IGREJA E SOCIEDADE
Dom Leomar Antônio Brustolin
Arcebispo de Santa Maria (RS)
Apesar das tentativas de prescindir da
religião e do sagrado, do secularismo e do indiferentismo religioso que emergem
com força na atualidade, o cristão sabe que sua identidade depende da sua
relação com tudo o que o circunda. Para não perder sua essência, a fé cristã
precisa ocupar-se da história, porque nela se realiza a abertura do ser humano
para a transcendência.
Nessa convergência entre o visível e o
invisível, o humano encontra o sentido, a cura e a salvação de toda sua
existência. Ainda que a sociedade moderna esteja prisioneira do consumismo e do
utilitarismo, a Igreja há de orientar-se por valores baseados numa sociedade em
que a civilização do amor encontre seu espaço e novas
oportunidades.
A fé cristã não prega a separação do mundo e
nem a plena identificação com as realidades terrestres. Permanece uma
tensão entre o anúncio das alegrias de tudo o que existe por obra de Deus e
conforme seu plano e as miopias do tempo que destroem a possibilidade de viver
conforme o desejo do Criador. Essa fé não pode ser entendida de modo
unilateral, intimista e espiritualista. Tal compreensão reduz o enfoque
integral da salvação que Cristo revelou.
O Cristianismo não há de se preocupar somente
com as pessoas individualmente, dando-lhes sentido para a existência, mas
também e, necessariamente, há de se ocupar com as relações sociais que
determinam e legitimam a vida do indivíduo como ser criado para a comunhão e
não para a solidão.
Na busca de uma nova racionalidade e novas
razões para sonhar com um futuro melhor, a Doutrina Social da Igreja oferece um
novo humanismo, cuja inspiração comunional vem da própria
Santíssima Trindade. Cada pessoa humana, na sua estrutura de ser e de agir, é
um ícone da Trindade, quando o Pai, o Filho e o Espírito Santo são distintos,
mas unidos, porque é comunhão infinita de amor. Em sendo a imagem de Deus, cada
ser humano é chamado a viver na comunhão, na reciprocidade do dom, na partilha
e na comunicação do próprio ser. Tudo em vista do serviço desinteressado
ao outro.
A comunidade dos seguidores de Jesus encontra, na
fé trinitária, uma casa e escola de comunhão, cuja meta é o Reino
de Deus, e a Trindade será tudo em todos. Tal percepção faz de cada pessoa um
protagonista de novas relações, vencendo o egoísmo e os interesses privados. A
profecia, assim, se expande nos relacionamentos qualificados pelo desejo de
comunhão solidária e na preocupação preferencial para com aqueles que têm seus
direitos fundamentais negados.
No confronto entre a mensagem evangélica e as
vicissitudes históricas, não pode haver neutralidade ou
indiferença. Todas as formas de exclusão, injustiça, violência e mentira afetam, profundamente, o
ser cristão e, por isso, geram posições e atitudes que desmascaram as forças
que desumanizam e se afastam do amor revelado por Jesus.
Não é possível conceber, então, a fé cristã sem o serviço na construção de um mundo justo e fraterno. É evidente que a plena salvação não se esgota na edificação de uma sociedade justa e solidária, pois o destino final de todo ser humano é o Reino de Deus que é transcendente ao mundo visível. Entretanto, esperar o reino vindouro divorciando fé e justiça, Evangelho e vida, seria uma redução perigosa ao próprio conteúdo da fé cristã que não separa o amor a Deus do amor ao próximo. A comunhão com Deus, portanto, exige uma reorientação total da presença do ser humano no mundo e de sua ação sobre o mundo.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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