Muito já se escreveu sobre as vaidades do jovem Inácio de Loyola, anteriores à sua conversão. Menos apregoadas e de maior utilidade para nossos dias são as maravilhas que Deus operou nele e por ele.
Redação (31/07/2023 07:18, Gaudium Press) Nascido
em 1491, época em que as grandes navegações alargavam as fronteiras do mundo, o
espírito irrequieto e turbulento de Inácio preferia os riscos da guerra a uma
vida ociosa na corte.
Em
combate na defesa de Pamplona, teve uma perna fraturada por um projétil.
Submeteu-se a penoso tratamento, findo o qual notou que a perna ficara
deformada. Ordenou, então, aos médicos que a quebrassem e consertassem. Não lhe
sendo satisfatório o resultado dessa cirurgia, mandou fazer outra, pois não
queria aparecer manco ante as donzelas da corte.
Essa
têmpera de caráter e força de vontade, seu espírito insaciável de grandezas,
tudo deve ser visto na perspectiva da grandiosa missão que a Providência lhe
reservara de Fundador da Companhia de Jesus.
No
período de convalescença, ocupou-se em ler os dois únicos livros existentes no
castelo: a Vida de Cristo e a Vida dos Santos. Tocado pela graça divina, ele
perguntou-se: “Por que não faço eu o que fizeram São Francisco e São Domingos?
Se eles realizaram tão grandes feitos, por que não posso realizá-los também?”
Mudança de vida
Uma
vez recuperado, o jovem guerreiro estava decidido a penitenciar-se de seus
pecados, pôr-se ao serviço de Deus e fazer por Ele grandes coisas, seguindo os
exemplos dos Santos.
Uma
noite, ele se prostrou diante de uma imagem da Virgem Maria e ofereceu-se a
Jesus como seu fiel soldado. Ao concluir esta “consagração”, ouviu-se um grande
estrondo no interior do castelo de Loyola, o qual foi abalado até os
fundamentos.
O
quarto de Inácio foi mais violentamente atingido. Em suas altas paredes,
produziu-se uma larga rachadura, existente até hoje. Era o demônio a manifestar
sua fúria, na previsão dos terríveis golpes que sua malfazeja obra receberia da
Companhia de Jesus.
Ante
esta manifestação extraordinária do espírito das trevas, ele tomou a resolução
definitiva: “O que os santos fizeram, eu prometo, com a graça de Deus, fazê-lo
também”. Não são mais as proezas da cavalaria profana que o atraem, mas esta
santa emulação com os santos, no anseio de realizar grandes feitos “para a
máxima glória de Deus”.
Naquela
noite, apareceu-lhe a Santa Virgem com o Menino Jesus, durante um notável
espaço de tempo. Após essa visão, ele sentiu que todas as imagens de sua vida
passada lhe foram apagadas da alma. Desde então, jamais consentiu em qualquer
tentação contra a virtude da pureza.
Iniciando
sua nova vida, partiu em peregrinação para o Santuário de Nossa Senhora de
Montserrat, onde fez uma confissão geral, após a qual trocou suas preciosas
vestes pelas de um mendigo e depositou sua espada no altar de Nossa Senhora. A
partir de então, só se ocuparia do serviço de Deus.
Comunicações
divinas
O
próprio Divino Redentor se ocupou, por vias extraordinárias, de sua formação
religiosa.
Certo
dia, Santo Inácio estava na escadaria da igreja dos Dominicanos e recitava o
ofício da Santíssima Virgem. De repente, o seu espírito foi arrebatado até ao
seio de Deus, e lhe foi dado compreender o incompreensível mistério de um Deus
único em três pessoas distintas.
Ao
sair da igreja, falou aos religiosos sobre este mistério numa linguagem
sublime. Ninguém duvidava de que ele havia recebido luzes sobrenaturais.
“Jamais algum doutor da Igreja falou tão eloquentemente e com tanta clareza
sobre este mistério!” — exclamavam admirados.
Durante
um êxtase, Deus lhe infundiu um tal conhecimento das Sagradas Escrituras que,
mesmo se elas desaparecessem, ele não hesitaria em sustentá-las à custa do seu
sangue!
Voltando
a si de outro êxtase — que durou oito dias, durante os quais não tomou alimento
algum nem mudou de posição — exclamava embevecido: “Oh Jesus! Oh Jesus!” A quem
lhe perguntava sobre este colóquio com Deus, limitava-se a responder: “É
inexprimível!” Seus biógrafos são de opinião que nesse êxtase Deus revelou ao
Santo os Exercícios Espirituais e o plano da Companhia de Jesus.
