuns de disciplina geral eclesiástica, como o celibato dos ministros
sagrados. Cada Igreja particular emanava suas próprias regras, muitas vezes
diferentes, em função da diversidade de convicções.
Faltava, portanto uma autoridade universal, reconhecida como tal por
todo o Oriente, que poderia proporcionar uma efetiva coordenação da disciplina
geral e que poderia tomar medidas eficazes de controle, vigilância e execução.
Esta situação se reflete claramente naquelas recopilações de normas da
Igreja Oriental, que contêm as prescrições dos Concílios Ecumênicos e dos
Concílios particulares dos primeiros séculos. Mas a legislação dos séculos
sucessivos no foi incluída na recopilação comum formada anteriormente, o Syntagma
canonum. Em lugar das disposições papais, que foram tão importantes para a
coordenação geral da disciplina no Ocidente, foram recolhidos fragmentos de
textos dos principais Padres Orientais, que eram por natureza ascética. Também
foram recolhidas leis imperiais em matéria eclesiástica, fruto do
cesaro-papismo reinante na Igreja bizantina, que eram realmente normas
vinculantes que dava certa uniformidade nos pontos disciplinares que tratava.
Da disciplina ocidental, tanto particular como geral, o Oriente aceitou,
na sua recopilação mais comum de direito eclesiástico, apenas a da Igreja
africana que era mais conhecida e mais próxima, ainda que pertencia ao Ocidente
romano. Além disso, a coleção mais importante e extensa, o Codex
canonum ou Codex canonum Ecclesiae africanae in
causa apiarii – causa na que tinha sido interpelado o Oriente – foi
introduzido no seu Syntagma.
Pela posição e influência exercida no Oriente pelos imperadores existem
os chamados Nomocanones, recopilações nas que eram reunidas leis
eclesiásticas e leis estatais de matéria eclesiástica; a observância dessas
leis nos territórios orientais da Igreja, que ainda estavam sujeitos ao
imperador, estava sob a responsabilidade deste.
Com tal situação na Igreja oriental, se explica também a falta de uma
ação eficaz geral contra a tentação sempre presente de ceder na observância do
dever do celibato dos ministros sagrados. O que se manteve em quase todo o
Oriente, pelo menos para os bispos, foi a antiga tradição da continência
completa, incluindo àqueles que se tinham casado antes da Ordenação, pois
muitos haviam sido eleitos entre os monges. Entretanto, se foi lentamente
julgando impossível deter o uso, cada vez mais estendido, do matrimônio
contraído antes da Ordenação por parte de sacerdotes, diáconos e subdiáconos, e
ainda muito menos recuperável a obrigação da continência completa. Isto
significa que, de fato, se cedeu ante a situação.
Não se deve surpreender de que as primeiras leis que sancionaram
esta situação foram leis imperiais, posto que, não inspiradas certamente em
considerações teológicas, tratavam de regular as condições civis concomitantes
com o ministério sagrado. De fato, enquanto o Código Teodosiano (ano 434)
mostrou que a continência pode ser guardada, ainda que se permita à mulher
habitar com o marido também depois da Ordenação, pois o amor à castidade não
exige expulsá-la de casa (sempre que o comportamento dela antes da Ordenação do
marido tenha demonstrado que ela é digna dele), a legislação do Imperador
Justiniano I em matéria eclesiástica, por sua parte, tanto no Código (ano 534)
como nas “Novellae” (535-536) manifesta uma atitude diversa. Ainda se
mantém a proibição de admitir na Ordem sagrada ao que se tivesse casado mais de
uma vez, assim como a de casar-se depois da Ordenação, e isto para todos os
graus, desde o sub-diaconado em diante. Mas agora se permite a coabitação com a
esposa aos sacerdotes, diáconos e subdiáconos com o fim de que possam continuar
usando do matrimônio, sempre que houvesse sido contraído uma só vez e com uma
virgem.
Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO
Tradução para o português:
Pe.
Anderson Alves.
Contato: amralves_filo@yahoo.com.br
Fonte: https://presbiteros.org.br/
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