A irmã de Santa Maria Madalena e de São Lázaro deixou para toda a História um ensinamento de humildade. Ela nos pede que tenhamos os olhos voltados para a glória do Céu e não para os prestígios deste mundo.
Redação (29/07/2023 09:00, Gaudium Press) “Quem
não vive para servir, não serve para viver”. Sem dúvida, trata-se de um antigo
trocadilho para admoestar e, oportunamente, para desferir uma educada
alfinetada na consciência de um irremediável indolente. De outro lado, pelo
jogo natural das circunstâncias, é comum que pensemos nessa frase – tão cheia
de sabedoria – diante de alguém muito dedicado e serviçal; nesse momento, não é
verdade que esse ditado deixa de ter uma nota de repreensão e logo se transforma
em um grande elogio?
Pois
bem, de modo especial e elogioso podemos recordar no dia de hoje este sábio
trocadilho, já que celebramos a feliz memória de Santa Marta, a irmã de Santa
Maria Madalena e de São Lázaro.
Marta,
Marta…
Uma
atitude de Jesus em relação a Santa Marta nos chama a atenção: “Estando Jesus
em viagem, entrou numa aldeia, onde uma mulher, chamada Marta, o recebeu em sua
casa. Tinha ela uma irmã por nome Maria, que se assentou aos pés do Senhor para
ouvi-lo falar. Marta, estando preocupada com serviço da casa, veio a Jesus e
disse: Senhor, não te importas que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe
que me ajude. Respondeu-lhe o Senhor: Marta, Marta, andas muito inquieta e te
preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria
escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada” (Lc 10, 38-42).
À
primeira vista, parece que Nosso Senhor recrimina a atitude de Marta. Ora,
Marta estava preocupada em servir, por que Jesus havia de repreendê-la? De
fato, Maria havia escolhido a melhor parte; ela estava junto a Ele contemplando
seus gestos, admirando-o por suas palavras e não se preocupava com mais nada a
não ser com aquilo que realmente importa nesta vida: amar a Deus. Mas por que
Marta, por estar preocupada em servi-lo, devia ser repreendida?
É
inegável que a contemplação é superior à ação. Assim, por que haveriam de ser
maus a ação e o desejo de servir quando são propulsionados pelo amor e pela
contemplação? Por que, então, Jesus repreende daquela forma a atitude de Santa
Marta?
Para quem
Jesus falava?
São
Lucas deixa claro no seu Evangelho que Maria se assentou aos pés de Jesus para
ouvi-lo falar. Ora, se Nosso Senhor falava, certamente, havia mais pessoas na
casa além de Marta e Maria; caso contrário não falaria, mas sim, conversaria.
Com
efeito, em sua sabedoria divina, Jesus não poderia deixar passar nenhuma
ocasião na qual pudesse ensinar, repreender e guiar rumo à perfeição todos
aqueles que conviviam com Ele. Ademais, pelo discernimento dos espíritos e por
sua divindade, Jesus fazia com que cada palavra, gesto e olhar viessem como que
na medida certa para cada um dos presentes.
Diante
desse quadro, podemos admitir que houvesse ali junto a Ele, ouvindo-o, algumas
pessoas que não estavam prontas para ouvir certas repreensões, e para as quais
Nosso Senhor tinha que usar uma didática muito peculiar.
Uma alma
marcada pela despretensão
Vendo
na alma de Marta um reflexo de sua própria despretensão, Deus pôde nela
encontrar um meio para fazer bem a terceiros. Nosso Senhor bem sabia com que
disposições Marta o servia, com que extremos de amor e com que desejos de
perfeição. Sobretudo, Nosso Senhor via quão bem ela aceitaria qualquer correção
de sua parte, ainda que fosse aparentemente injusta.
Assim,
aproveitando-se da circunstância em que ela se aproximou para solicitar a ajuda
de sua irmã Maria, Jesus lançou sobre Marta uma repreensão que muito
provavelmente cabia a algum – ou alguns – daqueles que estavam presentes.
