A liturgia é escola de vida – I
Entenda
o modo de viver de um grupo de pessoas, existente desde tempos imemoriais e
presente em todas as grandes religiões: o monaquismo. E como esse modo de viver
pode nos ajudar a ter uma vida mais plena:
Trabalhando
e Rezando (Ora et labora)
A
RB não apresenta uma teologia teoricamente elaborada do Opus
Dei/oficio divino, e ainda menos da eucaristia. Esse objetivo não pertence
ao gênero literário da RB. Ela visa orientar com sabedoria espiritual a vida
cotidiana do monge e da monja no seu conjunto, fazendo dela uma autêntica
experiência de Deus, unitária e variegada nas suas expressões. É possível,
porém, encontrarmos alguns elementos essenciais, que são como pilares que
sustentam a estrutura da comunidade como “tenda do Senhor” (RB, Prólogo), “casa
do Senhor” (RB 31,19; 64,5), “templo do Senhor” (RB 53,14; cf 1Pd, 2,
4-9).
Tais
elementos se encontram tanto na própria estrutura do dia como em breves
sugestões, cheias de experiência e de sabedoria espiritual, presentes às vezes
em contextos aparentemente sem conexão direta com a atividade do culto
litúrgico. É suficiente lembrar alguns exemplos:
- Vida diária
ritmada pelas
orações e tarefas cotidianas (RB 8- 18).
- Sacralidade do oratório, que pela sua função
exclusiva de lugar de oração e pelo seu simbolismo evocativo, leva o monge
e a monja à interioridade (RB 52; cf 44;45;47, etc.).
- Percepção da presença
de Deus que,
enquanto acompanha a consciência do monge e da monja em cada momento e em
todo lugar e atividade (RB 7, 14. 23), na celebração do Opus Dei alcança,
todavia, o cume da sua intensidade (19,1). Daí se irradia para a
existência inteira e a unifica, num diálogo com o Senhor, secreto e
silencioso, sem interrupção (RB 19-20), até fazer do próprio corpo do
monge e da monja, reverentemente inclinados, uma expressão sensível da
presença divina que os habitam (RB 7,63).
Cai
toda separação entre o oratório e a vida cotidiana no seu conjunto,
simbolicamente resumida no trabalho, gerando a consciência que todo e qualquer
utensílio deve ser tratado com o mesmo carinho e sentido sagrado, com que se
tratam os vasos sagrados do altar (RB 31,10). Para o olhar purificado e
unificado do monge, não é muito diferente reconhecer com fé e amor Cristo presente
no abade, pai do mosteiro em seu nome (RB 2,2; 63, 13), no irmão enfermo (RB
4,16; 36, 1-2), assim como no último dos hóspedes que sobrevém na hora mais
imprevisível e inoportuna (RB 53, 1;7;15).
Esta
é a harmonia a perseguir e construir entre o sentido interior da fé e do amor,
e os gestos do cotidiano que abrangem os espaços e os tempos da vida inteira,
construindo um estilo de viver, atuar, celebrar, relacionar-se com as pessoas e
com as coisas; na simplicidade, não de modo artificial e formal. Quanto mais
autêntica e intensa se tornar esta harmonia da pessoa, menos artificialmente
ritualizada se tornará seu estilo de vida. O cuidadoso convite de São Bento
para escutar de boa vontade as santas leituras (RB 4,55), e a dedicar-se a elas
com zelo, segundo as circunstâncias do dia (cf RB 42 e 48), alimenta aquela
elaboração saborosa da palavra do Senhor que os padres do monaquismo antigo
chamavam de “ruminatio” (ruminação). Esse processo acompanha
silenciosamente o diálogo interior no quarto do coração e unifica o tecido do
dia e do tempo. A leitura cotidiana das Escrituras (lectio divina),
encontra nesse clima seu respiro e desenvolve sua tarefa de conjunção vital
entre os dois eixos do Ora et labora.
A
percepção constante e progressiva da presença de Deus
O
sentido saboroso da presença amorosa do Senhor permite cantar
os salmos de maneira que “a nossa voz concorde com a nossa
mente” (RB 19,6-7). Esta atenção desperta a vontade e o gosto de “dar-se frequentemente à
oração” (RB 4,63), deixando brotar espontaneamente, pela moção do Espírito,
aquela oração irrigada pelas lágrimas, que manifesta e alimenta a
purificação do coração com arrependimento e amor (RB 4,57; 20,4).
Há
outra oração interior e continua: é o desejo. Ainda que faças qualquer outra
coisa, se desejas aquele repouso do sábado eterno, não cessas de orar. Se não
queres cessar de orar, não cesse de desejar. Se teu desejo é continuo, a tua
voz é continua.
Através
deste itinerário interior, sustentado pela estrutura do dia que
orienta a Cristo e alimenta o sentido de viver constantemente à presença do
Senhor, não com medo, mas na liberdade do amor (cume da vida do monge- cf RB 7,
67 -70), a prescrição “Nada antepor ao Opus Dei” passa do
preceito/norma exterior a se cumprir, à expressão da feliz experiência de quem
aprendeu a suprema lei do amor, da liberdade e da intimidade com
o Senhor.
Esta
experiência gera uma nova escala de prioridades e escolhas que passam a modelar
a existência do monge e da monja. A esta altura, se desenvolve no coração
deles, aquela percepção e visão unitária da vida, permeada pela luz e energia
do Espírito, que geram grande liberdade interior, e ao mesmo tempo são capazes
de delicada atenção aos pormenores da vida cotidiana e às relações com os
irmãos/ãs. Até nos pormenores vive-se com naturalidade a experiência da
plenitude e da liberdade. Pequena antecipação do “retorno ao paraíso”,
categoria tão querida à tradição monástica para interpretar o sentido e a
direção do caminho monástico, à luz da vida espiritual compreendida como
inserção e cumprimento da única história da salvação.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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