Arquivo 30Dias – 07/08 - 2011
“Tudo o que São Carlos fez e realizou, o edificou sobre a rocha indestrutível que é Cristo, na plena coerência e fidelidade ao Evangelho, no amor incondicionado pela Igreja do Senhor”. O discurso do arcebispo emérito de Milão no Meeting de Rímini
pelo Cardeal Dionigi Tettamanzi
O centenário de Milão a Rímini
Para mim é uma grande alegria que o centenário de
São Carlos, iniciado com a palavra do Papa, em um certo sentido se conclua aqui
em Rímini, com este evento que se apresenta com sua dupla face;
cultural e espiritual.
Sem qualquer dúvida há o aspecto cultural:
com efeito, hoje é inaugurada uma mostra didática sobre a vida e a obra
pastoral de Carlos Borromeu; há painéis, legendas, materiais de multimídia; há
um catálogo com contribuições científicas. Tudo isso é importante, porque
permite que se conheça sempre melhor, além das muitas simplificações e outras
leituras parciais ou até mesmo ideologicamente preconceituosas, a verdadeira
face deste grande bispo, autêntico intérprete da reforma tridentina da Igreja.
Pessoalmente, faço questão de evidenciar
principalmente o aspecto espiritual da iniciativa, como
claramente emerge no título escolhido pelos organizadores para esta
mostra: “A casa construída sobre a rocha”. A referência é à célebre
página que conclui o Discurso da Montanha, com a parábola dos dois homens que
constroem a sua casa, o primeiro sobre a areia, e o outro sobre a rocha. O
resultado é obviamente previsível: a casa do primeiro, diante das primeiras
adversidades da vida e às tempestades da história, desaba inexoravelmente; a
casa do segundo, apesar das dificuldades da vida e dos transtornos da história
fica em pé e resiste. E a rocha sobre a qual a casa foi construída é Cristo
Senhor, é o seu Evangelho de verdade e de vida (cf. Mt 7, 24-27).
Na verdade essa parábola pode ser referida de modo particular a São Carlos e à sua obra: tudo o que ele fez e realizou, o edificou sobre a rocha indestrutível que é Cristo, na plena coerência e fidelidade ao Evangelho, no amor incondicionado pela Igreja do Senhor. Por isso o que São Carlos edificou resistiu às tempestades dos seus tempos; resistiu também às intempéries dos séculos que passam, como testemunha o fato de que hoje muitas das suas intuições, muitas das soluções pastorais e institucionais propostas por ele ou prefiguradas conservam uma sua permanente validade, uma sua incisiva atualidade, não apenas para a diocese de Milão, para também para toda a Igreja latina ocidental.
Um santo atual ou inatual?
Não falo por acaso de “atualidade”, porque devo
confessar a vocês que muitas vezes, durante este centenário, perguntei-me,
repassando os aspectos salientes da santidade de Carlos Borromeu, se ele ainda
hoje é realmente um santo “atual”: ou seja, se tem alguma coisa de grande significado
para dizer ao nosso presente, se ainda hoje é para nós – como foi quatrocentos
anos atrás – um modelo de vida evangélica não apenas para admirar, mas também
de várias maneiras para imitar.
Talvez seja uma pergunta meio desnecessária, à qual
podemos sem dúvida responder positivamente: sim! Ainda hoje São Carlos fala a
nós, ainda hoje para nós é um válido modelo de santidade. E a carta do Papa da
qual nos inspiramos, a própria mostra organizada aqui em Rímini, as iniciativas
de vários tipos que constelaram este ano “carolino”, provam isso de maneira
irrevogável.
Certamente não podemos correr o risco de cair em
algum anacronismo, porque devemos reconhecer abertamente que muitas coisas na
Igreja e no mundo de hoje mudaram com relação à situação da Igreja e da
sociedade do final do séc. XVI. Devemos também reconhecer que alguns aspectos
da ação pastoral de São Carlos – assim como alguns aspectos do seu estilo de
vida (pensemos principalmente à sua rigorosíssima ascese penitencial) – não são
material e automaticamente reproponíveis hoje sem necessárias e adequadas
mediações.
Mas, apesar desta óbvia constatação, que por outro
lado vale sempre quando nos referimos aos personagens do passado, há alguns
pontos salientes da santidade de Carlos Borromeu que, no seu significado mais
profundo e evangélico, realmente têm um valor perene. E portanto um valor
também para a nossa vida de cristãos do terceiro milênio, na medida em que
também nós, hoje como ele quatrocentos anos atrás, queremos “construir a nossa
casa sobre a rocha”, como “homens sábios”.
E ainda assim, deste ponto de vista, a
figura de São Carlos é muito provocatória, porque coloca em crise muitos
aspectos do modo de pensar e de viver do mundo atual. É por isso que durante o
centenário, reunindo algumas experiências e recordações pessoais do meu
aproximar-me e do entrar em relação com a figura de Borromeu, decidi escrever
também um livro com um título sugestivo e estimulante: São Carlos, um
reformador inatual.
Gostaria de deter-me um pouco nesse adjetivo.
“Inatual”, com efeito, contrapõe-se imediatamente a “atual”. Porém, são dois
termos que só aparentemente se contrapõem, porque um pode facilmente traspassar
no outro. Assim, se por exemplo por “atual” entende-se “segundo a moda do
momento”, “segundo a mentalidade do tempo presente”, “segundo a opinião
partilhada pela maioria”, é claro que São Carlos é “inatual”. Já dissemos isso
e queremos sublinhar para uma melhor compreensão da atualidade-inatualidade: os
tempos de Borromeu não são os nossos; o seu modo de ler os problemas e de
resolvê-los não é o nosso, nem mecanicamente podemos tomar algumas das suas
soluções e aplicá-las ao nosso mundo, “atual” precisamente.
E vice-versa: se por “inatual” entende-se aquilo que se enraíza nos valores fundamentais da tradição cristã, se por “inatual” entende-se ficar ancorados àquela rocha que é Jesus Cristo e que dá verdadeira firmeza à toda a construção da casa, se tudo isso é julgado inatual apenas porque não se adapta àquilo que hoje é considerado “politicamente correto”, devemos então perguntar-nos se a inatualidade de São Carlos não se transforma em uma singular e urgente “atualidade” de reconsideração, de reavaliação das nossas medidas de juízo, de reforma do nosso modo de viver e de conviver.
Fonte: http://www.30giorni.it/
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