Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos
CARD. Alfons M. Stickler
V. FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DA DISCIPLINA DO CELIBATO:
No atual debate sobre celibato, se dá maior ênfase na necessidade
de aprofundar teologicamente no sacerdócio, a fim de deduzir a verdade e
apreciar a verdade única e completa da teologia do celibato da Igreja Católica
Latina.
Temos, portanto, por este motivo, a tarefa atual e importante de analisar
os elementos teológicos tanto do sacerdócio do Novo Testamento como, a partir
destes, o celibato dos ministros sagrados. Ambos têm suas raízes nas Escrituras
– a principal fonte de Teologia católica – e na Tradição da Igreja, que revela
e interpreta o testemunho escriturístico.
O sacerdócio de Jesus Cristo é um profundo mistério da nossa fé.
Para compreender isto, o homem deve se abrir para uma visão sobrenatural e
submeter a sua razão a um modo transcendente de pensar. Em tempos de fé viva,
que incentiva e orienta não só a cada fiel como pessoa única, mas também
permeia a vida e dá forma à vida de toda a comunidade crente, Cristo Sacerdote
constitui na consciência de todos o centro da vida de fé pessoal e comunitária.
Em tempos de declínio do sentido da fé, pelo contrário, a figura de Cristo
Sacerdote desbota e desaparece cada vez mais da consciência dos homens e da
sociedade, e não está mais no centro da vida cristã.
Esta mesma imagem é também aplicável no caso de um sacerdote de Cristo.
Em tempos de fé viva, na verdade, não é difícil ao sacerdote reconhecer-se em
Cristo, identificar-se com Ele, contemplar e viver a essência do próprio
sacerdócio em íntima união com Cristo Sacerdote, ver nele “a única fonte” e o
“modelo insubstituível” da própria condição sacerdotal.
Mas, em meio a uma atmosfera racionalista que desvia cada vez mais a
mente humana do sobrenatural, em uma época de materialismo que obscurece cada
vem mais a realidade espiritual, torna-se cada vez mais difícil para o
sacerdote resistir à pressão da mentalidade secularizante. A identidade
espiritual e transcendente de seu sacerdócio tende a desvanecer se ele não se
esforça, conscientemente, em aprofundar nela e em mantê-la viva, por meio de
uma íntima união pessoal com Cristo.
Esta crítica situação torna ainda mais indispensável a ajuda para os sacerdotes de uma ascética e de uma mística, adequadas ao estado das coisas. É preciso que lhes revelem a tempo os perigos que ameaçam ao seu sacerdócio, mostrando-lhes as necessidades e que se ponham à disposição os meios que a sua vida sacerdotal requerem. A atual crise de identidade do sacerdócio católico se manifesta toda sua crueza através da renúncia de milhares de sacerdotes ao seu ministério, através também da profunda secularização de muitos outros que continuam em um serviço puramente formal, e enfim, através da escassez de vocações causadas pela rejeição a seguir ao chamado de Cristo. Numa situação deste tipo é uma necessidade fundamental para desenvolver uma pastoral sacerdotal nova, que seja consciente das circunstâncias e das exigências atuais e que responda, em uma palavra, ao “contexto presente”.
- A relação sacerdotal com Cristo
Temos de fazer brilhar com nova luz, sobre o fundamento da tradição, a
essência do sacerdócio católico. O Concílio de Trento, em um momento de crise
semelhante ao nosso, estabeleceu com os seus ensinamentos e definições sobre os
sacramentos da Eucaristia e da Ordem, as bases de uma espiritualidade
sacerdotal fortemente referida a Cristo. Um teólogo como M. J. Scheeben soube
explicar, frente ao racionalismo do século passado, que a Ordenação eleva a
quem a recebe a uma orgânica unidade sobrenatural com Cristo, e que o caráter
indelével impresso pelo sacramento da Ordem habilita ao ordenado para
participar nas funções sacerdotais de Cristo.
Nos últimos tempos, especialmente desde o Vaticano II em diante,
esta relação do sacerdote com Cristo tem sido cada vez mais posta no centro da
essência do sacerdócio, e se pôde aprofundar e alargar desde essa perspectiva
os ensinamentos bíblicos e as doutrinas teológicas e canônicas sobre o assunto.
Tem, assim, adquirido uma nova iluminação teológica, a doutrina tradicional
do sacerdos alter Christus.
Se São Paulo escreve aos coríntios: “Temos de ser considerado pelos
homens como ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus” (1 Cor
4, 1); ou então: “Agimos como embaixadores de Cristo, como se Deus mesmo vos
exortasse através de nós. Suplicamos-vos pois, em nome de Cristo, deixai-vos
reconciliar com Deus” (2 Cor 5, 20), essas expressões podem ser consideradas
como autênticas ilustrações bíblicas da identificação do sacerdote com
Cristo.
