"Maria Assunta é figura e
primícia da Igreja que um dia será glorificada; é consolo e esperança do povo
ainda peregrino. É a Ponte da passagem de Israel para a Igreja. É um sinal
humano de esperança. A contemplação de Maria na glória faz-nos ver a vitória da
esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da vida sobre a
morte." No Brasil neste domingo a Igreja celebra a Assunção de Maria ao
céu.
Por Ir.
Maria Freire da Silva, ICM *
Em 1950, o
Papa Pio XII definiu como verdade de fé: “É dogma revelado por Deus que a
Imaculada Mãe de Deus, a Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrena,
foi elevada em corpo e alma à glória celestial”. Mas a FESTA é mais antiga. Era
a “Dormição” de Maria e a transferência de seu corpo para o paraíso. Em Jerusalém,
fazia-se uma procissão ao túmulo de Maria.
Maria,
imagem da Igreja. (Ap 11,19a; 12,1-10ab). Como Maria, a Igreja gera na dor um
mundo novo. Como Maria participa na vitória de Cristo sobre o mal? A visão do
“Grande Sinal”, leva-nos a reconhecer que, no seguimento de Jesus, e na pessoa
de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus. Maria, nova Eva. (1Cor
15,20-27). Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para
todos os homens. O texto é uma longa demonstração da Ressurreição. A Assunção é
uma forma privilegiada de participação na Ressurreição de Cristo. O apóstolo
não evoca Maria, mas esta leitura, na Assunção, leva a reconhecer o lugar
eminente da Mãe de Deus no movimento da Ressurreição.
Sinal
escatológico da Igreja
Maria Assunta é figura e primícia da Igreja que um dia será glorificada; é
consolo e esperança do povo ainda peregrino. É a Ponte da passagem de Israel
para a Igreja. É um sinal humano de esperança. A contemplação de Maria na
glória faz-nos ver a vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a
solidão, da vida sobre a morte.
A
formulação da verdade mariana vem diretamente vinculada ao mistério trinitário,
com o cristológico e eclesiológico, conforme definida no Concílio de Éfeso 431,
ao tratar da maternidade divina (MANELLI,2014). Nos séculos seguintes, com o
aprofundamento patrístico, a presença e a intensidade do Senus fidelium (senso
dos fiéis) do povo de Deus, e a reflexão do Magistério da Igreja, finalmente
veio a definição dogmática da Imaculada em 1854 e da Assunção em 1950.
O texto do
Ap 12, 1ss, foi usado como fundamentação para o dogma da Assunção, consciente
de que inicialmente esse dado bíblico está relacionado à comunidade. Porém,
Maria está relacionada à vida das comunidades, e, portanto, é vista como
defensora da vida do discipulado de Jesus. No entanto, por si só, o fundamento
através desse texto não é sólido. Outros estudiosos recorreram ao proto-Evangelho
(Gn 3, 15). Pio XII usa para fundamentar o dogma, a Tradição Patrística na
Encíclica Munificentíssimus Deus. Porém, muito antes de ser definida como
dogma, a Assunção de Maria já fazia parte do depósito da fé da Igreja.
É
importante perceber a trajetória da revelação de Deus e como Maria se insere na
História de Salvação. Sua participação no mistério de Cristo e da Igreja
refletido e experimentado pelos fiéis ao longo dos séculos. Vale ainda
perguntar sobre as consequências do mistério da Assunção em nossa vida. Em que
a ressurreição de Maria afeta nossa existência enquanto pessoa humana, em nosso
corpo? O que significa ser elevada à glória celeste em corpo e alma? O
psicanalista Karl Jung havia dito que a Assunção de Maria no contexto de sua
definição e proclamação vinha carregado de arquétipos humanos mas, sobretudo, colocou
em relevância o dogma como expressão de renovada esperança de cumprimento das
aspirações que se move no mais profundo da alma, garantindo a paz e o
equilíbrio de saúde e de vida. A Assunção de Maria não é apenas a plenitude da
realização de Maria, mas se torna a resposta à pergunta pelo sentido da vida,
pois assunto é o Sim de Deus aos anseios mais profundos do ser humano: mulher e
homem. A glorificação de Maria no corpo é a glorificação de toda Igreja que
será cidadã da Pátria celeste. Maria goza da Páscoa total e é modelo para a
Igreja e prelúdio da Páscoa da história e do Cosmo inteiro, destinado a
recapitulação para tributar a glória ao Pai na unidade do Espírito Santo, no
dinamismo do Ressuscitado. O corpo aparece como espaço de Salvação, habitação
da Divina Trindade, onde Maria encontrou sua habitação e deixou-se habitar em
um total descentramento de si para encontrar o tudo de sua vida. Afirmar a
Assunção de Maria é afirmar que ela já participa da realidade em que todos
participarão. O corpo não é expressão de morte, de destruição, mas, de uma
transfiguração em Cristo pela força da Ressurreição. Somos um corpo físico e
transcendente, espaço do falar, do ser, do querer, do agir, do pensar, do sair
de si, para encontrar os outros e para se relacionar, interagir no somatório de
forças e experiências de Deus e da vida em desenvolvimento e criatividade, na
harmonia e adesão ao Projeto de Deus. Maria é a mulher da plenitude da beleza,
da bondade e da graça harmoniosa de Deus que, como mulher, vence o dragão
pisoteando-lhe a cabeça. Mulher que colocou seu corpo a serviço de Jesus de
Nazaré, que andou, que meditou sobre a Palavra de Deus e a vida da Comunidade
apostólica da qual fez parte, a serviço dos pobres.
Trazendo
esses elementos para o mundo moderno e pós-moderno, vemos que o corpo, ao mesmo
tempo em que deve ser cuidado embelezado e cultuado, é extremamente
desrespeitado. Tornou-se objeto do mercado. É configurado de acordo com os
resultados financeiros. O corpo se reveste da beleza do produto, tem valor à
medida em que evidenciar tal produto e esse, dinamizar a alma do mercado: o
dinheiro. A sexualidade vem articulada simplesmente ao prazer, às relações
sexuais, minadas em sua abrangência relacional como um todo que articula a
totalidade do ser numa beleza sinfônica e harmoniosa.
A Assunção de Maria traz, para a mulher e para o homem, um novo e promissor
futuro. É a afirmação de que uma mulher participa integral e plenamente da
glória do Deus vivo, o que significa resgatar o corpo da humilhação que sobre
ele fez pesar a civilização Judaico-cristã. O corpo é o espaço da busca
incessante da Vontade de Deus, da esperança e do esperançar em um permanente
doar-se ao Projeto de vida. O corpo não é objeto de posse de alguém, mas a
Shekináh divina, que o transforma em expressão sempre maior da criatividade
missionária do encontro que salva o outro, que o resgata das estruturas, que o
encarcera sob os arquétipos não trabalhados e nem compreendidos. Maria é
portadora da alegria daqueles e daquelas que acreditam que o ser humano
constitui um todo, criado para exprimir-se como imagem e semelhança da Trindade
Santa.
* Irmã Maria Freire
da Silva, Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de
Maria; Bacharel e mestra pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, de São Paulo e doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia
Universidade Gregoriana, Roma, Itália.
Fontes de pesquisa:
PAMI, L`Assunzione di Maria Madre di Dio. 2001.
MANELLI,S,. La Mariologia nella storia dela salvezza, 2014.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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