04 de julho
Santa Isabel de Portugal
A Igreja celebra, no dia 4 de julho, Santa Isabel
de Portugal, cuja memória rapidamente ultrapassou as fronteiras do reino, e em
todo o orbe cristão era conhecida aquela soberana que foi o mais belo ornato do
glorioso Portugal.
Redação (04/07/2023 08:23, Gaudium Press) Quem
alguma vez teve a aprazível oportunidade de visitar Coimbra, certamente terá
admirado suas numerosas maravilhas: desde o precioso jazigo de Dom Afonso
Henriques, fundador do Reino de Portugal, até os variados e belos parques que
adornam a cidade. Brilha ainda a histórica Universidade que, através de suas
sólidas raízes e requintados frutos, é a instituição que representa a maior
expressão da Língua Portuguesa.
Contudo,
quem vem de longe não deixa de notar o sincero carinho dos habitantes por sua
insigne padroeira, a Rainha Santa Isabel: o anjo de bondade e de paz que o
Senhor mandou para Portugal.
Curiosamente,
Santa Isabel não é portuguesa de nascença. Quis a mão da Providência colhê-la
no solo aragonês, onde veio ao mundo no longínquo ano de 1271. Precedeu-a em
nobreza e santidade sua tia-avó, Santa Isabel da Hungria, de quem herdou, além
do nome, os mais excelentes predicados. A pequena filha de Pedro III de Aragão
e de Constança da Sicília foi, a exemplo de sua tia, grande seguidora de São
Francisco de Assis e uma alma toda voltada para os pobres e necessitados.
Pacificou
ânimos e guerras desde o berço até a hora da morte, e não houve, entre o
primeiro nobre e o último, doente quem se furtasse à sua tão benéfica
influência. Todos saíam de sua presença dispostos a reconciliar-se com Deus e a
perdoar o próximo.
Uma menina que dulcificava os corações
Quando
nasceu Santa Isabel, havia uma briga entre seu pai e seu avô, Jaime I, o
Conquistador. Há tempo não se falavam, porque esse rei de Aragão não aprovava o
casamento de seu filho Pedro com Dona Constança. Apenas nasceu a santa menina,
foram-se apagando as desavenças domésticas e houve grande harmonia naquela casa
real.
O
destemido avô não ocultava sua grande predileção por essa criança e fez questão
de que ela fosse educada em seu palácio, para poder gozar de sua companhia. A
razão mais profunda pela qual não queria separar-se dela era o sensível influxo
de bênçãos e a suavidade que emanavam de sua pessoa. Num ambiente carregado de
tensões e pesados encargos, aquele precioso tesouro dulcificava os corações.
Após o falecimento de Jaime I, a infanta permaneceu ainda alguns anos com seus
pais. Muito em breve ela se tornaria rainha de Portugal.
Na corte de Portugal
Em
1282 partiu para as terras lusas, a fim de contrair matrimônio com Dom Dinis,
que acabava de subir ao trono. Nunca se tinha visto ali uma soberana de tamanha
modéstia e amabilidade. Seu recolhimento e união com Deus não tardaram a
cativar o povo, o qual logo retribuiu o amor de que estava sendo objeto. Para
aumentar a confiança de todos na jovem soberana, concorreu a paz que ela
obteve, logo ao chegar, entre Dom Dinis e seu irmão que lhe disputava a coroa.
Sua
vida na corte foi uma constante busca do sobrenatural. Sem omitir nenhuma das
obrigações impostas pela sua condição de rainha, o seu coração não se prendeu a
esta terra. Estava presente em todas as festividades do reino e sinceramente se
regozijava com o povo; cingia a coroa e trajava os mais ricos vestidos para, ao
lado do rei, receber as autoridades ilustres que vinham honrá-la e colocar-se a
seu serviço. Entretanto, nem por isso envaideceu-se e desejou aquelas glórias
para si. Julgava-se pecadora e teria preferido mil vezes ser pobre a possuir todos
os tesouros reais.
Precursora da devoção à Imaculada
A
oração e a vida de piedade exerceram papel primordial em sua existência, e
foram a causa de todas as conquistas pelo bem do reino e das almas que ela
obteve. Toda manhã assistia à Santa Missa em seu oratório com o espírito
absorto em santas considerações. Desde os oito anos de idade recitava o Ofício
Divino, e acrescentou depois a recitação diária dos salmos penitenciais e
outras devoções em honra dos Santos e de Nossa Senhora.