No Concílio Vaticano II é continuamente expressa a mesma idéia: “Os
bispos, de modo eminente e visível, façam as vezes de Cristo Mestre, Pastor e
Pontífice, e atuem em sua pessoa” (Lumen Gentium n º 21, com a nota
22, onde se documenta sobre a Igreja antiga). “Os sacerdotes a eles unidos são
partícipes do ofício de Cristo, único Mediador, e exercitam o seu sagrado
ministério agindo in persona Christi (Lumen Gentium n.
28 com a nota 67; Christus Dominus n. 28). Através do
sacramento da Ordem e do caráter por ele impresso, são configurados a Cristo e
atuam em seu nome (Presbyterorum Ordinis nn. 2, 6, 12; Optatam
totius n. 8; Sacrosanctum Concilium, n. º 7).
Após o Concílio aumentou essas formas de expressão, também por parte da
Cúria Romana. A Congregação para a Educação Católica, nas normas fundamentais
para a formação dos sacerdotes de 1970, acentuou em uma afirmação de princípio
que o sacerdote se faz, através da Ordem Sagrada, um “alter Christus“. E
o novo Código de Direito Canônico de 1983 diz no cânon 1008: “Com o sacramento
da Ordem e com o caráter indelével com o que ficam marcados aqueles que o
recebem, os ministros da Igreja são consagrados e destinados a reunir-se, cada
um no seu próprio nível, os cargos de ensinar, santificar e governar in
persona Christi e de pastorear o povo de Deus.”
De uma forma ainda mais intensa, tem se ocupado do sacerdócio e do
ministério dos sacerdotes, desde o início do seu pontificado, o atual
pontífice, João Paulo II. Desde 1979, nas Quintas-Feiras Santas de cada ano,
dirige uma mensagem aos sacerdotes. Em repetidas vezes utiliza ocasiões
especialmente adequadas – audiências, discursos e, especialmente, as freqüentes
ordenações sacerdotais – para posicionar na sua justa luz teológica e pastoral
atual, a natureza e a essência do sacerdócio católico, bem como a aprofundar o
seu significado.
O mais importante ato oficial do Papa, com referência ao sacerdócio foi,
sem dúvida, a convocação e a realização do oitavo Sínodo dos Bispos, que teve
por objetivo a formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais. Um dos pontos
centrais das discussões dos Padres sinodais foi a noção justa da identidade
sacerdotal, vistas as coisas no mundo de hoje e em meio a grave crise em que se
encontra o sacerdócio católico. Síntese e coroação dos trabalhos sinodais foi a
Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, publicado em
25 de março de 1992, dedicada, precisamente, à formação dos sacerdotes nas
circunstâncias atuais.
No segundo capítulo da Exortação Apostólica o Papa aborda a “natureza e
a missão do sacerdócio ministerial”, e informa expressamente que as
intervenções dos Padres na aula sinodal “mostrou a consciência do vínculo
ontológico específico que liga o sacerdote a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom
Pastor” (n. 11). O Papa conclui essa exposição com uma afirmação
verdadeiramente clássica: “O presbítero encontra a plena verdade da sua
identidade no ser uma derivação, uma participação específica e uma continuação
do mesmo Cristo, sumo e eterno Sumo Sacerdote da eterna aliança; Ele é uma
imagem viva e transparente de Cristo sacerdote. O sacerdócio de Cristo,
expressão da sua absoluta “novidade” na história da salvação, é a única fonte e
o paradigma insubstituível do sacerdócio do cristão, e especialmente, do
presbítero. A referência a Cristo, então, é a chave essencial para a
compreensão das realidades sacerdotais” (n. 12, ao final).
Sobre a base desta afinidade natural entre Cristo e os seus sacerdotes
não será difícil anunciar a teologia do sacerdócio ministerial. O mesmo João
Paulo II oferece-nos novamente a chave: “É particularmente importante que o
sacerdote compreenda a motivação teológica da lei eclesiástica sobre o
celibato. Enquanto lei, ela expressa a vontade da Igreja, antes
mesmo da vontade que o sujeito manifesta com a sua disponibilidade. Mas essa
vontade da Igreja encontra sua motivação última na relação que o
celibato tem com a ordenação sagrada, que configura ao sacerdote com Jesus
Cristo, Cabeça e Esposo da Igreja. A Igreja, como esposa de Jesus Cristo, quer
ser amada pelo sacerdote de modo total e exclusivo como Jesus Cristo Cabeça e
esposo a tem amado. Assim o celibato sacerdotal é um dom de si em e com Cristo
à sua Igreja, e manifesta o serviço do sacerdote à Igreja em e com o
Senhor “(n. 29, até o final).
Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO
Tradução para o português:
Pe. Anderson Alves.
Contato: amralves_filo@yahoo.com.br
Fonte:
https://presbiteros.org.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário