A AVALIAÇÃO MORAL DO ABORTO
Dom Pedro Carlos Cipollini
Bispo de Santo André (SP)
A polêmica sobre o aborto é
grande na sociedade. A favor ou contra? Permitido ou não? Legaliza-se sua
prática ou não? Do ponto de vista social o aborto é um flagelo, pela enormidade
dos males que causa à sociedade. Quem já ouviu o depoimento de uma mãe que
abortou e se arrependeu, sabe do que se trata. É uma chaga oculta por onde se
esvai um precioso potencial de vida, especialmente nas sociedades, nas quais
diminui drasticamente o número de crianças.
Não falo aqui do aborto do ponto
de vista religioso, mas antropológico. É uma questão humanitária que não pode
considerar os direitos somente dos mais fortes, os adultos envolvidos, mas dos
mais fracos, os fetos que perguntam: por que matar quem tem direito à vida?
Do ponto de vista moral, o
aborto é um atentado contra a vida de um ser humano, vivendo ainda na
dependência do organismo materno (encarregado de formá-lo e protegê-lo,
constituindo, porém, já um ser autônomo), com uma lei peculiar à sua evolução.
Dentre os crimes contra a vida, o aborto provocado apresenta características
que o tornam abjurável. Isto é reconhecido por 90% da população brasileira,
segundo pesquisa Data/Folha.
Desta forma, as propostas de
certos grupos da sociedade para legalizar o aborto não estão em sintonia com a
democracia, que deve levar em conta a vontade da maioria. São grupos de
interesses, revestidos de argumentos que não se sustentam diante da mais
elementar consciência humana, não subjugada por ideologias. Diante do direito à
vida, nenhum legislador pode se arvorar em “Deus” para decretar a morte de
inocentes e indefesos.
Além do valor intrínseco como
membro da espécie humana, o feto não teria nenhum outro direito? Seria um feto
humano, inferior aos fetos das tartarugas marinhas, protegidos por lei antes de
saírem do ovo, antes de nascerem? O Império Romano concedia à pátria potestas,
o direito do infanticídio, do abandono das crianças, venda dos filhos como escravos
e do aborto. Na mentalidade do mundo greco-romano, somente o cidadão livre é
sujeito do direito: não o escravo nem a criança.
Parece-nos que, após um
progresso significativo, uma evolução do Direito, estamos involuindo, ao perder
a percepção da gravidade e criminalidade do aborto. A aceitação do aborto na
mentalidade, costumes e na própria lei é sinal de uma crise do sentido moral,
que se torna cada vez mais incapaz de distinguir o bem do mal, mesmo quando
está em jogo o direito fundamental à vida: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao
bem, chamam mal, os que tem as trevas por luz e a luz por trevas” (Is 5,20).
Todo ser humano, inclusive o
feto, tem direito à vida que lhe vem imediatamente do Criador, não dos pais nem
de qualquer autoridade humana. O ser humano é chamado a colaborar com o Criador
na transmissão da vida, mas não é o senhor da vida. Não existe ademais uma
pessoa humana com título válido ou indicação suficiente para uma disposição
deliberada sobre uma vida inocente. Apenas se justifica o aborto não provocado
ou espontâneo, independente da vontade humana.
Dados científicos, interesses
políticos e econômicos, correntes filosóficas e morais com ideias equivocadas
de liberdade, que inclui a eliminação do outro, soberba dos legisladores, que
se arvoram em senhores da vida ou da morte, como se fossem Deuses, tudo isto
vai aos poucos incutindo na sociedade o projeto de uma “sociedade abortista”.
Numa sociedade que legisla a morte de inocentes e crianças, aos poucos se chega a legislar a morte dos idosos, depois a legislar a morte dos doentes incuráveis, dos inúteis ao Mercado etc. É urgente a “humanização” baseada na importância de toda vida humana e que dá o mesmo valor a todo ser humano desde seu início a seu fim natural.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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