Nasce a
Companhia de Jesus
Ele
sabia que Deus o destinava à fundação de uma Companhia de Apóstolos. Para isto,
queria recrutar discípulos entre estudantes jovens e de valor. Pôs-se, então, a
estudar as ciências humanas, passando pelas Universidades de Barcelona, Alcalá,
Salamanca e Paris.
Em
breve, o Santo reuniu em torno de si um grupo de escol: Pedro Fabro, Francisco
Xavier, Diogo Laynes, Afonso Salmerón, Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha.
Feitos os Exercícios Espirituais, todos mostraram-se dispostos a sacrificar
tudo pela máxima glória de Deus.
A
15 de agosto de 1534, pronunciaram os votos religiosos na igreja de Montmartre.
Após esse solene ato, os novos apóstolos sentiam-se tão felizes que não mais
podiam separar-se. Constituía-se assim o primeiro esboço da Companhia de Jesus.
A
8 de janeiro de 1537, Santo Inácio achava-se em Veneza, com seus discípulos, de
onde os enviou a Roma. Pedro Ortiz, ex-professor em Paris, era embaixador do
Imperador Carlos V junto ao Papa.
Sabendo
que os jovens professores da Universidade de Paris vinham pedir a bênção
apostólica ao Soberano Pontífice, encarregou-se de lhes obter a audiência,
elogiando suas virtudes e ciência pouco comuns. O Papa logo quis vê-los durante
o jantar, ocasião em que foram convidados a tomar parte numa discussão.
Eles
trataram com tão grande ciência e talento as questões propostas, e apresentaram
os argumentos com tanta humildade, que Paulo III, não podendo conter sua
admiração, abraçou-os dizendo: “Alegro-me de ver unida a tanta ciência tamanha
modéstia”.
Em
seguida abençoou-os e deu aos que ainda não eram sacerdotes autorização para
receberem as sagradas Ordens.
Atividade
apostólica baseada na santidade de vida
Decidiram,
a partir daí, fazer apostolado nas cidades onde as universidades atraíam os
jovens. Francisco Xavier e Bobadilha foram para Bolonha, Simão Rodrigues e
Lejay para Ferrara, Broet e Salmerón para Siena, Codure e Hoces para Pádua.
Santo Inácio dirigiu-se a Roma com Fabro e Laynez.
Pedro
Ortiz obteve para Santo Inácio uma audiência com o Sumo Pontífice, que acolheu
com alegria a proposta dos novos apóstolos, cujo zelo e ciência já haviam
adquirido tanta reputação. O Papa quis lançá-los em atividade sem demora.
Ao
Pe. Laynez confiou a cadeira de Escolástica no Colégio Sapiência, e ao Pe.
Fabro a de Escritura Sagrada. Quanto ao Pe. Inácio, encarregou-o do ministério
apostólico em Roma, cujos costumes tinham grande necessidade de reforma.
Santo
Inácio pregava os Exercícios Espirituais em público, obtendo em pouco tempo uma
reforma geral dos costumes. Os novos apóstolos eram estimados e procurados por
grandes e pequenos, graças à unção de sua palavra e santidade de suas vidas.
Virtudes
próprias de Fundador e Superior Geral
Na
quaresma de 1538, Santo Inácio convocou seus filhos a Roma para a ereção
definitiva da Companhia em Ordem Religiosa. Todos se apressaram a obedecer-lhe.
Apresentada
a Paulo III as Constituições, o Papa as acolheu com estas palavras: “O dedo de
Deus está aí”. A nova Ordem foi erigida por uma bula de 27 de setembro de 1540.
Em 19 de abril de 1541, Santo Inácio foi aclamado Superior Geral da Companhia.
Ele
tudo vigiava e orientava. Estava ao corrente de tudo o que interessava a cada
uma das casas da Ordem. Informava-se até dos progressos dos alunos de todos os
colégios da Companhia. Os professores prestavam-lhe contas todas as semanas. Os
trabalhos dos alunos eram vistos por ele. Lia tudo e fazia examinar esses
escritos por outros.
Dirigia
a casa de Roma, correspondia-se com os superiores das casas espalhadas pelo
mundo, ocupava-se dos colégios, tratava os negócios da Igreja com o Papa e os
Cardeais, mantinha correspondência com os soberanos da Europa, dirigia novas
fundações, tudo isso sem interromper suas obras de misericórdia na Cidade
Eterna, de que sempre dava exemplo aos seus discípulos.
Em
Santo Inácio, conjugavam-se a flexibilidade com a firmeza, a sensibilidade com
a disciplina, o arrojo com a prudência; a humildade não se opunha ao destemor
na defesa da Santa Igreja; o despojamento de si mesmo era irmão do amor ao
próximo.
Todos
estes aparentes antagonismos brilhavam na vida do Fundador. Requisitos, aliás,
indispensáveis a uma instituição jovem que se desenvolvia com grande pujança em
oposição à onda libertária que tudo procurava arrastar em sentido contrário.
Um
seu discípulo narra que qualquer pessoa triste ou angustiada, ao aproximar-se
dele, logo recobrava a paz de espírito e a verdadeira alegria.
Sabia
quando algum discípulo seu estava passando por dificuldade ou provação, e o
confortava. Tinha o discernimento certeiro para a seleção dos candidatos a
membros da Companhia. Era inflexível quanto à disciplina. Num dia de
Pentecostes, chegou a expulsar doze noviços.
Mas
estava longe de ser uma pessoa impulsiva. Pelo contrário, tinha tudo medido,
pesado e contado. Às vezes adiava a execução de uma penalidade, ponderando:
“Convém dormir sobre o caso”. Outras vezes dizia: “É preciso acomodar-nos aos
negócios que não podem acomodar-se a nós; é necessário sabermos entrar pela
porta de certas pessoas, a fim de fazê-las sair pela nossa”.
Método
pessoal de cativar e conduzir as almas
Um
noviço japonês, enviado a Roma por São Francisco Xavier, era tratado com
extrema indulgência por Santo Inácio. Deu-lhe os encargos mais suaves,
recomendando-lhe que o avisasse quando estivesse muito fatigado.
A
um noviço italiano, de olhar muito vivo e aberto, o Santo disse: “Irmão
Domenico, por que não procura fazer ler nos seus olhos a modéstia com que Deus
aprouve adornar-lhe a alma?” Com estas poucas palavras, Domenico se corrigiu.
Às
vezes o Santo era de uma severidade espantosa com alguns Padres veteranos, que
ele estimava de todo o coração, querendo aperfeiçoá-los ainda mais pelo
exercício da humildade.
Certo
dia encontrou-se, no corredor do Colégio, com um jovem sorridente e alegre. O
Santo perguntou-lhe:
—
Por que andas sempre sorrindo?
—
Sou feliz por estar em vossa Companhia! — respondeu ele.
—
Continua sempre assim, pois a tristeza não cabe no serviço de Deus — disse o
Santo, após abençoá-lo.
Tal
jeito inaciano de cativar e atrair as gentes para a Igreja de Cristo era um
eficaz instrumento de que se servia a graça divina para reaquecer no amor de
Deus as almas que a heresia protestante havia esfriado na Fé.
É
talvez por isso que, apenas com 16 anos de fundação, a Companhia de Jesus
contava já com mais de 1000 membros, ocupando 100 casas, em 10 províncias.
Pronunciou
pela última vez o santo Nome de Jesus e voou para Deus
Chegou
o ano de 1556. O grande combatente havia travado nesta terra, com argúcia e
energia admiráveis, a gloriosa luta em defesa da Fé.
Na
Europa, seus filhos espirituais reconquistavam para a Igreja milhões de almas
desgarradas pela heresia. Nos outros continentes, os missionários jesuítas,
sempre infatigáveis e insaciáveis de almas a salvar, levavam a luz da Fé a milhões
de infelizes pagãos.
Sua
obra estava consolidada, Deus resolveu chamá-lo a Si, para dar-lhe a
“recompensa demasiadamente grande”.
No
dia 30 de julho, Santo Inácio chamou o Padre Polanco e lhe disse:
—
Chegou o momento de mandar dizer a Sua Santidade que estou prestes a morrer, e
lhe peço humildemente sua bênção, para mim e para um dos nossos Padres, que não
tardará a falecer também. Diga ainda a Sua Santidade que, depois de ter orado
muito por ele neste mundo, continuarei a fazê-lo no Céu, se lá a divina Bondade
se dignar receber-me.
—
Os médicos não vos julgam tão mal como pensa… Posso adiar a incumbência para
amanhã? — perguntou o Pe. Polanco.
—
Faça como quiser, abandono-me à sua vontade — respondeu o Santo.
No
dia 31, após receber a bênção apostólica, Santo Inácio pronunciou pela última
vez o santo Nome de Jesus e sua alma voou para Deus. Foi canonizado em 12 de
março de 1622.
A
bula de canonização menciona duzentos milagres operados por sua intercessão.
Este
é Santo Inácio de Loyola!
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