Marta, com toda a humildade, aceita aquela correção e a aplica para si,
procurando tirar todo o proveito para atingir um grau de perfeição ainda maior.
Por que a
melhor parte?
Em
seguida, Nosso Senhor faz questão de dizer que Maria ficara com a melhor parte
e que esta não lhe seria tirada. O que o Divino Mestre quis dizer com isto?
Aquilo que Santa Marta estava fazendo era errado? Não.
Somente
Nosso Senhor conhecia as intenções dos que o ouviam e, portanto, conhecia
também que Marta o servia com toda a retidão de alma e boa intenção. Os outros
presentes não sabiam disso e imediatamente aplicavam a si a repreensão feita
àquela inocente e despretensiosa servidora.
Quando
Jesus diz que Maria ficou com a melhor parte, entendemos, quase imediatamente,
que Maria escolheu um modo de viver mais elevado, mais de acordo com a vontade
de Deus e, enfim, mais santo que o de sua irmã Marta. E que, portanto, Deus ama
mais a Maria, e Maria é mais santa (se assim se pudesse dizer) do que Marta.
Isso
não deve ser considerado assim. A santidade é algo que não se compara; são
aspectos diferentes do mesmo Deus que refulgem de modo também diferente em
almas distintas.
Deus
queria deixar marcada para a História a virtude conquistada por Santa Maria
Madalena, mesmo depois de ter abandonado tudo numa vida desenfreada. Quis
mostrar como é possível restaurar tudo o que se perdeu, e como o amor pode
tudo. Quis mostrar como a misericórdia de Deus é infinita e capaz de todos os
perdões.
A vocação
de Marta: um caminho privilegiado
Para
Marta foi diferente. Deus reservou o caminho da inocência e da fidelidade por
toda a vida. Um caminho privilegiado de uma grande minoria da humanidade;
destinado a almas especialmente eleitas e que agradam sobremaneira a Deus. Além
desta predileção, Marta também era uma alegria para Nosso Senhor quando,
internamente, no mais íntimo de sua alma, fazia refulgir a despretensão.
Maria
enxugou os pés de Jesus com os próprios cabelos, uma clara manifestação de amor
e serviço; Marta aceitou com mansidão e humildade, no segredo de seu coração, o
heroico chamado da despretensão.
Mais
uma vez devemos remarcar que não se deve comparar a santidade entre duas almas.
Porém, um detalhe do Evangelho nos mostra quanto agrado traz a Deus esta
postura de alma tomada por Santa Marta durante sua vida. Escreve São João: Ora,
Jesus amava Marta, Maria, sua irmã, e Lázaro (Jo 11, 5).
À
primeira vista não significa nada; mas não podia ser que o Deus feito Homem
confundisse a ordem dos nomes ou ferisse o princípio de hierarquia ao formular
uma frase por mais simples que fosse. Notemos, portanto, como diz o Evangelho:
Jesus amava Marta – em primeiro lugar – Maria e Lázaro.
Santa
Marta, modelo de equilíbrio e despretensão
Com
certeza, além de muitas graças, Santa Marta tem a nos dar hoje alguma lição. Se
é verdade que sua irmã Maria Madalena nos traz um modelo de conversão, de
penitência, de entrega à vontade de Deus e de restauração, Santa Marta
acrescenta ao quadro das virtudes a integridade, a despretensão, a fidelidade à
inocência, a humildade diante da repreensão e do serviço a Deus. Ora, este
serviço que Santa Marta quer nos ensinar não é, como muitos poderiam pensar, um
incontrolável desejo de fazer e de obrar. Aliás, é também pôr em obras a nossa
fé, mas com equilíbrio, com serenidade e com o espírito voltado à contemplação
das coisas celestes; é fazer e obrar com despretensão, sem nenhum apego, com
humildade, sabendo que tudo o que se faz com a intenção de agradar a Deus será
transformado em glória no Céu, não em prestígio nesta Terra.
Por Afonso Costa
Fonte: https://gaudiumpress.org/
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