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sábado, 29 de julho de 2023

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (11/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

CARD. Alfons M. Stickler

        6. Motivos da nova disciplina adotada: a mudança dos textos:

Os Padres do Concílio II Trullano não podiam encontrar nos seus documentos motivos para a distinção entre as duas posições. Provavelmente não queriam fazer referência ao Antigo Testamento porque, como já vimos, nos argumentos ocidentais e, sobretudo nas disposições dos Romanos Pontífices a favor da completa continência se rejeitava explicitamente e com razoes convincentes este paralelismo, como inadequado em relação ao sacerdócio do Novo Testamento. Mas tinham menos motivos ainda para apelar à legislação imperial, que havia antecipado às decisões eclesiásticas ante uma situação possivelmente já generalizada. 

Posto que em Constantinopla tivesse consciência da falsidade do relato de Pafnucio, não restava mais possibilidade para recorrer a testemunhos da antiguidade cristã, que não procedesse da Igreja de Constantinopla, mas de uma Igreja vizinha à deles, cujos cânones disciplinares tinham sido já incluídos no próprio Código geral. Assim havia sucedido com os cânones do Código africano que tratavam expressamente da continência clerical e também faziam referência aos Apóstolos e à tradição antiga da Igreja. 

Uma vez que tais cânones afirmavam a mesma disciplina, isto é, da completa continência, para bispos, sacerdotes e diáconos, devia ser modificado o texto autêntico dos cânones africanos. Não era algo perigoso, pois no Oriente realmente muito poucos podiam verificar o latim genuíno do texto original. 

Deste modo as palavra do cânon 3 de Cartago: “gradus isti tres (…) episcopos, presbyteros et diaconos (…) continentes in omnibus”, foram substituídos no cânon 13 do Concílio Trullano por estas outras: “subdiaconi (…) diaconi et presbyteri secundum easdem rationes a consortibus se abstineant”, sendo que as palavras “easdem rationes”, opostas às palavras do texto original de Cartago, representavam as mudanças introduzidas pelos Padres trullanos.

Mas em todos estes textos, documentalmente manipulados, se conserva, ou melhor, se busca a referência aos Apóstolos e à Igreja antiga para dar ao celibato bizantino e oriental, através destes testemunhos autorizados, o mesmo fundamento que tinha a tradição ocidental, explicitamente indicado por ela em Cartago e noutros lugares. 

Que podemos dizer diante deste procedimento trullano? Os Padres orientais se sentiam, não há dúvidas, autorizados para decretar disposições particulares para a Igreja bizantina, posto que desde muito tempo antes haviam insistido em sua autonomia jurídica no âmbito da administração e da disciplina. Somente se sentiam obrigados pelas decisões doutrinais da Igreja universal, estabelecidas em Concílios Ecumênicos nos quais também eles tinham participado. Pode-se, desde já, reconhecer naqueles Padres – que estabeleciam as normas de validade geral na sua Igreja – o direito de levar em conta só a situação de fato na questão do celibato dos ministros sagrados, para a que viam possibilidade de reforma frutuosa. Que isto fosse possível em um campo no que, como o caso do celibato, está implicada a Igreja universal é outra questão. Mas o que sem dúvida podemos negar é o direito a fazê-lo com este método: ou seja, mediante uma manipulação dos textos que transforma a verdade na sua contrária. 

Para a Igreja Católica ocidental esta atitude dos Padres trullanos pode ser considerada com uma prova a mais, e não sem importância, a favor da própria tradição celibatária, que se considera apostólica e se fundamenta realmente sobre uma consciência comum à Igreja universal antiga; por isso a tradição celibatária ocidental deve ser considerada verdadeira e justa. 