Sua
devoção a Maria Santíssima foi terna e fecunda, legando à posteridade um traço
indelével para a espiritualidade luso-brasileira: o patrocínio da Imaculada
Conceição. De fato, foi Santa Isabel quem A escolheu como padroeira de Portugal
e fez com que se celebrasse por primeira vez a sua festa, em 8 de dezembro de
1320, quando os raios das disputas teológicas em favor da Conceição Imaculada
de Maria espargiam seus primeiros fulgores.
Sofrimentos de esposa e rainha
Assim
amparada pelas forças divinas, ela preparou-se para as grandes cruzes e
dissabores que a aguardavam. Após o nascimento de seus dois filhos, Constança e
Afonso, a Rainha Santa suportou heroicamente a vida dissoluta que Dom Dinis
passou a levar. Sem murmurar ou impacientar-se, ela muito rezou e fez
penitência pela conversão do soberano.
Assistiu
ainda com maior sofrimento às inimizades entre governantes cristãos seus
parentes, que por ambição disputavam entre si terras e honrarias e, em
consequência de suas pretensões, causavam derramamento de sangue.
Corajosamente,
Santa Isabel ergueu-se em toda a sua estatura e impediu uma grande quantidade
de combates que estavam a ponto de estalar. Dom Dinis e Dom Afonso – irmão do
rei – estavam em pé de guerra pela coroa de Portugal. O mesmo rei seu esposo
tinha com o monarca de Castela, Sancho IX, sérias contendas em torno das
fronteiras entre os reinos. Anos mais tarde, Dom Fernando IV de Castela – seu
genro – e Dom Jaime II de Aragão – seu irmão – nutriam mutuamente uma feroz
inimizade que caminhava para um terrível enfrentamento. Seu irmão, Frederico da
Sicília, e Roberto de Nápoles guerreavam violentamente por razões políticas…
Quantas
lágrimas este quadro desolador custou a seu reto coração! Erguendo constantes
preces a Deus e implorando a cada um desses soberanos que ouvisse a voz da
justiça, ela saiu vitoriosa em todas as desavenças nas quais interveio. A
Rainha Santa provou que a paz não se deve tanto a tratados e a considerações de
caráter econômico, quanto a almas santas que aplaquem a ira e o ódio por meio
da mansidão e da clemência.
Coragem e intrepidez de mãe
A
mais pungente atuação de Santa Isabel, a que lhe custou mais sofrimentos e
angústias, foi a de enfrentar a rebeldia de seu filho contra o rei. Desejoso de
mandar logo no reino e julgando que a coroa tardava muito, o invejoso herdeiro
quis proclamar-se rei e declarou guerra a Dom Dinis. Desprezando todos os bons
exemplos que sua mãe sempre lhe dera, organizou um exército e defrontou-se
contra o autor de seus dias.
De
um lado, o rei marcha diante de seus homens, disposto a tudo para manter o
cargo que lhe cabe por direito. De outro, o filho insolente o enfrenta e despreza
o mandato divino que obriga a honrar pai e mãe. No momento em que o silêncio
nos dois campos inimigos indica o início da batalha, surge a figura intrépida
da rainha: em sua veloz montaria, ela rasga a arena da discórdia e se interpõe
entre as criaturas que mais ama neste mundo, para implorar o perdão e a paz.
Seu
olhar, sempre carregado de doçura, volta-se desta vez severo e penetrante para
o filho ambicioso: “Como te atreves a proceder deste modo? Pesa-te tanto assim
a obediência que deves a teu pai e senhor? Que podes tu esperar do povo no dia
em que te caiba governar o reino, se estás a legitimar a traição com este mau
exemplo? Enfim… se de nada te servem os meus conselhos e carinho de mãe, teme
ao menos a ira de Deus, que justamente castiga os escândalos!”
Seria
possível resistir a este apelo materno, feito diante de milhares de súditos?
Arrependido e cheio de confusão, o filho ajoelha-se sem replicar, pede perdão
ao rei e jura-lhe fidelidade. Mais uma vez a Rainha Santa afasta as negras
nuvens do horizonte e faz brilhar, para gáudio de todos, o arco-íris da
bonança.
A caridade e o amor aos pobres
A
par de seu espírito pacificador, foi na prática da caridade e no amor aos
pobres que o seu amor a Deus se projetou inteiramente. Tanto se dedicou aos
fracos, cuidou dos enfermos, fundou hospitais e protegeu toda categoria de
desvalidos, que não é possível encontrar explicação humana para a fecundidade
assombrosa de suas iniciativas.
Quando
a querida rainha saía no paço, uma multidão de infelizes a seguia, pedindo
socorro, e nunca algum deles se retirava sem ser generosamente atendido.
Gostava de cuidar pessoalmente dos leprosos mais repugnantes, tratar-lhes as
chagas e lavar-lhes as roupas; encaminhava para uma vida digna os órfãos e as
viúvas e até na hora da morte não abandonava os infelizes, para os quais
providenciava uma sepultura digna e mandava celebrar Missas em sufrágio de suas
almas. Como corolário de sua fé inabalável, não poucos eram os doentes que
saíam de sua presença inteiramente curados.
Morre como terciária franciscana
Ao
morrer Dom Dinis, em 1325, Santa Isabel contava 54 anos de idade, e ainda viveu
mais onze. Nesse período abraçou a Ordem Terceira de São Francisco e abandonou
as pompas da corte, a fim de viver exclusivamente para a oração e a caridade.
Sua virtude heroica e a doação de si mesma atingiram o máximo esplendor; ela
estava pronta para reinar no Céu.
No
dia 4 de julho de 1336, enquanto intermediava uma ação de paz em Estremoz, veio
Maria Santíssima buscá-la para a pátria definitiva, onde gozaria da glória
eterna. Enquanto todos choravam a perda insuperável, ela se rejubilava por
estar na iminência da posse definitiva do Deus a quem tão bem servira. Suas
últimas palavras foram: “Maria, Mãe da graça, Mãe de misericórdia, protege-nos
do inimigo e recebe-nos à hora da morte”. Era desejo seu ser enterrada em
Coimbra, no convento de Santa Clara, fundado por ela.
Sua
memória rapidamente ultrapassou as fronteiras do reino, e em todo o orbe
cristão era conhecida aquela soberana que foi o mais belo ornato do glorioso
Portugal.
Uma canonização singular
O
modo singular como Santa Isabel foi canonizada bem serve para mostrar o quanto,
sendo a vontade Deus glorificar algum de seus filhos ilustres, nenhum obstáculo
humano é capaz de impedi-Lo.
Inumeráveis
foram os milagres obtidos junto a seu corpo, que permanecia surpreendentemente
incorrupto e exalava um bálsamo odorífico. Em Portugal e na Espanha os devotos
ansiavam por vê-la nos altares e dedicar igrejas em sua honra. Os soberanos que
dela descendiam insistiam junto às autoridades eclesiásticas para acelerarem o
processo.
Nos
primórdios do séc. XVII, a canonização era o termo final de uma série de
autorizações concedidas pela Santa Sé para a veneração dos santos. Sendo assim,
era comum que apenas em algumas dioceses ou regiões se pudesse celebrar um
bem-aventurado, mas saindo daquela jurisprudência o culto já não fosse oficial.
Esse sistema, somado a uma série de numerosas canonizações naquele período,
acabou levando o Papa Urbano VIII a instituir um sistema minucioso e cauto para
a admissão de novos bem-aventurados no rol dos santos.
Neste
intuito reformador, apenas subiu ao sólio pontifício e logo declarou que não
haveria de canonizar nenhum santo! E justo agora que tudo propiciava a
glorificação definitiva da querida Rainha Isabel… Que fizeram os devotos
agradecidos? Encomendaram aos céus o filial intento, e obtiveram pela oração o que
pelos meios humanos não conseguiram.
Após
ter enviado várias cartas reforçando o pedido, e também um representante que
muito insistiu junto a Urbano VIII, tudo o que o soberano então reinante,
Filipe IV, conseguiu foi que o Papa, por educação e cortesia, aceitasse uma
imagem da veneranda rainha.
Entretanto,
pairava um desígnio superior sobre o intrincado caso. Tendo o Papa caído
gravemente enfermo, com febres malignas e já quase sem esperança de vida,
lembrou-se da rainha de Portugal. Tanto se falava de seu amor pelos doentes, de
seu incansável zelo por curar-lhes o corpo e a alma… Encomendou-se a ela o Papa
também, esquecendo-se de sua prudente reserva para com os justos de Deus.
Eis
que no dia seguinte amanheceu bom, sem nenhum risco de vida! Tão comovido ficou
por ver a bondade de sua protetora que mudou seu parecer. Canonizaria, por uma
especial exceção, a rainha de Portugal; e o faria com o “coração grande”,
alistando-se ele também nas fileiras de seus devotos. Assim se explica a
magnífica cerimônia que teve lugar na Basílica de São Pedro, em 25 de maio de
1625. Nem antes nem depois, nos 21 anos de seu pontificado, Urbano VIII
canonizou qualquer outro santo!
Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho, julho/2007, n. 67.
Fonte: https://gaudiumpress.org/
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