Devemos ainda nos perguntar o que diz a história sobre essa mudança dirigida a obter uma base de apoio para as novas e até agora definitivas obrigações do celibato na Igreja oriental. Os comentários dos canonistas da Igreja bizantina a essa leitura dos cânones africanos permitem compreender que conheciam o texto original autêntico, e que desde o século XVI em adiante – como, por exemplo o comentário de Mateo Blastares – recolhiam dúvidas sobre a exatidão das referências dos Padres do Concílio Trullano II aos textos africanos. Os intérpretes modernos das disposições trullanas sobre o celibato admitem a inexatidão das referências, mas ao mesmo tempo afirmam que o Concílio tinha autoridade para mudar qualquer lei disciplinar para a Igreja bizantina, e para adaptá-la às condições dos tempos. Fazendo uso desta autoridade podiam também mudar o sentido original dos textos para fazê-los concordar com o parecer e a vontade do próprio Concílio. Mas com toda certeza não era objetivamente lícito alterar o original atribuindo a esse uma autenticidade falsa. 

A historiografia do Ocidente reconheceu há muito tempo e se manifestou também por escrito desde o século XVI a manipulação feita pelo Concílio Trullano II, sobre os textos africanos referidos à continência dos ministros sagrados. Cito, por exemplo, a Barônio e, sobretudo, aos editores das diversas coleções de textos conciliares, entre os quais se destaca J. D. Mansi. 

Falta-nos ainda fazer uma referência às marcas da disciplina genuína disciplina celibatária antiga que permaneceu até nossos dias na nova disciplina trullana, quer dizer, à constante preocupação da Igreja pelo perigo grave e contínuo para os ministros sagrados e sua continência, que é a coabitação com mulheres que estejam acima de qualquer suspeita. Seguindo ao já referido cânone 3 do Concílio de Nicéia, de 325, os mesmos cânones trullanos, examinados anteriormente, tratam dele repetidamente. Semelhante preocupação se deve somente pela solicitude geral para salvaguardar a castidade e a continência dos ministros sagrados em ambas as Igrejas. 

O fato de haver conservado para os bispos da Igreja oriental a mesma severa disciplina sobre a continência que se praticou sempre em toda a Igreja, pode ser considerada como um resíduo na legislação trullana de uma tradição que sempre considerou unidos a todos os graus da Ordem Sagrada numa mesma obrigação de completa continência.  

Também não se compreende por que se conservou, com todo rigor, na Igreja oriental a condição de admitir um único matrimônio entre os candidatos ao sacerdócio casados. Como já vimos (e veremos mais detalhadamente) essa condição tem só um significado razoável em função de um empenho definitivo na continência completa. 

É ainda pouco compreensível a proibição absoluta de se contrair matrimônio depois da sagrada Ordenação, que se mantém ainda quando aos ministros sagrados, desde o sacerdote até abaixo, lhes está permitido o uso do matrimônio. 

Ao que se refere às inovações oficialmente introduzidas pelo Concílio Trullano na questão da continência dos clérigos, que reconduzem o conceito neo-testamentário do ministro sagrado ao conceito levítico do Antigo Testamento, devemos nos perguntar como se podia continuar fazendo isso quando o serviço efetivo do altar se estendeu, também na Igreja oriental, a todos os dias da semana. Se fossem consideradas as razões adotadas para o uso do matrimônio por parte dos sacerdotes vétero-testamentário, deveria ter voltado à completa continência completa dos sacerdotes, diáconos e sub-diáconos tal como se praticava no Ocidente, em atenção às disposições do mesmo Concílio Trullano. Mas isto não se fez em nenhuma parte e desse modo o serviço do altar e o ministério do Santo Sacrifício foram desligados da continência, apesar de que sempre haviam estado unidos a ela, pois eram considerados seu motivo último. 

Nas Igrejas particulares unidas à bizantina, que aceitaram a disciplina trullana, não se verificou nos séculos seguintes nenhuma mudança na práxis do celibato dos ministros sagrados. Às comunidades orientais que se uniram a Roma foi concedido poder continuar na sua tradição celibatária diferente. Mas o retorno dos “uniatas” à práxis latina de continência completa não só não encontrou oposição, mas também foi positiva e favoravelmente aceita. O reconhecimento da diversidade de disciplina concedido pelas autoridades centrais de Roma pode ser considerado como um nobre respeito, mas dificilmente como aprovação oficial da mudança da antiga disciplina da continência. Esta opinião parece estar sustentada pela reação oficial que teve a Santa Sé frente ao Concílio Trullano II, como já assinalamos anteriormente. 

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF